CAPÍTULO QUATORZE

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Christian está de joelhos diante de mim, mantendo-me paralisada com o seu olhar cinzento e inabalável, e essa é a visão mais assustadora e circunspecta que já vi na vida — mais até do que Leila e sua arma. A leve vertigem do álcool desaparece num instante e é substituída por uma coceira no couro cabelo e uma sensação incômoda de predestinação enquanto o sangue foge da minha cabeça.

Respiro fundo, chocada. Não. Não, isso é errado, errado e inquietante.

— Christian, por favor, não faça isso. Não quero isso.

Ele continua a me observar passivamente, sem se mover, sem dizer nada.

Ah, droga. Meu pobre Christian. Meu coração se aperta. O que eu fiz com ele? Lágrimas brotam em meus olhos.

— Por que você está fazendo isso? Fale comigo — sussurro.

Ele pisca uma vez.

— O que você quer que eu fale? — pergunta suavemente, sem emoção, e por um instante fico aliviada de que ele esteja falando, mas não desse jeito... não. Não.

As lágrimas começam a escorrer pelo meu rosto, e de repente é demais vê-lo naquela mesma posição, prostrado como a criatura patética que foi Leila. A imagem de um homem poderoso que, na verdade, ainda é só um garoto, um garoto que foi terrivelmente abusado e negligenciado, que não se sente merecedor do amor de sua família perfeita e de sua muito menos do que perfeita namorada... meu menino perdido... é de partir o coração.

Compaixão, perda e desalento, todas essas sensações me invadem, e sou tomada por um desespero paralisante. Vou ter que lutar para trazê-lo de volta, para trazer o meu Cinquenta Tons de volta.

A ideia de dominar alguém é aterrorizante. A ideia de dominar Christian me dá náuseas. Isso me igualaria a ela... à mulher que fez isso com ele.

Estremeço com o pensamento, e luto contra a bile em minha garganta. Não posso fazer isso, de jeito nenhum. Não quero fazer isso.

À medida que meus pensamentos se iluminam, vejo uma única saída. Sem desviar os olhos, eu me ajoelho diante dele.

O piso de madeira sob minhas canelas é duro, e eu limpo as lágrimas com as costas da mão.

Desse jeito, somos iguais. Estamos no mesmo nível. É a única maneira de trazê-lo de volta.

Seus olhos se arregalam quase imperceptivelmente enquanto eu o encaro, mas, fora isso, sua expressão e sua postura permanecem as mesmas.

— Christian, você não tem que fazer isso — imploro. — Eu não vou embora. Já falei milhões de vezes, eu não vou embora. Tudo o que aconteceu... é esmagador. Eu só preciso de um pouco de tempo para pensar... um pouco de tempo para mim mesma. Por que você sempre pensa o pior? — Meu coração se aperta mais uma vez, porque eu sei: é por ele ter tantas dúvidas e tanta raiva de si mesmo.

As palavras de Elena voltam para me perseguir. “Ela sabe o quão negativo você é a respeito de si mesmo? Sobre os seus problemas?”

Ah, Christian. O medo envolve meu coração mais uma vez e eu começo a tagarelar.

— Eu ia sugerir voltar para o meu apartamento esta noite. Você nunca me dá um tempo... um tempo para pensar nas coisas — soluço, e vejo seu cenho esboçar um leve franzido. — Só um tempo para pensar. A gente mal se conhece, e toda essa bagagem que vem com você... Eu preciso... Eu preciso de tempo para pensar em tudo isso. E agora que Leila está... bem, de qualquer forma... já não está mais solta por aí, não é mais uma ameaça... Eu pensei... Eu pensei... — minha voz desaparece e eu o olho para ele.

Ele está me olhando com atenção, e acho que está me ouvindo.

— Ver você com Leila... — Fecho os olhos e a memória dolorosa de sua interação com a ex-submissa me corrói mais uma vez. — Foi um choque tão grande. Eu tive um vislumbre de como era a sua vida... e... — Encaro meus dedos entrelaçados, as lágrimas ainda escorrendo pelo rosto. — Isso tem a ver com eu não ser boa o suficiente para você. Foi uma amostra da sua vida, e eu estou com muito medo de que você acabe se cansando de mim, e aí eu vou... eu vou terminar feito a Leila... uma sombra. Porque eu amo você, Christian, e se você me deixar, o mundo vai ser um lugar sem luz. Eu vou estar na escuridão. Não quero ir embora. Estou só morrendo de medo que você me deixe...

Enquanto digo essas palavras — na esperança de que ele as esteja ouvindo —, me dou conta de qual é o meu verdadeiro problema. Eu simplesmente não entendo por que ele gosta de mim. Eu nunca entendi por que ele gosta de mim.

