CAPÍTULO TREZE

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Puta merda.

Ela está aqui, fitando-me com uma expressão preocupante e vazia, segurando um revólver. Meu inconsciente desaba, desfalecido, e acho que nem se alguém trouxer sais para ele cheirar vai conseguir trazê-lo de volta.

Pisco repetidas vezes na direção de Leila enquanto minha mente é um turbilhão. Como ela entrou aqui? Cadê Ethan? Puta merda! Cadê Ethan?

Um medo enregelante toma o meu coração, e meu couro cabeludo pinica, cada folículo em minha cabeça retesado de terror. E se ela tiver feito alguma coisa a ele? Começo a respirar depressa, a adrenalina e um medo paralisante correndo pelo meu corpo. Fique calma, fique calma, repito o mantra para mim mesma de novo e de novo.

Ela inclina a cabeça, observando-me como se eu fosse uma peça exposta num show de horrores. Ei, não sou eu a maluca aqui.

A sensação é de que passou toda uma eternidade até que eu tenha assimilado a situação, embora na verdade tenha levado uma fração de segundo. Leila permanece com uma expressão vazia, e sua aparência está mais imunda e malcuidada do que nunca. Ainda está usando o mesmo casaco encardido e parece estar precisando desesperadamente de um banho. O cabelo está oleoso e escorrido, emplastrado na cabeça, seus olhos num tom de marrom opaco, levemente confusos.

Apesar da minha boca completamente seca, tento falar:

— Oi. Leila, não é isso? — arranho.

Ela sorri, mas seus lábios se movem numa curva incômoda, em vez de num sorriso de verdade.

— Ah, ela fala — sussurra, e sua voz é suave e rouca ao mesmo tempo, um som horripilante.

— Sim, eu falo — digo com gentileza, como se estivesse conversando com uma criança. — Você está aqui sozinha?

Cadê Ethan? Meu coração pula com a ideia de que ele possa estar machucado.

Seu rosto desmorona de tal forma que acho que está prestes a desabar em lágrimas — ela parece tão abandonada.

— Sozinha — sussurra. — Sozinha.

E o grau de tristeza naquela única palavra é de partir o coração. O que ela quer dizer? Eu estou sozinha? Ela está sozinha? Está sozinha porque feriu Ethan? Ah... não... preciso lutar contra esse medo paralisante apertando minha garganta à medida que as lágrimas ameaçam escorrer.

— O que você está fazendo aqui? Posso ajudar? — minhas palavras são calmas, uma interrogação gentil apesar do pânico sufocante em minha garganta.

Ela franze as sobrancelhas como se estivesse completamente atordoada com minhas perguntas. Mas não faz nenhum movimento violento em minha direção. Sua mão ainda está relaxada em torno da arma. Adoto uma nova estratégia, tentando ignorar a tensão em meu couro cabeludo.

— Quer tomar um chá? — Por que estou perguntando a ela se ela quer tomar um chá? É a resposta de Ray para qualquer situação emotiva, brotando de forma inapropriada.

Caramba, ele teria um troço se me visse aqui neste exato momento. Seu treinamento militar já teria dado as caras, e ele já a teria desarmado a essa altura. Na verdade, ela não está bem apontando a arma para mim. Talvez eu possa me mover. Ela balança a cabeça de um lado para o outro, como se estivesse alongando o pescoço.

Inspiro fundo, tentando acalmar minha respiração apavorada, e caminho em direção à bancada da cozinha. Ela franze a testa como se não conseguisse entender muito bem o que eu estou fazendo e se move de leve, para continuar de frente para mim. Pego a chaleira e, trêmula, encho-a com água da torneira. Enquanto me mantenho em movimento, minha respiração se acalma. É, se ela me quisesse morta, já teria atirado a essa altura. Ela me observa com uma curiosidade ausente, confusa. Ao ligar a chaleira, a imagem de Ethan me persegue. Será que está machucado? Amarrado?

— Tem mais alguém no apartamento? — pergunto, com cuidado.

Ela inclina a cabeça para o outro lado e, com a mão direita — a mão livre — segura uma mecha do cabelo comprido e oleoso e começa a puxá-la e enrolá-la no dedo. Na certa é um tique nervoso, e, distraída com aquilo, percebo mais uma vez o quanto ela se parece comigo. Seguro a respiração, esperando a resposta dela, a ansiedade assomando-se a um nível quase insuportável.

