CAPÍTULO DOIS

_________________________________________


Ele me leva para um restaurante pequeno e intimista.

— Isto vai ter de servir — resmunga. — Não temos muito tempo.

O lugar me parece ótimo. Cadeiras de madeira, toalhas de mesa de linho e paredes da mesma cor que o quarto de jogos de Christian — vermelho-sangue —, com pequenos espelhos dourados pendurados aleatoriamente, velas brancas e vasinhos de rosas também brancas. Ao fundo, Ella Fitzgerald canta suavemente sobre essa coisa chamada amor. É muito romântico.

O garçom nos conduz até uma mesa para dois, em uma área reservada, e eu me sento, apreensiva, imaginando o que Christian vai dizer.

— Não temos muito tempo — avisa ele ao garçom enquanto nos sentamos. — Então já vou fazer o pedido: dois bifes ao ponto, molho béarnaise, se você tiver, batatas fritas e legumes cozidos, qualquer um que tiver na cozinha. E traga a carta de vinhos.

— Claro, senhor.

Surpreso pela eficiência calma e controlada de Christian, o garçom se afasta. Christian coloca o BlackBerry sobre a mesa. Legal, então eu não tenho direito de escolha?

— E se eu não gostar de bife?

— Não comece, Anastasia — suspira ele.

— Não sou criança, Christian.

— Então pare de agir como uma.

É como se ele tivesse me dado um tapa. Então é assim que vai ser, uma conversa agitada e carregada, ainda que em um ambiente romântico, mas certamente sem flores nem corações.

— Então eu sou uma criança porque não gosto de bife? — murmuro, tentando esconder a mágoa.

— Você é uma criança por causar ciúmes em mim deliberadamente. É uma coisa infantil de se fazer. Você não tem consideração pelos sentimentos do seu amigo, usando-o daquele jeito? — Christian aperta os lábios e fecha a cara quando o garçom retorna com a carta de vinhos.

Eu coro, não tinha pensado nisso. Pobre José. Certamente não quero encorajá-lo. De repente, fico mortificada. Christian tem razão nesse ponto; foi uma coisa impensada. Ele dá uma olhada na carta de vinhos.

— Gostaria de escolher o vinho? — pergunta, levantando as sobrancelhas para mim, a arrogância em pessoa. Ele sabe que não entendo nada de vinho.

— Escolha você — respondo, carrancuda, mas humilde.

— Duas taças de Barossa Valley Shiraz, por favor.

— Hum... nós só vendemos esse vinho pela garrafa, senhor.

— Uma garrafa, então — retruca Christian.

— Certo. — Ele se afasta, rebaixado, e eu não o culpo por se sentir assim.

Faço uma cara feia para Christian. Qual o problema dele? Eu, provavelmente. E em algum lugar nas profundezas do meu ser, minha deusa interior desperta, sonolenta, ela se espreguiça e sorri. Esteve adormecida por um bom tempo.

— Você está muito mal-humorado.

— Eu me pergunto o motivo. — Ele me olha, impassível.

— Bem, é bom definir o tom adequado para uma discussão íntima e sincera a respeito do futuro, não acha? — Sorrio para ele docemente.

Sua boca se contrai, mas então, quase a contragosto, seus lábios se curvam, e sei que está tentando conter um sorriso.

— Desculpe — diz ele.

— Está desculpado. E fico muito feliz de informar que não resolvi virar vegetariana desde a nossa última refeição.

— Considerando que aquela foi a última refeição que você fez, acho que essa é uma questão a ser discutida.

— E temos mais uma “questão a ser discutida”.

— Uma questão a ser discutida — ele repete, e seu olhar se suaviza, enchendo-se de humor. Ele passa a mão pelo cabelo, e fica sério de novo. — Ana, na última vez em que conversamos, você me deixou. Estou um pouco nervoso. Eu disse a você que a quero de volta, e você não disse... nada. — Seu olhar é intenso e ansioso, sua franqueza me desarma. O que diabo eu respondo diante disso?

— Senti sua falta... de verdade, Christian. Os últimos dias têm sido... difíceis — engulo em seco, e um nó se incha em minha garganta à medida que me lembro da minha angústia desesperada desde que o deixei.

