CAPÍTULO DEZENOVE

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Encaro as chamas, em choque. Elas dançam e se entrelaçam em tons vívidos de laranja com extremidades de azul-cobalto, na lareira do apartamento de Christian. E apesar do calor que emana e do cobertor que me envolve os ombros, estou com frio. Um frio de congelar os ossos.

Ouço vozes abafadas, muitas vozes abafadas. Mas elas estão lá no fundo, um zumbido distante. Não identifico as palavras. Tudo o que posso ouvir, tudo em que posso me concentrar é o silvo suave da saída de gás da lareira.

Meus pensamentos se voltam para a casa que vimos ontem e para as lareiras imensas — lareiras de verdade de queimar lenha. Queria fazer amor com Christian diante de uma lareira de verdade. Queria fazer amor com Christian diante desta lareira. É, seria divertido. Sem dúvida, ele acharia um jeito de tornar isso inesquecível, assim como todas as vezes em que fizemos amor. Rio ironicamente para mim mesma; até nas vezes em que a gente estava só fodendo. Sim, essas também foram inesquecíveis. Onde ele está?

As chamas se remexem e brilham, aprisionando-me, entorpecendo-me. Eu me concentro apenas na beleza resplandecente e escaldante delas. Elas me enfeitiçam.

Anastasia, você me enfeitiçou.

Ele disse isso para mim na primeira vez em que dormiu comigo na minha cama. Ah, não...

Envolvo meu corpo com os braços e o mundo desmorona ao meu redor, a realidade invadindo minha consciência. O vazio rastejante se expande um pouco mais dentro de mim. Charlie Tango está desaparecido.

— Ana. Aqui — chama a Sra. Jones com carinho, sua voz me trazendo de volta para a sala, para o presente, para a angústia.

Ela me estende uma xícara de chá. Pego a xícara e o pires com gratidão, o barulho de um contra o outro evidenciando o tremor de minhas mãos.

— Obrigada — sussurro, minha voz rouca das lágrimas não derramadas e do grande nó em minha garganta.

Mia está sentada na minha frente, no enorme sofá em forma de U, de mãos dadas com Grace. Elas me observam, a dor e a ansiedade gravadas em seus belos rostos. Grace parece mais velha — uma mãe preocupada com o filho. Pisco para elas sem emoção. Não posso oferecer um sorriso tranquilizador, uma lágrima sequer — não há nada, só um vazio crescente. Olho para Elliot, José e Ethan, que estão de pé junto à bancada da cozinha, todos de rosto sério, falando baixinho. Discutindo algo com vozes calmas e tristes. Atrás deles, a Sra. Jones se ocupa na cozinha.

Kate está na sala de tevê, acompanhando o jornal local. Ouço o ruído da grande tevê de plasma. Não suporto mais ver a notícia — CHRISTIAN GREY DESAPARECIDO — e o seu lindo rosto na tevê.

Distraída, ocorre-me que nunca tinha visto tanta gente nesta sala, e que ainda assim todos parecem insignificantes perante o tamanho dela. Pequenas ilhas de pessoas perdidas e ansiosas no apartamento do meu Cinquenta Tons. O que ele acharia de estarem todos aqui?

Em algum lugar, Taylor e Carrick conversam com as autoridades que nos dão informações pingadas, mas é inútil. O fato é que ele está desaparecido. Está desaparecido há oito horas. Nenhum sinal, nenhuma notícia dele. As buscas foram interrompidas — isso eu sei. Está escuro demais. E nós não sabemos onde ele está. Ele pode estar machucado, com fome ou pior. Não!

Ofereço mais uma oração silenciosa a Deus. Por favor, faça com que Christian esteja bem. Por favor, faça com que Christian esteja bem. Repito isso de novo e de novo em minha cabeça: meu mantra, minha tábua de salvação, algo concreto a que me agarrar em meu desespero. Recuso-me a pensar o pior. Não, não pense nisso. Há esperança.

Você é minha tábua de salvação.