— Eu não entendo por que você me acha atraente — murmuro. — Você é, bem, você é você... e eu... — Dou de ombros e olho para ele. — Eu não entendo. Você é lindo, sexy, bem-sucedido, bom, gentil, carinhoso... tudo isso... e eu não. E eu não consigo fazer as coisas que você gosta de fazer. Não consigo dar a você o que você precisa. Como você poderia ser feliz comigo? Como eu poderia segurá-lo? — minha voz é um sussurro à medida que expresso meus medos mais sombrios. — Nunca entendi o que você viu em mim. E ver você com ela, aquilo trouxe tudo à tona de novo. — Dou uma fungada e limpo o nariz com as costas da mão, encarando sua expressão impassível.

Ah, ele é tão exasperador. Fale comigo, merda!

— Você vai ficar aqui de joelhos a noite toda? Porque também posso fazer isso — explodo.

Acho que sua expressão se suaviza — ele parece estar achando graça. Mas é tão difícil dizer.

Eu poderia esticar a mão e tocá-lo, mas isso seria um abuso enorme da posição na qual ele me colocou. Não é o que eu quero, mas não sei o que ele quer, ou o que ele está tentando me dizer. Simplesmente não entendo.

— Christian, por favor, por favor... fale comigo — suplico, apertando as mãos no meu colo. A posição é desconfortável, mas continuo de joelhos, encarando seus lindos e sérios olhos cinzentos. E espero.

E espero.

E espero.

— Por favor — imploro mais uma vez.

Seu olhar intenso escurece de repente, e ele pisca.

— Eu estava com tanto medo — sussurra.

Ah, graças a Deus! Meu inconsciente cambaleia de volta para sua poltrona, frouxo de alívio, e toma um longo gole de gim.

Ele voltou a falar! A gratidão toma conta de mim, e eu inspiro, tentando conter a emoção e a onda de novas lágrimas que ameaçam brotar em meus olhos.

Sua voz é grave e calma.

— Quando vi Ethan chegar do lado de fora, eu soube que alguém tinha aberto a porta para você entrar no apartamento. Tanto eu quanto Taylor pulamos para fora do carro. A gente sabia, e vê-la daquele jeito com você... e armada. Acho que morri um milhão de vezes, Ana. Alguém ameaçando você... todos os meus piores medos concretizados. Eu estava com tanta raiva, dela, de você, de Taylor, de mim mesmo.

Ele balança a cabeça, revelando sua agonia.

— Eu não sabia o quão volátil ela estaria. Não sabia o que fazer. Não sabia como ela iria reagir. — Ele para e franze o cenho. — E foi então que ela me deu uma dica; parecia arrependida. E eu simplesmente soube o que tinha de fazer. — Ele se cala, olhando para mim, tentando decifrar minha reação.

— Continue — sussurro.

Ele toma fôlego.

— Vê-la daquele jeito, sabendo que eu talvez tivesse algo a ver com seu estado mental... — Ele fecha os olhos uma vez mais. — Ela sempre foi tão levada e animada. — Ele estremece e inspira asperamente, quase como num soluço.

É uma tortura ouvir isso, mas permaneço de joelhos, atenta, acolhendo a visão.

— Ela poderia ter machucado você. E teria sido minha culpa. — Seus olhos se desviam dos meus, repletos de um horror incompreensível, e, mais uma vez, ele fica em silêncio.

— Mas não machucou — sussurro. — E você não era o responsável por ela estar naquele estado, Christian. — Pisco para ele, encorajando-o a continuar.

E então eu me dou conta de que tudo o que ele fez foi para me manter em segurança, e talvez Leila também, porque ele também se preocupa com ela. Mas quanto? A pergunta permanece em minha cabeça, indesejável. Ele diz que me ama, mas ele foi tão duro, expulsando-me daquele jeito do meu próprio apartamento.

— Eu só queria que você saísse — murmura ele, com a estranha habilidade de sempre de ler meus pensamentos. — Eu queria você longe do perigo, e... Você. Simplesmente. Não. Ia. Embora — resmunga ele entre os dentes, balançando a cabeça, sua exasperação palpável.

E então ele me olha com atenção.

— Anastasia Steele, você é a mulher mais teimosa que eu já conheci. — Ele fecha os olhos e balança a cabeça em descrença.

Ah, ele voltou. Dou um longo e purificante suspiro de alívio.

Ele abre os olhos de novo, a expressão desamparada... sincera.

— Você não ia me deixar? — pergunta.

Não!

Ele fecha os olhos de novo e todo o seu corpo relaxa. Quando os reabre, posso ver sua dor e sua angústia.