— Sozinha. Completamente sozinha — murmura ela.

E aquilo me conforta. Talvez Ethan não esteja aqui. O alívio me fortalece.

— Tem certeza de que não quer um chá ou um café?

— Não estou com sede — responde ela de mansinho e dá um passo cuidadoso na minha direção. Minha sensação de fortalecimento evapora. Merda! Começo a ofegar de novo, sentindo o medo crescer em minhas veias. Apesar disso, e sendo mais do que corajosa, eu me viro para pegar duas xícaras no armário.

— O que você tem que eu não tenho? — pergunta ela, a voz adquirindo a entonação monótona de uma criança.

— O que você quer dizer, Leila? — pergunto do jeito mais gentil que sou capaz.

— O Dominador... o Sr. Grey... ele deixa você chamá-lo pelo nome.

— Não sou uma submissa, Leila. É... O Dominador sabe que não sou capaz, que sou inadequada para assumir essa função.

Ela inclina a cabeça para o outro lado. É um gesto absolutamente perturbador e nada natural.

— I-na-de-qua-da. — Ela testa a palavra, sentindo o som em sua língua. — Mas o Dominador está feliz. Eu o vi. Ele ri e sorri. São reações muito raras... muito raras para ele.

Ah.

— Você se parece comigo. — Ela muda de tática, surpreendendo-me, seus olhos parecendo me focalizar de verdade pela primeira vez. — O Dominador gosta de moças obedientes que se parecem com você e comigo. As outras, todas iguais... todas iguais... e, no entanto, você dorme na cama dele. Eu vi você.

Merda! Ela estava mesmo no quarto. Não foi imaginação minha.

— Você me viu na cama dele? — sussurro.

— Nunca dormi na cama do Dominador — balbucia.

Ela parece uma aparição etérea caída do céu. Uma pessoa pela metade. Está tão acabada que, apesar de segurar um revólver, de repente sinto uma onda de compaixão por ela. Sua mão se flexiona em torno da arma, e eu arregalo os olhos, que ameaçam saltar do meu rosto.

— Por que o Dominador gosta da gente desse jeito? Me faz pensar numa coisa... numa coisa... o Dominador é sombrio... o Dominador é um homem sombrio, mas eu o amo.

Não, não, ele não é. Eu me remoo por dentro. Ele não é sombrio. Ele é um homem bom, e ele não está mais no escuro. Ele se juntou a mim na luz. E agora ela está aqui, tentando arrastá-lo de volta com uma ideia errada de que o ama.

— Leila, você quer me dar a arma? — pergunto, delicadamente.

Ela aperta a arma com força, abraçando-a junto ao peito.

— Ela é minha. É tudo o que tenho. — E acaricia o revólver. — Para que ela possa se unir ao seu amor.

Merda! Que amor... Christian? É como se ela tivesse me dado um soco no estômago. Sei que daqui a pouco ele virá para cá para ver por que estou demorando tanto. Será que ela quer atirar nele? A ideia é tão aterradora que sinto minha garganta inchar e doer com um nó gigantesco, e quase me engasgo, parece com o medo que está alojado em minha barriga.

E neste exato momento a porta se abre, e Christian está de pé junto à entrada, com Taylor atrás de si.

Numa olhada de relance, os olhos de Christian correm da minha cabeça aos meus pés, e percebo neles uma leve faísca de alívio. Mas o alívio é passageiro, esvaindo-se no instante em que ele se vira para Leila. Ele fica paralisado, observando-a, sem mover um único músculo. E olha para ela com uma intensidade que nunca vi antes, os olhos selvagens, arregalados, furiosos e em pânico.

Ah, não... ah, não.

Leila arregala os olhos e, por um instante, é como se tivesse recuperado a razão. Ela pisca depressa e aperta de novo a arma com a mão.

Minha respiração fica presa na garganta, e meu coração começa a bater tão forte que ouço o sangue pulsar em meus ouvidos. Não, não, não!

Meu mundo oscila precariamente nas mãos dessa pobre e desajustada mulher. Será que ela vai atirar? Em nós dois? Só em Christian? O pensamento é paralisante.

Mas, depois de uma eternidade, o tempo suspenso ao nosso redor, sua cabeça pende de leve para a frente, e ela fita Christian através dos longos cílios, uma expressão contrita no rosto.