As palavras de Christian voltam para me assombrar. Sim, a esperança é a última que morre. Não devo me desesperar. Suas palavras ecoam em minha mente.

Agora sou um adepto convicto da gratificação instantânea. Carpe diem, Ana.

Por que eu não aproveitei o dia?

Estou fazendo isso porque finalmente conheci alguém com quem eu quero passar o resto da minha vida.

Fecho os olhos numa prece silenciosa, balançando o corpo de leve. Por favor, não deixe que o resto da vida dele seja assim tão curto. Por favor, por favor. Não tivemos tempo suficiente... precisamos de mais tempo. Fizemos tanta coisa nas últimas semanas, chegamos tão longe. Isso não pode acabar. Todos os nossos momentos felizes: o batom, quando ele fez amor comigo pela primeira vez no Olympic Hotel, de joelhos diante de mim, oferecendo-se para mim, enfim poder tocá-lo.

Ainda sou eu, Ana, o mesmo eu. Eu amo você e preciso de você. Toque em mim. Por favor.

Ah, eu o amo tanto. Não seria nada sem ele, nada a não ser uma sombra — toda a luz eclipsada. Não, não, não... meu pobre Christian.

Isto aqui sou eu, Ana. Eu por inteiro... e sou todo seu. O que eu tenho que fazer para você entender isso? Para você ver que quero você do jeito que for? Que eu amo você?

E eu amo você, meu Cinquenta Tons.

Abro os olhos e, mais uma vez, encaro o fogo às cegas. As lembranças de nossos momentos juntos atravessam a minha mente: sua alegria de menino quando estávamos navegando e voando no planador; seu jeito suave, sofisticado e sensual para cacete no baile de máscaras; dançando comigo, ah, sim, dançando comigo aqui no apartamento, ao som de Sinatra, girando ao redor da sala; seu silêncio esperançoso e ansioso de ontem naquela casa — aquela vista deslumbrante.

Vou colocar o meu mundo a seus pés, Anastasia. Quero você, de corpo e alma, para sempre.

Ah, por favor, faça com que ele esteja bem. Ele não pode ter morrido. Ele é o centro do meu universo.

Um soluço involuntário escapa de minha garganta, e eu levo a mão à boca. Não. Preciso ser forte.

De repente, José está ao meu lado, ou será que já faz um tempo que ele está aqui? Não tenho ideia.

— Você quer ligar para a sua mãe ou para o seu pai? — pergunta gentilmente.

Não! Faço que não com a cabeça e seguro a mão de José. Não posso falar, sei que vou me acabar se o fizer, mas o calor e o aperto suave de sua mão não me oferecem nenhum consolo.

Minha mãe. Meu lábio treme quando penso nela. Será que devo ligar para mamãe? Não. Não poderia lidar com a reação dela. Talvez Ray, ele não ficaria muito emotivo — ele nunca é emotivo, nem quando os Mariners perdem.

Grace se junta aos rapazes, o que me distrai por um momento. Deve ser o período mais longo que ela já passou sentada. Mia se senta ao meu lado e aperta minha outra mão.

— Ele vai voltar — diz, a voz a princípio determinada, mas falhando na última palavra. Seus olhos estão arregalados e vermelhos, o rosto pálido e amassado por causa do tempo sem dormir.

Ergo o olhar para Ethan. Ele está observando Mia e Elliot, que passou os braços ao redor de Grace. Olho para o relógio. Já passam das onze, quase meia-noite. Porcaria de tempo! A cada hora que passa, o vazio se expande, consumindo-me, sufocando-me. Lá no fundo, sei que estou me preparando para o pior. Fecho os olhos e ofereço outra oração silenciosa, apertando tanto a mão de Mia quanto a de José.

Abrindo os olhos, encaro as chamas mais uma vez. Posso ver seu sorriso tímido — a minha favorita dentre todas as suas expressões, um vislumbre do verdadeiro Christian, o meu verdadeiro Christian. Ele é tantas pessoas: maníaco por controle, CEO, perseguidor, deus do sexo, Dominador e, ao mesmo tempo, um menino com os seus brinquedos. Sorrio. O carro, o barco, o avião, o helicóptero Charlie Tango... meu menino perdido, perdido de verdade agora. Meu sorriso desaparece, e a dor me domina de novo. Eu me lembro dele no chuveiro, limpando as marcas de batom.