— Eu achei... — Ele para. — Isto aqui sou eu, Ana. Eu por inteiro... e sou todo seu. O que eu tenho que fazer para você entender? Para você ver que quero você do jeito que for. Que eu amo você.

— Eu também amo você, Christian, e ver você desse jeito é... — Balanço a cabeça e as lágrimas retornam. — Achei que eu tinha estragado você.

— Estragado? Eu? Ah, não, Ana. É exatamente o oposto. — Ele estica a mão e pega a minha. — Você é a minha tábua da salvação — sussurra, beijando meus dedos antes de apertar minha mão na sua.

Com os olhos arregalados e cheios de medo, ele gentilmente puxa minha mão e a coloca em seu peito, sobre o coração — na zona proibida. Sua respiração se acelera. Seu coração está batendo apressado, num ritmo frenético sob os meus dedos. Ele não tira os olhos dos meus; sua mandíbula está tensa, os dentes cerrados.

Eu arquejo. Ah, meu Cinquenta Tons! Ele está me deixando tocá-lo. E é como se todo o ar de meus pulmões tivesse sumido, desaparecido. O sangue pulsa em minhas orelhas à medida que meu coração acelera para se encaixar ao ritmo do dele.

Ele solta minha mão, deixando-a sobre seu peito. Flexiono os dedos de leve, sentindo o calor de sua pele sob o tecido da camisa. Ele está prendendo a respiração. Não posso suportar. Inicio um movimento para retirar a mão.

— Não — diz ele depressa, colocando mais uma vez a mão sobre a minha, apertando meus dedos contra seu corpo. — Não tire.

Encorajada por essas palavras, eu me aproximo de modo que nossos joelhos se tocam e, com cuidado, ergo a outra mão para que ele saiba exatamente o que vou fazer. Ele arregala os olhos, mas não me interrompe.

Gentilmente, começo a desabotoar sua camisa. O que é difícil, usando apenas uma das mãos. Movo os dedos sob a mão dele e ele me solta, permitindo que eu abra sua camisa com as duas mãos. Ao abri-la, revelando seu peito, meus olhos não desgrudam dos dele.

Ele inspira fundo, e seus lábios se entreabrem à medida que sua respiração se acelera; posso sentir seu medo crescente, mas ele não desiste. Ainda está agindo como submisso? Não tenho ideia.

Será que devo fazer isso? Não quero machucá-lo, nem física nem mentalmente. A visão de Christian desse jeito, oferecendo-se para mim, foi o meu grito de alerta.

Ergo o braço, e minha mão paira sobre o peito dele, eu o encaro... pedindo permissão. Ele inclina a cabeça muito sutilmente, juntando coragem na expectativa pelo meu toque, e a tensão irradia de seu corpo, mas dessa vez, não é por raiva — é por medo.

Hesito. Posso mesmo fazer isso com ele?

— Sim — sussurra ele, mais uma vez com sua estranha habilidade de responder a minhas perguntas não ditas.

Passo a ponta dos dedos em seus pelos e os acaricio bem de leve, seguindo em direção ao esterno. Ele fecha os olhos, seu rosto se contorce como se estivesse experimentando alguma dor intolerável. É insuportável de se ver, então ergo os dedos imediatamente, mas ele agarra a minha mão depressa e a coloca de volta no lugar, espalmada contra seu peito nu de modo que seus pelos fazem cócegas em minha palma.

— Não — diz ele, a voz tensa. — Eu preciso disso.

Seus olhos estão tão apertados. Deve ser uma verdadeira agonia. É realmente atormentador de se ver. Com cuidado, deixo meus dedos correrem ao longo de seu peito, até a altura do coração, maravilhada com o contato, em pânico de que isso seja um passo grande demais.

Ele abre os olhos, e eles estão ardentes, queimando-me.

Puta merda. Seu olhar é abrasador, selvagem, mais do que intenso, e sua respiração está acelerada. Meu sangue se agita. Eu me contorço sob seus olhos.

Ele não me interrompeu, então corro os dedos ao longo de seu peito novamente, e seus lábios relaxam, abrindo-se. Ele está ofegante, e não sei se é de medo ou outra coisa.

Faz tanto tempo que eu queria beijá-lo ali que eu me ergo em meus joelhos, mantendo os olhos fixos nos dele por um instante, para deixar minha intenção perfeitamente clara. E então eu me abaixo e, suavemente, deixo um beijo carinhoso logo acima de seu coração, sentindo a pele quente e perfumada sob meus lábios.

Seu gemido contido me toca tão profundamente que eu recuo, temerosa do que vou ver em seu rosto. Seus olhos estão apertados, mas ele não se moveu.