A última semana foi a pior fase da minha vida, a dor é quase indescritível. Nada nunca chegou perto. Mas a realidade bate à porta, e me traz de volta.

— Nada mudou. Eu não posso ser o que você quer que eu seja — espremo as palavras através do nó na garganta.

— Você é o que eu quero que você seja — diz ele, a voz enfática.

— Não, Christian, eu não sou.

— Você está chateada por causa do que aconteceu da última vez. Eu fui estúpido, e você... você também. Por que você não usou a palavra de segurança, Anastasia? — seu tom de voz muda, tornando-se acusador.

O quê? Opa, mudança de abordagem.

— Responda.

— Eu não sei. Foi demais para mim. Eu estava tentando ser o que você queria que eu fosse, tentando lidar com a dor, e a palavra sumiu da minha cabeça. Sabe... eu esqueci — sussurro, envergonhada, encolhendo os ombros como num pedido de desculpas.

Talvez pudéssemos ter evitado toda essa mágoa.

— Você esqueceu! — exclama ele, horrorizado, agarrando as laterais da mesa e me olhando de um jeito que me faz murchar.

Merda! Ele está furioso de novo. Minha deusa interior também me encara. Está vendo, você mesma se colocou nessa situação!

— Como posso confiar em você? — diz ele, baixando a voz. — Em qualquer situação?

O garçom volta com o nosso vinho e permanecemos olhando um para o outro, olhos azuis em olhos cinzentos. Ambos tomados de recriminações não ditas enquanto o garçom retira a rolha com um floreio desnecessário e serve um pouco de vinho na taça de Christian. Automaticamente, ele estende a mão e dá um pequeno gole.

— Pode servir — seu tom é seco.

Com cuidado, o garçom enche as nossas taças e deixa a garrafa sobre a mesa, antes de se retirar. Christian não desviou os olhos de mim o tempo inteiro. Sou eu a primeira a fraquejar, rompendo o contato visual. Pego a minha taça e dou um gole generoso. Mal sinto o gosto do vinho.

— Desculpe — sussurro, de repente, sentindo-me uma idiota. Eu o deixei porque achei que fôssemos incompatíveis, mas ele está me dizendo que eu poderia tê-lo detido?

— Por que está se desculpado? — diz ele, assustado.

— Por não ter usado a palavra de segurança.

Ele fecha os olhos, parecendo aliviado.

— Talvez pudéssemos ter evitado todo esse sofrimento — resmunga.

— Você parece bem. — Mais do que bem. Parece você.

— As aparências enganam — diz ele, baixinho. — Não estou nem um pouco bem. Eu sinto como se o Sol tivesse se posto e não tivesse nascido por cinco dias, Ana. Estou vivendo uma noite infinita.

Essa confissão me deixa sem fôlego. Ah, meu Deus, exatamente como eu.

— Você disse que nunca iria me deixar, mas foi só as coisas ficarem difíceis para que saísse porta afora.

— Quando foi que eu disse que nunca iria deixar você?

— Dormindo. Foi a coisa mais reconfortante que ouvi em muito tempo, Anastasia. Isso me fez relaxar.

Meu coração se comprime, e eu pego minha taça de vinho.

— Você disse que me amava — sussurra ele. — Isso ficou no passado? — Sua voz é baixa, repleta de ansiedade.

— Não, Christian, não ficou.

Ele me encara, e parece muito vulnerável ao soltar o ar.

— Que bom — murmura.

Fico chocada com a declaração dele. Ele mudou de ideia. Antes, quando eu disse que o amava, parecera horrorizado. O garçom está de volta. Rapidamente, coloca os pratos diante de nós e se afasta.

Ah, não. Comida.

— Coma — ordena ele.

No fundo, sei que estou com fome, mas nesse exato instante meu estômago está dando um nó. Estar sentada diante do único homem que amei em toda a minha vida, debatendo nosso futuro incerto, realmente não é algo que abra meu apetite. Olho em dúvida para meu prato.

— Eu juro, Anastasia, se você não comer, vou colocá-la de bruços no meu colo e dar umas palmadas em você aqui neste restaurante, e não vai ter nada a ver com a minha satisfação sexual. Coma!