Não sou nada, Anastasia. Sou a casca de um homem. Não tenho coração.

O nó em minha garganta se expande. Ah, Christian, você tem sim, você tem um coração, e ele é meu. Quero amá-lo para sempre. Mesmo ele sendo tão complexo e difícil, eu o amo. Sempre vou amar. Nunca haverá outra pessoa. Nunca.

Lembro-me de passar a hora de almoço na Starbucks, avaliando os prós e os contras de Christian. Todos os contras, mesmo as fotografias que encontrei esta manhã, derretem na insignificância agora. Só há ele e o medo de ele não voltar. Ah, por favor, Senhor, traga-o de volta, por favor, faça com que fique bem. Eu vou à igreja... Faço qualquer coisa. Ah, se ele voltar, vou aproveitar o dia. Sua voz ecoa em minha cabeça mais uma vez: “Carpe diem, Ana.”

Olho mais fundo nas chamas, as labaredas ainda lambendo e contorcendo-se em torno de si mesmas, brilhando intensamente. E então Grace solta um grito, e tudo fica em câmera lenta.

— Christian!

Viro a cabeça a tempo de ver Grace correndo pela sala de estar, saindo do canto atrás de mim onde estava andando de lá para cá, e, na entrada, vejo um Christian consternado. Está apenas com a camisa, as mangas arregaçadas e a calça do terno, e carrega nas mãos o paletó azul-marinho, os sapatos e as meias. Parece cansado, sujo e absolutamente lindo.

Puta merda... Christian. Ele está vivo. Eu o observo, entorpecida, tentando descobrir se estou alucinando ou se ele está realmente aqui.

Sua expressão é de absoluto espanto. Ele deixa o paletó e os sapatos no chão bem a tempo de pegar Grace, que joga os braços ao redor de seu pescoço e o beija com força na bochecha.

— Mãe? — Christian olha para ela, completamente perdido.

— Achei que nunca mais ia ver você de novo — sussurra Grace, expressando nosso medo coletivo.

— Mãe, estou aqui. — Ouço a consternação em sua voz.

— Morri mil vezes hoje — diz ela, a voz quase inaudível, ecoando meus pensamentos.

Grace suspira e soluça, incapaz de conter as lágrimas. Christian franze a testa — se de horror ou de vergonha, eu não sei — e, depois de um instante, envolve-a num abraço apertado.

— Ah, Christian — engasga, envolvendo os braços em torno dele, chorando em seu pescoço, o comedimento completamente esquecido.

E Christian não recua. Apenas permanece ali, segurando-a, balançando-a de leve, reconfortando-a. Lágrimas escaldantes brotam em meus olhos. Carrick grita do corredor.

— Ele está vivo! Caramba, você está aqui! — Ele aparece do escritório de Taylor, segurando o celular, e abraça os dois, os olhos fechados de alívio.

— Pai?

Mia grita algo ininteligível ao meu lado, e então ela está de pé e corre para se juntar aos pais, abraçando-os também.

Enfim, as lágrimas começam a escorrer pelas minhas bochechas. Ele está aqui, ele está bem. Mas não consigo me mover.

Carrick é o primeiro a se afastar, enxugando os olhos e batendo no ombro de Christian. Mia também os solta, e, em seguida, Grace dá um passo para trás.

— Desculpe — murmura.

— Ei, mãe, tudo bem — diz Christian, a consternação ainda evidente em seu rosto.

— Onde você estava? O que aconteceu? — Grace chora, levando as mãos à cabeça.

— Mãe — murmura Christian. Ele a puxa de novo para seus braços e beija o topo de sua cabeça. — Estou aqui. Estou bem. Só levei um tempo absurdo para voltar de Portland. Qual é a do comitê de recepção? — Ele corre os olhos pela sala até pousá-los em mim.