— De novo — sussurra ele, e eu me aproximo de seu peito novamente, dessa vez na intenção de beijar uma das cicatrizes.

Ele expira, e eu beijo mais uma. Ele geme alto, e, de repente, seus braços estão ao redor de mim, sua mão em meu cabelo, comprimindo minha cabeça com tanta força que meus lábios encontram sua boca sedenta. E estamos nos beijando, meus dedos correndo pelo cabelo dele.

— Ah, Ana — sussurra ele, girando-me e me empurrando contra o chão de forma que fico debaixo de seu corpo.

Ergo minhas mãos para segurar o seu lindo rosto e, naquele momento, sinto suas lágrimas.

Ele está chorando... não. Não!

— Christian, por favor, não chore. Eu estava falando sério quando disse que nunca vou deixar você. Mesmo. Sinto muito se transmiti alguma outra impressão... Por favor, por favor, me perdoe. Eu amo você. E sempre vou amar.

Ele paira em cima de mim, encarando meu rosto, e sua expressão é de dor.

— O que foi?

Ele arregala os olhos.

— Que segredo é esse que você acha que vai me fazer fugir daqui correndo? Que faz você ter tanta certeza de que eu iria embora? — imploro, a voz trêmula. — Conte para mim, Christian, por favor...

Ele se senta, de pernas cruzadas, e eu me sento também, com as pernas esticadas. Pergunto-me vagamente se não poderíamos nos levantar do chão. Mas não quero interromper sua linha de pensamento. Ele finalmente vai se abrir para mim.

Ele me encara, e parece profundamente desolado. Droga... é alguma coisa grave.

— Ana... — Ele para, procurando as palavras, as feições atormentadas... Aonde vai com isso?

Ele inspira fundo e engole em seco.

— Eu sou um sádico, Ana. Eu gosto de chicotear garotas morenas feito você porque todas vocês se parecem com a prostituta viciada... minha mãe biológica. E eu tenho certeza de que você é capaz de imaginar por quê. — Ele solta as palavras apressado, como se estivesse com a frase preparada na cabeça há dias e dias, desesperado para se livrar dela.

Meu mundo para. Ah, não.

Não era o que eu esperava. Isso é pesado. Muito pesado. Eu o encaro, tentando entender as implicações do que ele acabou de dizer. Isso explica por que somos todas tão parecidas.

Meu primeiro pensamento é que Leila tinha razão: “O Dominador é sombrio.”

E me lembro da primeira conversa que tive com ele sobre suas tendências, quando estávamos no Quarto Vermelho da Dor.

— Você disse que não era sádico — sussurro, tentando desesperadamente entender... criar uma desculpa para ele.

— Não, eu disse que era Dominador. Se menti para você, foi uma mentira por omissão. Me desculpe. — Ele olha de relance para suas unhas bem cuidadas.

Acho que está mortificado. Mas mortificado por ter mentido para mim? Ou por causa do que ele é?

— Na época em que você me perguntou aquilo, eu tinha imaginado um relacionamento completamente diferente entre a gente — murmura ele. E, pelo seu olhar, sei que está apavorado.

E é só então que me dou conta. Se ele é um sádico, ele realmente precisa de toda aquela porcaria de chicote e vara. Ai, merda. Seguro a cabeça nas mãos.

— Então é verdade — sussurro, erguendo o olhar para ele —, não posso lhe dar o que você quer.

Pronto, é isso. Realmente somos incompatíveis.

O mundo começa a se desfazer aos meus pés, desmoronando ao meu redor, o pânico enchendo minha garganta. É isso. A gente não pode dar certo.

Ele franze a testa.

— Não, não, não. Ana. Não. Você pode, sim. Você me dá o que eu quero. — Ele fecha os punhos. — Por favor, acredite em mim — murmura, as palavras num apelo emocionado.

— Não sei no que acreditar, Christian. Isso é tão terrível — sussurro, a garganta seca e dolorida se fechando, engasgando-me com as lágrimas não derramadas.

Ao me encarar de novo, seus olhos estão arregalados e brilhantes.

— Ana, acredite em mim. Depois que eu a puni e você me deixou, minha visão de mundo mudou. Eu não estava brincando quando disse que faria de tudo para nunca mais sentir aquilo de novo. — Ele me observa, numa súplica sofrida. — Quando você disse que me amava, foi uma revelação. Ninguém nunca tinha me dito aquilo antes, e foi como se eu tivesse concluído uma etapa... ou talvez como se você tivesse concluído uma etapa, não sei. Dr. Flynn e eu ainda estamos discutindo a questão a fundo.