Christian estende a mão, pedindo a Taylor para ficar onde está. O rosto lívido de Taylor denuncia sua fúria. Nunca o vi desse jeito, mas ele permanece no mesmo lugar, enquanto Christian e Leila encaram um ao outro.

Percebo que estou prendendo a respiração. O que ela vai fazer? O que ele vai fazer? Mas eles só continuam a se encarar. A expressão de Christian é crua, repleta de alguma emoção desconhecida. Pode ser pena, medo, carinho... ou é amor? Não, por favor, amor não!

Seus olhos mergulham nela, e de algum jeito angustiante de tão lento, a atmosfera no apartamento se altera. A tensão está se acumulando, e eu posso sentir a conexão entre os dois, a carga que emana de um para o outro.

Não! De repente eu sinto como se eu fosse a enxerida, atrapalhando os dois enquanto eles permanecem se encarando. Sou uma estranha... uma voyeur, espionando uma cena proibida e íntima por detrás de cortinas fechadas.

O olhar intenso de Christian se aviva, e sua atitude muda sutilmente. Ele parece mais alto, mais magro de algum jeito, mais frio e mais distante. Reconheço a postura. Já o vi desse jeito... no quarto de jogos.

Meu couro cabeludo pinica de novo. Este é o Christian Dominador, e como parece à vontade. Se ele nasceu para o papel ou se foi moldado para ele, eu não sei, mas com o coração apertado e a barriga dando voltas, observo Leila responder a seu olhar, os lábios se entreabrindo, a respiração acelerando, o primeiro sinal de vida corando-lhe o rosto. Não! É um vislumbre indesejado de seu passado, algo angustiante de se presenciar.

Enfim, ele fala algo com ela, sem emitir som. Não consigo distinguir o que é, mas o efeito que tem sobre Leila é imediato. Ela se joga no chão de joelhos, a cabeça abaixada, e a arma cai, escorregando ociosa no piso de madeira. Puta merda.

Christian caminha calmamente até onde o revólver caiu e se abaixa com elegância para pegá-lo. Ele o observa com nojo mal-disfarçado e o enfia no bolso do paletó. Olha mais uma vez para Leila, ajoelhada obedientemente junto à bancada da cozinha.

— Anastasia, vá com Taylor — ordena.

Taylor dá um passo à frente e olha para mim.

— Ethan — sussurro.

— Lá embaixo — responde ele com naturalidade, sem tirar os olhos de Leila.

Lá embaixo. Não aqui. Ethan está bem. O alívio corre forte e ligeiro pelas minhas veias, e, por um instante, acho que vou desmaiar.

— Anastasia. — A voz de Christian soa contida, num sinal de alerta.

Pisco para ele e, de repente, sou incapaz de me mover. Não quero deixá-lo com ela. Ele se move e fica de pé junto de Leila, e então ela se ajoelha aos seus pés. Inclina-se sobre ela, protetoramente. Ela está tão quieta, chega a ser artificial. Não consigo tirar os olhos dos dois — juntos...

— Pelo amor de Deus, Anastasia, será que você pode me obedecer pelo menos uma vez na vida e sair daqui? — Christian fixa os olhos nos meus, encarando-me, e sua voz é fria como gelo. A raiva sob sua fala contida e sob o uso deliberado dessas palavras chega a ser palpável.

Com raiva de mim? De jeito nenhum. Por favor... não! É como se ele tivesse me dado um tapa com força. Por que ele quer ficar com ela?

— Taylor. Leve a Srta. Steele lá para baixo. Agora.

Taylor faz que sim com a cabeça, e encaro Christian.

— Por quê? — choramingo.

— Agora. Para o apartamento. — Seus olhos queimam, gelados, em mim. — Preciso ficar sozinho com Leila — diz, em tom de urgência.

Acho que ele está tentando passar algum tipo de mensagem, mas depois de tudo o que aconteceu estou tão transtornada que não sei dizer ao certo. Dou uma olhada de relance para Leila e noto um pequeno sorriso tomar seus lábios, mas fora isso, ela permanece inteiramente imperturbável. Uma submissa completa. Merda! Meu coração para.

É disso que ele precisa. É disso que ele gosta. Não! Quero chorar.

— Srta. Steele. Ana — Taylor me estende a mão, implorando-me para sair com ele. Estou paralisada pelo espetáculo de horror diante de mim. Ele confirma meus piores medos e mexe com todas as minhas inseguranças: Christian e Leila juntos. O Dominador e sua Submissa.