Ele pisca e lança um olhar breve para José, que solta minha mão. A boca de Christian enrijece. Eu me delicio com a visão dele, e o alívio toma conta de meu corpo, deixando-me gasta, exausta e completamente exultante. No entanto, as lágrimas não param. Christian volta a atenção para a mãe.

— Mãe, estou bem. O que houve? — diz, de um jeito tranquilizador.

Ela segura o rosto dele entre as mãos.

— Christian, você estava desaparecido. O seu plano de voo... você nunca pousou em Seattle. Por que não entrou em contato com a gente?

Christian arqueia as sobrancelhas, surpreso.

— Não achei que levaria tanto tempo.

— Por que não ligou?

— A bateria do meu celular acabou.

— Por que você não parou... não ligou a cobrar?

— Mãe, é uma longa história.

— Ah, Christian! Nunca mais faça isso comigo de novo! Você entendeu? — Ela meio que grita com ele.

— Tá bom, mãe. — Ele enxuga as lágrimas dela com os polegares e a abraça mais uma vez. Quando ela se recompõe, ele a solta para dar um abraço em Mia, que lhe dá um tapa forte no peito.

— Você nos deixou tão preocupados! — explode ela, e também está aos prantos.

— Estou aqui agora, pelo amor de Deus — murmura Christian.

À medida que Elliot se aproxima, Christian entrega Mia para Carrick, que já tem um braço ao redor da esposa e envolve a filha com o outro. Para surpresa de Christian, Elliot dá um abraço breve nele e lhe planta um tapa forte nas costas.

— Bom ver você — diz em voz alta, um tanto ríspido, tentando esconder a emoção.

Enquanto as lágrimas me escorrem pelo rosto, vejo tudo. A sala de estar está tomada por ele: amor incondicional. Ele o tem de sobra; apenas nunca o aceitou antes, e mesmo agora, está completamente confuso.

Olhe, Christian, todas essas pessoas amam você! Talvez agora você comece a acreditar nisso.

Kate está de pé atrás de mim — deve ter saído da sala da tevê —, acariciando meu cabelo com carinho.

— Ele está mesmo aqui, Ana — murmura, reconfortando-me.

— Vou dizer oi para a minha garota agora — diz Christian a seus pais e os dois concordam com a cabeça, sorrindo e se afastando dele.

Ele se move em direção a mim, os olhos cinzentos brilhando, embora cansados e ainda confusos. Em algum lugar dentro de mim, encontro forças para ficar de pé e me jogar em seus braços abertos.

— Christian! — soluço.

— Ei — diz ele e me abraça, enterrando o rosto em meu cabelo e inspirando profundamente.

Levanto o rosto coberto de lágrimas para ele, e ele me dá um beijo breve demais.

— Oi — murmura.

— Oi — sussurro de volta, o nó no fundo da garganta ainda queimando.

— Sentiu minha falta?

— Um pouco.

Ele sorri.

— Estou vendo. — E com um toque suave de sua mão, ele enxuga minhas lágrimas, que se recusam a parar de escorrer pelo meu rosto.

— Eu pensei... Eu pensei... — engasgo.

— Eu sei. Já passou... Estou aqui. Estou aqui — murmura ele, dando-me mais um beijo casto.

— Você está bem? — pergunto, soltando-o e tocando seu peito, seus braços, sua cintura.

Ah, sentir esse o homem quente, vigoroso e sensual sob meus dedos me confirma que ele está aqui, de pé, na minha frente. Ele está de volta. E nem sequer recua sob o meu toque. Apenas me encara com atenção.

— Estou bem. Não vou a lugar nenhum.

— Ah, graças a Deus. — Passo os braços ao redor de sua cintura novamente, e ele me abraça de novo. — Está com fome? Quer alguma coisa para beber?

— Quero.

Dou um passo para trás para buscar alguma coisa para ele, mas ele não deixa eu me afastar. Passa um dos braços por sobre meus ombros e estende a mão para José.

— Sr. Grey — diz José, educadamente.