Ah. Um sopro de esperança envolve meu coração por um instante. Talvez a gente possa dar certo. Eu quero que funcione. Não quero?

— O que significa isso tudo? — murmuro.

— Que eu não preciso daquilo. Não agora.

O quê?

— Como você sabe? Como pode ter tanta certeza?

— Eu simplesmente sei. A ideia de machucar você... machucar você de verdade... é repugnante para mim.

— Eu não entendo. E quanto à régua, às palmadas, toda aquela trepada sacana?

Ele corre uma das mãos pelo cabelo e quase chega a sorrir, mas em vez disso, solta um suspiro pesaroso.

— Estou falando de bater de verdade, Anastasia. Você devia ver o que sou capaz de fazer com uma vara ou com um chicote.

— Prefiro não ver. — Fico boquiaberta, chocada.

— Eu sei. Se você quisesse fazer essas coisas, então tudo bem... mas você não quer, e eu entendo. Não posso fazer aquela merda toda com você se não quiser. Já falei uma vez, o poder é todo seu. E agora, desde que você voltou, não sinto nenhuma vontade.

Fico paralisada, encarando-o por um instante, tentando assimilar tudo o que ele disse.

— Mas quando a gente se conheceu, era isso que você queria, não era?

— Era, sem dúvida.

— E como pode a sua vontade simplesmente desaparecer, Christian? Como se eu fosse algum tipo de panaceia, e você estivesse... curado, por falta de palavra melhor... Eu não entendo.

Ele suspira mais uma vez.

— Eu não diria “curado”... Você não acredita em mim?

— Eu só acho tudo isso... inacreditável. É diferente.

— Se você nunca tivesse me deixado, então eu talvez não me sentisse assim. O fato de você ter ido embora foi a melhor coisa que poderia ter acontecido... para nós dois. Aquilo fez com que eu me desse conta do quanto eu queria você, só você. E estou falando sério quando digo que quero você do jeito que for.

Eu fito seu rosto. Devo acreditar nisso? Minha cabeça dói só de pensar no assunto, e, lá no fundo, sinto-me... entorpecida.

— Você ainda está aqui. Achei que já teria sumido por aquela porta a essa altura — sussurra ele.

— Por quê? Porque eu talvez pense que você é doente, porque espanca e transa com mulheres que se parecem com a sua mãe? O que teria lhe dado essa impressão? — solto, explodindo.

Ele fica branco ao som de minhas palavras duras.

— Bem, eu não diria exatamente assim, mas é — responde ele, os olhos arregalados e feridos.

Ele permanece com a expressão séria, e eu me arrependo do meu ataque. Franzo a testa, sentindo uma pontada de culpa.

O que eu vou fazer? Olho para Christian, e ele parece tão arrependido, tão sincero... parece o meu Cinquenta Tons.

E, do nada, eu me lembro da foto em seu quarto de criança, e então me dou conta de por que aquela mulher me pareceu tão familiar. Ela se parecia com ele. Devia ser sua mãe biológica.

A facilidade com que ele a dispensou me vem à cabeça: Ninguém importante... Ela é a responsável por tudo isso... e eu pareço com ela... Puta merda!

Ele me encara, os olhos inchados, e sei que está esperando pelo meu próximo passo. Parece verdadeiro. Ele disse que me ama, mas estou muito confusa.

Tudo isso é muito terrível. Ele já me assegurou a respeito de Leila, mas agora eu sei, com mais certeza do que nunca, como ela era capaz de excitá-lo. A ideia é esgotante e desagradável.

— Christian, eu estou exausta. A gente pode conversar sobre isso amanhã? Quero ir para a cama.

Ele pisca para mim, surpreso.

— Você não vai embora?

— Você quer que eu vá?

— Não! Achei que você iria embora assim que eu contasse.

Todas as vezes em que ele falou que eu iria embora assim que soubesse seu segredo mais sombrio me vêm à cabeça... e agora eu sei. Merda. O dominador é sombrio.

Será que eu deveria ir embora? Olho para ele, esse homem louco que eu amo... isso mesmo, que eu amo.

Posso deixá-lo? Eu já o deixei uma vez, e aquilo praticamente acabou comigo... e com ele. Eu o amo. Sei disso, apesar dessa revelação.

— Não me deixe — sussurra ele.

— Pelo amor de Deus... não! Eu não vou embora! — grito, e é libertador. Pronto, falei. Não vou embora.

— Mesmo? — Ele arregala os olhos.

— O que eu preciso fazer para você entender que não vou fugir? O que você quer que eu diga?

Ele me encara, demonstrando seu medo e sua angústia novamente. E inspira.

— Tem uma coisa que você pode fazer.

— O quê? — rebato.

— Casar-se comigo — sussurra.