— Taylor — diz Christian com urgência, e Taylor se abaixa e me pega no colo.

A última coisa que vejo ao ir embora é Christian acariciando gentilmente a cabeça de Leila e murmurando algo bem baixinho para ela.

Não!

Taylor me conduz pelas escadas abaixo, e vou soltando meu peso nos braços dele, tentando entender o que acabou de acontecer nos últimos dez minutos — ou será que foi mais? Ou menos? Não compreendo mais o conceito de tempo.

Christian e Leila, Leila e Christian... juntos? O que ele está fazendo com ela agora?

— Meu Deus, Ana! Que merda está acontecendo?

Fico aliviada por ver Ethan andando de um lado para o outro pelo saguão, ainda carregando a mala grande. Ah, graças a Deus ele está bem! Quando Taylor me solta eu praticamente me jogo em cima de Ethan, envolvendo os braços em torno de seu pescoço.

— Ethan. Ah, graças a Deus! — Eu o abraço, apertando-o junto de mim. Estava tão preocupada, e por um instante, desfruto de uma leve trégua em meu pânico crescente a respeito do que está se desenrolando em meu apartamento.

— Que merda é essa, Ana? E quem é esse cara?

— Ah, desculpe, Ethan, este é Taylor. Ele trabalha com Christian. Taylor, este é Ethan, o irmão da amiga que mora comigo.

Eles se cumprimentam com um aceno.

— Ana, o que está acontecendo lá em cima? Eu estava pegando as chaves do apartamento na bolsa quando uns caras apareceram do nada e as tomaram da minha mão. Um deles era Christian... — a voz dele desaparece.

— Ah, você chegou depois... Graças a Deus.

— É, eu encontrei um amigo de Pullman. A gente saiu para beber. O que está acontecendo lá em cima?

— Tem uma garota, uma ex de Christian. No nosso apartamento. Ela pirou, e Christian está... — minha voz falha, e meus olhos começam a se encher de lágrimas.

— Ei — sussurra Ethan e me puxa para junto de si uma vez mais. — Alguém já chamou a polícia?

— Não, não é assim. — Soluço no peito dele, e, agora que comecei, não consigo mais parar de chorar, a tensão do que acabou de acontecer se desfazendo nas minhas lágrimas. Ethan me aperta com força, mas eu percebo seu espanto.

— Ei, Ana, vamos beber alguma coisa. — Ele dá um tapinha meio sem jeito nas minhas costas.

De repente, eu também me sinto sem jeito, envergonhada, e, para falar a verdade, tudo o que quero é ficar sozinha. Mas faço que sim com a cabeça, aceitando seu convite. Quero sair daqui, ir para bem longe do que quer que esteja acontecendo lá em cima.

Eu me viro para Taylor.

— Alguém tinha checado o apartamento? — pergunto em meio às lágrimas, limpando o nariz com as costas da mão.

— Hoje à tarde. — Taylor encolhe os ombros como quem pede desculpas e me passa um lenço. Ele parece arrasado. — Sinto muito, Ana — murmura.

Eu franzo a testa. Nossa, ele parece estar se sentindo tão culpado. Não quero que se sinta pior ainda.

— Parece que ela tem uma habilidade incomum de escapar da gente — acrescenta, fazendo de novo uma cara feia.

— Ethan e eu vamos beber alguma coisa e então vamos para o Escala. — Eu enxugo os olhos.

Taylor troca o peso de uma perna para a outra, desconfortável.

— O Sr. Grey queria que você fosse direto para o apartamento — diz ele, em voz baixa.

— Bem, a gente sabe onde Leila está agora. — Não consigo conter a amargura na minha voz. — Então, não tem motivo para tanta segurança. Diga a Christian que nós o veremos mais tarde.

Taylor abre a boca para falar, mas muda de ideia sabiamente.

— Você quer deixar a mala com Taylor? — pergunto a Ethan.

— Não, posso levar comigo, obrigado.

Ethan acena para Taylor e então me conduz até a porta. Tarde demais, eu me lembro que deixei a bolsa no banco de trás do Audi. Não tenho nada comigo.

— Minha bolsa...

— Não se preocupe — murmura Ethan, o rosto marcado pela preocupação. — Tudo bem, eu pago.

* * *

ESCOLHEMOS UM BAR do outro lado da rua e nos sentamos nos bancos de madeira junto à janela. Quero ver o que está acontecendo — quem vem e, mais importante, quem vai. Ethan me passa uma garrafa de cerveja.