Christian solta um riso e diz:

— Me chame de Christian, por favor.

— Christian, bem-vindo de volta. Que bom que está tudo bem... e, hum... obrigado por me deixar ficar aqui.

— Sem problemas. — Christian estreita os olhos, mas ele é distraído pela Sra. Jones, que de repente está a seu lado.

Só então me ocorre que ela não está arrumada como sempre. Não tinha notado isso antes. O cabelo está solto, e está usando uma calça legging cinza-clara e uma camiseta cinza e tão larga que a faz parecer menor do que é, o emblema do time da Universidade do Estado de Washington estampado na frente. Parece anos mais nova.

— Posso preparar alguma coisa para o senhor, Sr. Grey? — Ela enxuga os olhos com um lenço.

Christian sorri carinhosamente para ela.

— Uma cerveja, Gail, por favor, pode ser uma Budvar. E alguma coisa para eu beliscar.

— Eu vou buscar — murmuro, querendo fazer algo para o meu homem.

— Não. Não vá — diz ele em voz baixa, apertando o braço em volta de mim.

O restante da família se aproxima, e Ethan e Kate se juntam a nós. Christian aperta a mão de Ethan e dá um beijo rápido na bochecha de Kate. A Sra. Jones volta com uma garrafa de cerveja e um copo. Ele pega a garrafa, mas balança a cabeça, recusando o copo. Ela sorri e volta para a cozinha.

— Fico surpreso que você não queira algo mais forte — murmura Elliot. — Então que diabo aconteceu com você? Eu só me lembro do meu pai me ligando pra dizer que a sua libélula tinha sumido.

— Elliot! — repreende Grace.

— Helicóptero — rosna Christian, corrigindo Elliot, que sorri, e eu suspeito que seja uma piada de família. — Vamos sentar, e eu conto tudo. — Christian me puxa para o sofá, e todo mundo se senta, todos os olhos nele.

Ele dá um longo gole em sua cerveja. Então vê Taylor pairando na entrada e acena para ele. Taylor acena de volta.

— Sua filha?

— Está bem. Alarme falso, senhor.

— Ótimo. — Christian sorri.

Filha? O que aconteceu com a filha de Taylor?

— Que bom que o senhor está de volta. Precisa de alguma coisa?

— Temos um helicóptero para resgatar.

Taylor acena com a cabeça.

— Agora? Ou pode ser pela manhã?

— Amanhã de manhã, Taylor, acho.

— Certo, Sr. Grey. Mais alguma coisa, senhor?

Christian balança a cabeça e levanta a garrafa para ele. Taylor lhe oferece um raro sorriso — mais raro ainda do que os de Christian, acho — e deixa a sala, provavelmente indo para seu escritório ou para seu quarto lá em cima.

— Christian, o que aconteceu? — Carrick exige.

Christian começa a contar sua história. Estava voando no Charlie Tango, com Ros, seu braço direito, para tratar de um problema de financiamento na Universidade do Estado de Washington, em Vancouver. Mal consigo acompanhar, estou tão confusa. Fico só segurando a mão de Christian, fitando suas unhas bem-cuidadas, os longos dedos, as rugas nos nós dos dedos, o relógio de pulso — um Omega com três mostradores pequenos. Miro seu belo perfil à medida que ele continua a história.

— Ros nunca tinha visto o monte Santa Helena, então, no caminho de volta, para comemorar, fizemos um pequeno desvio. Eu sabia que a restrição de voo pela região tinha sido cancelada há um tempo, e queria dar uma olhada. Bem, foi a nossa sorte. Estávamos voando baixo, cerca de duzentos metros acima do nível do solo, quando o painel de instrumentos acendeu, indicando fogo na cauda. Eu não tinha escolha a não ser cortar todos os sinais eletrônicos e pousar. — Ele balança a cabeça. — Pousei perto do Silver Lake, tirei Ros da cabine e consegui apagar o fogo.

— Fogo? Nos dois motores? — Carrick está horrorizado.

— É.

— Merda! Mas eu pensei...