O quê? Ele realmente acabou de...

Pela segunda vez em menos de meia hora meu mundo para de girar.

Puta merda. Eu fito o homem profundamente perturbado a quem entreguei o meu amor. Não posso acreditar no que ele acabou de dizer.

Casar? Ele está me pedindo em casamento? Isso é alguma brincadeira? Não consigo evitar: uma risadinha nervosa e descrente irrompe dentro de mim. Mordo o lábio para impedir que ela se transforme numa gargalhada histérica em todas as suas proporções, mas falho miseravelmente. Deito de costas no chão e me entrego, rindo como nunca ri antes na vida, uma gargalhada libertadora e de poder curativo.

E, por um instante, vejo-me sozinha, observando de fora essa cena absurda, uma garota exausta, rindo junto a um menino lindo e perturbado. Coloco o braço por cima do rosto, e meu riso vai se transformando em lágrimas escaldantes. Não, não... isso é demais.

À medida que a histeria vai se dissipando, Christian tira meu braço do rosto com carinho. Eu me viro e olho para ele.

Ele está debruçado em cima de mim. A boca retorcida num divertimento irônico, mas seus olhos estão em chamas, talvez feridos. Ah, não.

Com gentileza, ele limpa do meu rosto um rastro de lágrimas com as costas da mão.

— Você acha meu pedido de casamento engraçado, Srta. Steele?

Ah, Christian! Esticando o braço, eu acaricio seu rosto, desfrutando o toque de sua barba por fazer sob meus dedos. Meu Deus, eu amo esse homem.

— Sr. Grey... Christian. A sua noção de timing é, sem dúvida... — Fico olhando para ele, sem saber o que dizer.

Ele sorri para mim, mas as rugas ao redor de seus olhos me dizem que está magoado. Ele está falando sério.

— Você está me matando aqui, Ana. Quer se casar comigo?

Eu me sento e me debruço sobre ele, apoiando as mãos em seus joelhos. Fito seu belo rosto.

— Christian, eu acabei de encontrar a sua ex-namorada apontando uma arma para mim, de ser expulsa do meu próprio apartamento, de ver você dar uma de Cinquenta Tons termonuclear...

Ele abre a boca para falar, mas eu ergo a mão, e, obediente, ele fica quieto.

— Você acabou de revelar informações a seu respeito que são, francamente, bem chocantes, e agora você me pede para eu me casar com você.

Ele balança a cabeça de um lado para o outro, como se estivesse ponderando os fatos. Está achando engraçado. Graças a Deus.

— É, acho que é um resumo justo e bem preciso da situação — diz, friamente.

— O que aconteceu com adiar a gratificação? — Balanço a cabeça para ele.

— Passei dessa fase. Agora sou um adepto convicto da gratificação instantânea. Carpe diem, Ana — sussurra ele.

— Olhe, Christian, eu conheço você há uns três minutos, e tem tanta coisa que preciso saber. Eu bebi muito, estou com fome, estou cansada, e quero ir dormir. Preciso pensar a respeito da sua proposta da mesma forma como avaliei o contrato que você me ofereceu. E... — pressiono os lábios para mostrar minha desaprovação, mas também para aliviar o clima entre nós — ... não foi um pedido de casamento muito romântico.

Ele inclina a cabeça para o lado, e seus lábios se curvam num sorriso.

— É um bom argumento e bem colocado, Srta. Steele, como sempre — suspira, a voz envolta em alívio. — Então, isso é um não?

Suspiro.

— Não, Sr. Grey, não é um não, mas também não é um sim. Você só está fazendo isso porque está com medo e não confia em mim.

— Não, estou fazendo isso porque finalmente conheci alguém com quem eu quero passar o resto da minha vida.

Ah. Meu coração dispara, e eu derreto por dentro. Como ele consegue falar as coisas mais românticas no meio das situações mais bizarras? Minha boca se abre de espanto.

— Nunca achei que isso fosse acontecer comigo — continua, a expressão irradiando sinceridade pura.

Fico encarando-o, boquiaberta, procurando as palavras certas.

— Posso pensar... por favor? Pensar sobre tudo o que aconteceu hoje? Sobre o que você acabou de me contar? Você me pediu fé e paciência. Bem, estou pedindo o mesmo a você, Grey. Preciso disso, agora.

Seus olhos fitam os meus, estudando-me, e, depois de um instante, ele se aproxima e passa meu cabelo por trás da orelha.

— Posso fazer isso. — E me beija rapidamente nos lábios. — Não muito romântico, é? — Ele ergue uma sobrancelha, e eu balanço a cabeça em desaprovação. — Flores e corações, então? — pergunta baixinho.