— Problemas com uma ex? — pergunta, com gentileza.

— É um pouco mais complicado do que isso — murmuro, subitamente na defensiva. Não posso falar sobre o assunto, assinei um termo de confidencialidade. E pela primeira vez me arrependo disso, e me ressinto com o fato de que Christian não falou nada sobre rescisão.

— Eu tenho tempo — diz Ethan com carinho e dá um longo gole em sua cerveja.

— É uma ex, de muito tempo atrás. Ela largou o marido por causa de um outro sujeito. E aí, há algumas semanas, o sujeito morreu em um acidente de carro, e agora ela veio atrás de Christian — dou de ombros. Pronto, não entreguei muita coisa.

— Veio atrás dele?

— Ela estava com uma arma.

— Cacete!

— Ela não chegou a ameaçar ninguém com o revólver. Acho que queria machucar a ela mesma. Mas é por isso que eu estava tão preocupada com você. Não sabia se você estava no apartamento.

— Entendi. Ela parece bem desequilibrada.

— É, ela é.

— E o que Christian está fazendo com ela agora?

O sangue foge do meu rosto e a bile sobe até minha garganta.

— Não sei — murmuro.

Ethan arregala os olhos. Afinal, ele entendeu.

Essa é a raiz do meu problema. Que merda que eles estão fazendo lá em cima? Conversando, espero. Apenas conversando. Ainda assim, tudo que passa pela minha cabeça é a mão dele afagando com carinho o cabelo dela.

Ela está perturbada, e Christian se preocupa com ela; é só, tento racionalizar. Mas, lá no fundo, meu inconsciente está balançando a cabeça com tristeza.

É mais do que isso. Leila foi capaz de satisfazer as necessidades dele de um jeito que eu não consigo. A ideia é deprimente.

Tento me concentrar em tudo o que fizemos nos últimos dias — a declaração de amor dele, seus flertes bem-humorados, seu humor brincalhão. Mas as palavras de Elena voltam para me atormentar. É nisso que dá ouvir a conversa dos outros... quem mandou ser curiosa?

Você não sente falta... Do quarto de jogos?

Termino minha cerveja em tempo recorde, e Ethan me passa outra. Não sou a melhor companhia, mas ele fica ao meu lado, conversando, tentando me animar, contando-me de Barbados e da extravagância de Kate e Elliot, o que é uma distração maravilhosa. Mas é só isso: uma distração.

Minha mente, meu coração, minha alma ainda estão naquele apartamento com Christian e a mulher que um dia foi sua submissa. Uma mulher que pensa que ainda o ama. Uma mulher que se parece comigo.

No meio da nossa terceira cerveja, uma caminhonete enorme com os vidros incrivelmente escuros encosta junto ao Audi na frente do meu prédio. Eu reconheço o Dr. Flynn assim que ele salta do carro, acompanhado por uma mulher usando o que parece um uniforme de hospital azul-claro. Vejo de relance Taylor conduzi-los pela porta da frente.

— Quem é aquele? — pergunta Ethan.

— Ele se chama Dr. Flynn. Christian o conhece.

— É médico?

— Psiquiatra.

— Ah.

Nós dois assistimos, e poucos minutos depois eles estão de volta. Christian está carregando Leila, que está enrolada num cobertor. O quê? Observo horrorizada eles entrarem na caminhonete e seguirem em frente à toda.

Ethan me lança um olhar compreensivo, e eu me sinto desolada, completamente desolada.

— Você pode me arranjar algo um pouco mais forte para beber? — pergunto a Ethan, a voz quase desaparecendo.

— Claro. O que você quer?

— Um conhaque. Por favor.

Ethan concorda com a cabeça e caminha até o bar. Fico olhando pela janela para a porta da frente. Momentos mais tarde Taylor aparece, entra no Audi e segue para o Escala... ou atrás de Christian? Não sei.

Ethan coloca um grande copo de conhaque na minha frente.

— Vamos lá, Steele. Vamos encher a cara.

Parece a melhor proposta que recebi nos últimos tempos. Nós brindamos, e eu dou um longo gole no líquido cor de âmbar que, desce queimando em minha garganta, o calor ardente, uma distração bem-vinda da dor terrível que está brotando em meu coração.

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Está tarde, e eu me sinto um pouco tonta. Ethan e eu estamos trancados fora do apartamento. Ele insiste em caminhar comigo até o Escala, mas não quer passar a noite lá. Ligou para o amigo com quem encontrou mais cedo e já combinou de dormir na casa dele.