— Eu sei — interrompe Christian. — Foi pura sorte que eu estivesse voando tão baixo — murmura ele.

Estremeço. Ele solta minha mão e passa o braço ao meu redor.

— Está com frio? — pergunta.

Nego com a cabeça.

— Como você apagou o fogo? — pergunta Kate, seus instintos investigativos de Carla Bernstein aflorando. Caramba, ela soa meio ríspida às vezes.

— Extintor. Somos obrigados a levar. Por lei — responde Christian, no mesmo tom.

Suas palavras de há muito tempo invadem minha mente. Agradeço aos céus que foi você quem veio me entrevistar, e não Katherine Kavanagh.

— Por que você não ligou ou passou um rádio? — pergunta Grace.

Christian balança a cabeça.

— Com a parte elétrica desligada, ficamos sem rádio. E eu não quis correr o risco de ligar de novo por causa do fogo. O GPS do BlackBerry ainda estava funcionando, então a gente pôde caminhar até a estrada mais próxima. Levamos quatro horas. Ros estava de salto alto. — Christian enrijece a boca em desaprovação. — Não havia sinal de celular. Não tem cobertura em Gifford. A bateria de Ros acabou primeiro. A minha acabou no caminho.

Deus do céu. Estremeço de novo, e Christian me puxa até o seu colo.

— E como você voltou para Seattle? — pergunta Grace, piscando de leve, sem dúvida diante da visão de nós dois. Fico vermelha.

— Pedindo carona. Juntamos todo o nosso dinheiro. Juntos, tínhamos seiscentos dólares; achamos que teríamos que pagar alguém para nos trazer de volta, mas um motorista de caminhão parou e concordou em nos dar uma carona. Ele recusou o dinheiro e dividiu o almoço com a gente. — Christian balança a cabeça, consternado com a memória. — Demorou um século. Ele não tinha celular... estranho, mas é verdade. Eu não me dei conta... — Ele para, olhando para a família.

— De que a gente ficaria preocupado? — zomba Grace. — Ah, Christian! — repreende-o. — A gente estava enlouquecendo aqui!

— Você saiu no jornal, meu irmão.

Christian revira os olhos.

— É. Foi o que eu imaginei quando cheguei aqui na portaria e tinha um punhado de fotógrafos de plantão. Desculpe, mãe, eu deveria ter pedido ao motorista para parar, para eu ligar. Mas eu estava ansioso para chegar. — Ele olha para José.

Ah, então foi por isso, porque José vai passar a noite aqui. Franzo a testa diante do pensamento. Nossa mãe, tanta preocupação.

Grace balança a cabeça.

— Que bom que você está inteiro, querido.

Começo a relaxar, descansando a cabeça contra seu peito. Ele está cheirando a ar livre, um pouco de suor, loção de banho — o cheiro de Christian, o perfume mais bem-vindo do mundo. Lágrimas começam a escorrer por meu rosto de novo, lágrimas de gratidão.

— Os dois motores? — diz Carrick novamente, franzindo o cenho, incrédulo.

— Vai entender. — Christian dá de ombros e passa a mão ao meu redor. — Ei — sussurra ele, e leva os dedos até a ponta do meu queixo, inclinando minha cabeça para trás. — Chega de chorar.

Limpo meu nariz com as costas da mão de um jeito nada refinado.

— Chega de desaparecer. — Dou uma fungada, e ele sorri.

— Falha elétrica... estranho, não é? — diz Carrick mais uma vez.

— Pois é, passou pela minha cabeça, também, pai. Mas, agora, eu só quero ir dormir e pensar nisso tudo amanhã de manhã.

— E a imprensa já sabe que o Christian Grey foi encontrado são e salvo? — pergunta Kate.

— Sabe. Andrea vai lidar com a imprensa, junto com minha equipe de RP. Ros ligou para ela depois que a deixamos em casa.

— É, Andrea me ligou para avisar que você estava vivo. — Carrick sorri.

— Preciso dar um aumento para essa mulher — diz Christian. — Está ficando tarde.