Faço que sim, e ele me lança um sorriso de leve.

— Está com fome?

— Estou.

— Você não comeu. — Seus olhos endurecem, e sua mandíbula se tenciona.

— Não, eu não comi. — Sento-me sobre os calcanhares e o encaro passivamente. — Ser expulsa do meu apartamento depois de presenciar meu namorado interagindo intimamente com sua ex-submissa tirou o meu apetite consideravelmente. — Eu o encaro com as mãos nos quadris.

Christian balança a cabeça e fica de pé num movimento elegante. Ah, finalmente a gente vai poder se levantar do chão. E estende a mão para mim.

— Deixe eu preparar alguma coisa para você comer — diz ele.

— Não posso simplesmente ir dormir? — resmungo, cansada, segurando sua mão.

Ele me levanta. Meu corpo está pesado. Ele me encara, a expressão gentil.

— Não, você precisa comer. Venha. — O Christian mandão está de volta, e é um alívio.

Ele me leva para a cozinha, até um dos bancos, e segue para a geladeira. Dou uma olhada no meu relógio e vejo que já são quase onze e meia da noite; tenho que acordar cedo para trabalhar amanhã.

— Christian, na verdade, não estou com fome.

Ele me ignora de propósito enquanto vasculha a geladeira gigante.

— Queijo? — pergunta.

— Não a essa hora.

— Pretzel?

— Da geladeira? Não — rebato.

Ele me olha sorrindo.

— Você não gosta de pretzel?

— Não às onze e meia. Christian, eu vou para a cama. Você pode continuar aí remexendo essa geladeira a noite toda se quiser. Estou cansada, e meu dia foi cheio demais. Um dia para se esquecer. — Deslizo para fora do banco e ele me olha de cara feia, mas, neste instante, não estou nem aí. Quero dormir... estou exausta.

— Macarrão com queijo? — Ele ergue uma tigela branca coberta com papel-alumínio. Ele parece tão esperançoso e amável.

— Você gosta de macarrão com queijo? — pergunto.

Ele faz que sim animado, e meu coração desmancha. Ele parece tão jovem, de repente. Quem diria? Christian Grey gosta de comida de criança.

— Quer um pouco? — pergunta ele, em expectativa. Não posso resistir a ele, e estou mesmo com fome.

Aceito com um aceno de cabeça e abro um sorriso fraco. Seu sorriso em resposta é de tirar o fôlego. Ele tira o papel-alumínio e coloca a tigela no micro-ondas. Sento-me de novo no banco e fico observando a beleza que é o Sr. Christian Grey — o homem que quer se casar comigo — movendo-se com elegância e facilidade em sua cozinha.

— Então você sabe usar o micro-ondas, hein? — brinco.

— Se vier numa embalagem, normalmente eu consigo fazer alguma coisa. O problema é comida de verdade.

Não posso acreditar que esse é o mesmo homem que estava de joelhos na minha frente há menos de meia hora. Está de volta a seu modo inconstante. Ele arruma os pratos, os talheres e os jogos americanos na bancada.

— Está muito tarde — resmungo.

— Não vá trabalhar amanhã.

— Eu tenho que ir trabalhar amanhã. Meu chefe está indo para Nova York.

Christian franze a testa.

— Você quer ir para lá no fim de semana?

— Eu olhei a previsão do tempo, e parece que vai chover — digo, balançando a cabeça.

— Ah, então o que você quer fazer?

O toque do micro-ondas nos avisa que nosso jantar está pronto.

— Eu só quero viver um dia de cada vez por enquanto. Essa agitação toda, tudo isso é... cansativo. — Ergo uma sobrancelha para ele, que ignora, sabiamente.

Christian coloca a tigela entre os nossos pratos e se senta ao meu lado. Parece mergulhado em pensamentos, distraído. Sirvo o macarrão para nós dois. O cheiro está uma delícia, e eu começo a salivar de expectativa. Estou faminta.

— Desculpe por Leila — murmura ele.

— Por que você está pedindo desculpas? — Hum, o gosto está tão bom quanto o cheiro. Minha barriga ronca de agradecimento.

— Deve ter sido um choque e tanto para você, dar de cara com ela no apartamento. O próprio Taylor tinha feito uma busca mais cedo. Ele está muito chateado.

— Não culpo Taylor.

— Nem eu. Ele esteve procurando por você.

— Sério? Por quê?

— Eu não sabia onde você estava. Você esqueceu sua bolsa, seu telefone. Eu não tinha como encontrá-la. Onde você se meteu? — pergunta ele. Sua voz é suave, mas suas palavras têm algo de sinistro.

— Ethan e eu fomos para o bar do outro lado da rua. Para que eu pudesse ver o que estava acontecendo.