— Então, é aqui que o magnata mora. — Ethan assobia, impressionado.

Faço que sim com a cabeça.

— Tem certeza que não quer que eu suba com você? — pergunta.

— Não, preciso enfrentar isso. Ou só ir para a cama.

— Vejo você amanhã?

— Claro. Obrigada, Ethan. — Dou um abraço nele.

— Vai dar tudo certo, Steele — murmura ele em meu ouvido. E então me solta e me observa caminhar até o prédio. — Até mais, baby— diz.

Dou um sorriso amarelo e aceno para ele, e então aperto o botão para chamar o elevador.

Saio do elevador e entro no apartamento de Christian. Taylor não está à espera, o que é incomum. Ao abrir as portas duplas, caminho em direção à sala de estar. Christian está ao telefone, andando de um lado para o outro junto ao piano.

— Ela está aqui — diz. Ele se vira para mim e desliga o telefone. — Onde você estava? — rosna, mas não caminha em minha direção.

Está com raiva de mim? Ele acabou de passar sei lá quanto tempo com a ex-namorada maluca, agora está com raiva de mim?

— Você bebeu? — pergunta, horrorizado.

— Um pouco. — Não achei que estivesse tão óbvio.

Ele arqueja e corre os dedos pelo cabelo.

— Eu falei para você voltar para cá. — Sua voz é ameaçadoramente baixa. — São dez e quinze. Estava preocupado com você.

— Fui tomar uma bebida ou três com Ethan enquanto você cuidava da sua ex — rebato. — Não sabia quanto tempo você iria ficar... com ela.

Christian estreita os olhos e dá alguns passos na minha direção, mas então para.

— Por que está falando assim?

Dou de ombros e baixo os olhos.

— Ana, qual o problema? — Pela primeira vez ouço outra coisa que não raiva em sua voz. O quê? Medo?

Engulo em seco, tentando pensar no que quero dizer.

— Onde está Leila? — pergunto, olhando para ele.

— Num hospital psiquiátrico em Fremont — responde ele, e seu rosto está examinando o meu. — Ana, o que houve? — Ele caminha até parar bem na minha frente. — Qual o problema?

Balanço a cabeça.

— Não sirvo para você.

— O quê? — Ele arqueja, os olhos arregalados de tensão. — Por que você acha isso? Como pode pensar uma coisa dessas?

— Não posso ser tudo o que você quer.

— Você é tudo o que eu quero.

— Só de ver você com ela... — minha voz falha.

— Por que você está fazendo isso comigo? Isso não tem nada a ver com você, Ana. Tem a ver com ela. — Ele inspira fundo, correndo as mãos pelo cabelo mais uma vez. — Ela está doente.

— Mas eu senti... o que vocês tiveram juntos.

— O quê? Não. — Ele se aproxima, e eu dou um passo para trás, instintivamente.

Ele baixa a mão, piscando. Parece tomado pelo pânico.

— Você está indo embora? — sussurra ele, seus olhos arregalados de medo.

Não respondo, estou tentando organizar meus pensamentos.

— Você não pode — implora ele.

— Christian... eu... — Faço um esforço enorme para estruturar as ideias.

O que estou tentando dizer? Preciso de tempo, tempo para assimilar isso. Só me dê um pouco de tempo.

— Não. Não! — diz ele.

— Eu...

Ele corre o olhar ao redor da sala, agitado. Procurando por inspiração? Por intervenção divina? Não sei.

— Você não pode ir. Ana, eu amo você!

— Eu também amo você, Christian, é só que...

— Não... não! — diz ele, desesperado, e leva as mãos à cabeça.

— Christian...

— Não — sussurra ele, os olhos arregalados de pânico, e, de repente, ele está de joelhos diante de mim, a cabeça abaixada, as mãos espalmadas nas coxas. Ele respira fundo e não se move.

O quê?

— Christian, o que você está fazendo?

Ele continua a olhar para o chão, sem erguer os olhos para mim.

— Christian! O que você está fazendo? — repito, numa voz aguda. Ele não se move. — Christian, olhe para mim! — ordeno, em pânico.

Ele ergue a cabeça, sem qualquer hesitação, e me encara passivo com seus olhos frios e cinzentos... Está quase sereno, em expectativa.

Puta merda... Christian. O submisso.

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