— Acho que essa é a nossa deixa, senhoras e senhores. Meu irmãozinho querido precisa de seu sono de princesa — zomba Elliot sugestivamente.

Christian faz uma careta para ele.

— Cary, meu filho está bem. Você pode me levar para casa agora.

Cary? Grace olha com adoração para o marido.

— É. Acho que dormir faria bem a todo mundo — responde Carrick, sorrindo para ela.

— Fiquem aqui — oferece Christian.

— Não, meu querido, quero chegar em casa. Agora que sei que você está bem.

Relutante, Christian me coloca de volta no sofá e se levanta. Grace o abraça mais uma vez, pressionando a cabeça contra seu peito, e fecha os olhos, feliz. Ele a envolve em seus braços.

— Eu estava tão preocupada, querido — sussurra ela.

— Estou bem, mãe.

Grace se inclina para trás e o examina com atenção enquanto ele a segura firme.

— É. Acho que está — diz, lentamente, dando uma olhadinha para mim e sorrindo. Eu coro.

Seguimos Carrick e Grace até o saguão. Atrás de mim, percebo que Mia e Ethan estão tendo uma conversa animada aos sussurros, mas não consigo ouvi-los.

Mia está sorrindo timidamente para Ethan, e ele a encara, embasbacado, balançando a cabeça. De repente, ela cruza os braços e vira-se para ir embora. Ele esfrega a testa com uma das mãos, obviamente frustrado.

— Mãe, pai, esperem por mim — diz Mia, de mau humor. Talvez seja tão inconstante quanto o irmão.

Kate me abraça com força.

— Dá para ver que alguma coisa muito séria andou acontecendo por aqui, enquanto eu estava vagando alegre e ignorante em Barbados. Tá na cara que vocês dois são loucos um pelo outro. Fico feliz que ele esteja bem. Não só por ele, Ana, mas por você também.

— Obrigada, Kate — sussurro.

— É. Quem diria que a gente iria encontrar o amor ao mesmo tempo? — sorri.

Uau. Ela admitiu.

— E com irmãos! — Dou uma risadinha.

— A gente pode virar cunhadas. — Ela brinca.

Fico tensa, reprimindo-me mentalmente, e Kate me encara de volta com um olhar de “o que você não está me contando”. Eu coro. Droga, devo contar a ela que ele me pediu em casamento?

— Vamos, baby — chama Elliot do elevador.

— Amanhã a gente conversa, Ana. Você deve estar exausta.

Consegui um adiamento.

— Claro. Você também, Kate, você viajou de tão longe hoje.

Nos abraçamos mais uma vez, então ela e Elliot seguem os pais de Christian até o elevador. Ethan aperta a mão de Christian e me dá um abraço rápido. Parece distraído, mas entra no elevador antes de as portas se fecharem.

Quando voltamos do saguão, José está vagando no corredor.

— Bom. Vou me deitar... deixar vocês à vontade — diz.

Eu coro. Por que isso é tão desconfortável?

— Você sabe para onde ir? — pergunta Christian.

José faz que sim.

— Sim, a empregada...

— A Sra. Jones — corrijo.

— Isso, a Sra. Jones já me mostrou. É um apartamento e tanto, Christian.

— Obrigado — responde Christian educado enquanto se aproxima para ficar ao meu lado, passando um braço sobre meus ombros. Ele se debruça e dá um beijo em meu cabelo. — Vou comer o que quer que a Sra. Jones preparou para mim. Boa noite, José. — Christian caminha de volta para a sala de estar, deixando-nos na entrada.

Uau! Ele me deixou a sós com José.

— Bem, boa noite. — José parece desconfortável de repente.

— Boa noite, José, e obrigada por ter ficado.

— Claro, Ana. Sempre que o seu namorado rico e poderoso desaparecer, eu estarei lá para você.

— José! — repreendo-o.

— Brincadeira. Não fique brava. Vou embora amanhã de manhã cedo. A gente se vê, né? Senti saudades de você.

— Claro, José. Em breve, espero. Foi mal que a noite de hoje tenha sido... bem, uma merda. — Sorrio me desculpando.