— Entendi.

O clima entre nós muda subitamente. Não é mais leve e tranquilo.

Tudo bem... também posso jogar esse jogo. Vamos devolver a bola para você, Christian. Tentando soar indiferente e acalmar minha curiosidade avassaladora, mas também morrendo de medo da resposta, pergunto:

— E então, o que você fez com Leila no apartamento?

Ergo o olhar para ele, que está paralisado, com o garfo cheio de macarrão suspenso no ar. Ah, não, isso não é bom.

— Você quer mesmo saber?

Minha barriga se aperta num nó, e meu apetite desaparece.

— Quero — sussurro.

Ah, você quer? Quer mesmo? Meu inconsciente joga uma garrafa de gim vazia no chão e se ajeita em sua poltrona, encarando-me, apavorado.

Christian pressiona os lábios numa linha rígida e hesita.

— Nós conversamos, e eu dei um banho nela. — Sua voz é rouca, e, como eu não respondo, ele continua depressa. — E eu coloquei uma roupa sua nela. Espero que você não se importe. Mas ela estava imunda.

Puta merda. Ele deu um banho nela?

Que coisa mais inadequada de se fazer. Fico bamba, encarando meu prato cheio de macarrão. Imaginar a cena me dá náuseas.

Tente racionalizar, orienta meu inconsciente. Aquela parte fria e intelectual do meu cérebro sabe que ele só fez isso porque ela estava suja, mas é difícil demais. Meu ser frágil e ciumento não aguenta.

De repente, sinto vontade de chorar — não lágrimas elegantes escorrendo comportadas pelas bochechas, mas um choro descontrolado, um uivo para a lua. Respiro fundo para suprimir a vontade, mas minha garganta está seca e incômoda por causa das lágrimas e dos soluços reprimidos.

— Era tudo o que eu podia fazer, Ana — diz ele, calmamente.

— Você ainda sente alguma coisa por ela?

— Não! — diz ele, chocado, fechando os olhos numa expressão angustiada.

Eu me viro e encaro minha comida, enjoada. Não posso suportar olhar para ele.

— Vê-la daquele jeito, tão diferente, tão destruída. Eu me preocupo com ela, como um ser humano se preocupa com outro. — Ele dá de ombros como se tentasse espantar uma lembrança desagradável. Meu Deus, o que ele espera de mim, piedade? — Ana, olhe para mim.

Não posso. Sei que, se o fizer, vou explodir em lágrimas. Isso é demais para assimilar. Sou um tanque de gasolina transbordando — cheio além de sua capacidade. Não tem espaço para mais nada. Eu simplesmente não posso suportar mais merda nenhuma. Vou entrar em combustão e explodir, e vai ser feio se eu tentar. Deus do céu!

Christian cuidando de sua ex-submissa de forma tão íntima... a imagem invade a minha cabeça. Dando banho nela, pelo amor de Deus... nua. Uma dor aguda domina o meu corpo.

— Ana.

— O quê?

— Não faça isso. Não significa nada. Foi que nem cuidar de uma criança, uma criança perturbada e despedaçada — murmura ele.

Que diabo ele sabe sobre cuidar de uma criança? Trata-se de uma mulher com quem ele teve um relacionamento sexual absolutamente intenso e pervertido.

Ah, isso dói. Eu respiro fundo, buscando forças. Ou quem sabe ele esteja apenas se referindo a ele mesmo. Ele é a criança perturbada. Isso faz mais sentido... ou talvez não faça sentido nenhum. Ah, isso tudo é tão terrível, e, de repente, sinto-me cansada até os ossos. Preciso dormir.

— Ana?

Eu me levanto, carrego meu prato até a pia e jogo a comida no lixo.

— Ana, por favor.

Eu me volto para ele e o encaro.

— Chega, Christian! Chega desse “Ana, por favor”! — grito, e minhas lágrimas começam a escorrer. — Cansei dessa merda por hoje. Vou dormir. Estou exausta e nervosa. Me deixe em paz um pouco.

Eu me viro e praticamente corro para o quarto, levando comigo a memória de seus olhos arregalados e assustados. Bom saber que também posso assustá-lo. Tiro as roupas num instante e, depois de vasculhar a gaveta dele, puxo uma de suas camisetas e entro no banheiro.

Olho meu reflexo no espelho, praticamente sem reconhecer a garota abatida, de olhos vermelhos e rosto inchado que me encara de volta, e é demais. Desabo no chão do banheiro e me entrego à emoção avassaladora que já não posso mais conter, soltando soluços gigantescos de arrebentar o peito, enfim deixando as lágrimas rolarem livremente.

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