— Pois é. — Ele sorri. — Uma merda. — Ele me abraça. — É sério, Ana, fico feliz que você esteja feliz, mas estou aqui pro que der e vier.

— Obrigada. — Eu o encaro.

Ele me lança um sorriso triste, amargo, e então caminha para o segundo andar.

Retorno para a sala de estar. Christian está de pé ao lado do sofá, me olhando com uma expressão indecifrável no rosto. Enfim estamos sozinhos e fitamos um ao outro.

— Ele ainda é doido por você, sabia? — murmura.

— E como você sabe disso, Sr. Grey?

— Reconheço os sintomas, Srta. Steele. Acredito que sofro do mesmo mal.

— Pensei que nunca mais fosse ver você — sussurro. Pronto: as palavras foram ditas. Todos os meus piores medos arrumados numa frase curta, e agora já exorcizados.

— Não foi tão ruim quanto parece.

Pego seu paletó e os sapatos do chão e caminho na direção dele.

— Deixe que eu levo isso — sussurra ele, pegando o paletó.

Christian olha para mim como se eu fosse a sua razão de viver, e tenho certeza de que espelha o meu olhar. Ele está aqui, realmente está aqui. Ele me puxa para seus braços e me envolve.

— Christian — engasgo, e minhas lágrimas brotam de novo.

— Está tudo bem. — Ele me acalma, beijando meu cabelo. — Sabe... nos poucos segundos de puro terror antes de pousar, todos os meus pensamentos estavam em você. Você é o meu talismã, Ana.

— Pensei que tinha perdido você — ofego.

Estamos de pé, abraçando um ao outro, reconectando-nos e assegurando-nos. Ao apertá-lo em meus braços, percebo que ainda estou segurando seus sapatos. Deixo-os cair no chão com um baque.

— Venha tomar banho comigo — murmura ele.

— Está bem. — Ergo o olhar para seu rosto. Não quero soltá-lo.

Olhando para mim, ele ergue meu queixo com os dedos.

— Sabe, mesmo chorando, você é linda, Ana Steele. — Ele se inclina e me beija com carinho. — E seus lábios são tão macios. — Ele me beija de novo, profundamente.

Deus do céu... e pensar que eu poderia tê-lo perdido... não... Paro de pensar e me entrego.

— Preciso guardar meu paletó — murmura ele.

— Jogue no chão — balbucio contra seus lábios.

— Não posso.

Afasto o corpo para olhar para ele, intrigada.

— Por causa disso. — Ele sorri para mim.

Do bolso interno, puxa a caixinha com o presente que dei a ele. Christian joga o paletó no encosto do sofá e coloca a caixa sobre ele.

Aproveite o dia, Ana, meu inconsciente me cutuca. Bem, já passou de meia-noite, então tecnicamente já é o aniversário dele.

— Abra — sussurro, e meu coração começa a pular.

— Estava torcendo para que você dissesse isso — murmura ele. — Esse negócio estava me enlouquecendo.

Abro um sorriso travesso. Sinto-me tonta. Ele me lança seu sorriso tímido, e eu me derreto, apesar do coração acelerado, deliciando-me com sua expressão divertida, ainda que intrigada. Com dedos hábeis, ele desembrulha o pacote e abre a caixa. Christian franze a testa ao retirar lá de dentro um chaveiro pequeno e retangular de plástico com uma imagem composta de pequenos pixels que se acendem e apagam, como uma minúscula tela de LED. É uma foto do horizonte da cidade de Seattle com a palavra SEATTLE escrita em letras grandes por cima da paisagem.

Ele fita o chaveiro por um momento e depois se vira para mim, perplexo, uma ruga marcando sua testa bem desenhada.

— Olhe atrás — sussurro, prendendo a respiração.

Ele vira o chaveiro, em seguida seus olhos se fixam nos meus, arregalados e cinzentos, repletos de admiração e alegria. Ele abre a boca, incrédulo.

A palavra “sim” se acende e apaga no anel do chaveiro.

— Feliz aniversário — sussurro.

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