Relaxe, Grey. Meu inconsciente me encara por sobre os óculos de leitura. E está em total acordo com meu Cinquenta Tons.

— Tudo bem, vou comer. Controle sua mão nervosa, por favor.

Ele não sorri, mas continua a me encarar. Relutante, ergo meus talheres e corto a carne. Ah, está uma delícia, de dar água na boca. Estou com fome, morta de fome. Mastigo, e ele relaxa visivelmente.

Jantamos em silêncio. A música mudou. Uma mulher de voz suave canta ao fundo, as palavras ecoando meus pensamentos. Nunca mais vou ser a mesma desde que ele apareceu em minha vida.

Olho para Christian. Ele está comendo e me observando. Fome, desejo e ansiedade combinados em um único e cálido olhar.

— Você sabe quem está cantando? — Faço uma tentativa de conversa normal.

Christian faz uma pausa e escuta.

— Não... mas a cantora é boa, quem quer que seja.

— Também gosto.

Por fim, ele abre seu sorriso enigmático. O que está planejando?

— O que foi? — pergunto.

Ele balança a cabeça.

— Coma — diz, suavemente.

Já comi metade do prato. Não posso engolir mais nada. Como vou negociar isso?

— Não consigo. Já comi o bastante para o senhor?

Ele me encara impassível, sem responder, e em seguida olha para o relógio.

— Estou satisfeita — acrescento, tomando um gole do delicioso vinho.

— Temos que ir daqui a pouco. Taylor chegou, e amanhã você tem que acordar cedo para trabalhar.

— Você também.

— Eu preciso de muito menos horas de sono do que você, Anastasia. Pelo menos você comeu alguma coisa.

— Não vamos voltar no Charlie Tango?

— Não, achei que eu talvez fosse beber. Taylor vai nos levar de volta. Além do mais, desse jeito, pelo menos tenho você no carro só para mim por algumas horas. O que podemos fazer, fora conversar?

Ah, então é esse o plano.

Christian chama o garçom e pede a conta, em seguida, pega o BlackBerry e faz uma ligação.

— Estamos no Le Picotin, Terceira Avenida, South West. — E desliga.

Continua seco ao telefone.

— Você é muito grosso com Taylor. Aliás, com a maioria das pessoas.

— Só vou direto ao ponto, Anastasia.

— Você ainda não foi direto ao ponto esta noite. Nada mudou, Christian.

— Tenho uma proposta para você.

— Tudo isso começou com uma proposta.

— Uma proposta diferente.

O garçom volta, e Christian lhe entrega o cartão sem sequer checar a conta. Ele me encara, contemplativo, enquanto o garçom passa o cartão. O telefone vibra, e ele dá uma olhada.

Então ele tem uma proposta? O que é agora? Visualizo duas situações: sequestro ou trabalhar para ele. Não, nada faz sentido. Christian termina de pagar.

— Vamos. Taylor está lá fora.

Nos levantamos, e ele pega minha mão.

— Não quero perder você, Anastasia. — Ele beija os nós de meus dedos com ternura, e o toque de seus lábios em minha pele ressoa por todo o meu corpo.

Lá fora, o Audi nos espera. Christian abre a porta. Entro no carro e afundo no estofamento de couro. Ele se aproxima da janela do motorista; Taylor salta do carro, e eles conversam brevemente. Isso não faz parte do protocolo habitual. Fico curiosa. Do que será que estão falando? Instantes depois, os dois entram no carro, e eu lanço um olhar para Christian que, com sua expressão impassível de sempre, permanece olhando para a frente.

Por um breve momento, permito-me analisar seu perfil: nariz reto, lábios carnudos e esculpidos, o cabelo caindo deliciosamente sobre a testa. Certamente este homem divino não foi feito para mim.

Uma música inunda a parte de trás do carro, uma peça orquestral que não conheço, e Taylor começa a dirigir em meio ao tráfego leve, em direção à Interestadual 5 e a Seattle.

Christian vira-se para mim.

— Como eu estava dizendo, Anastasia, tenho uma proposta para você.

Olho, nervosa, para Taylor.

— Ele não pode nos ouvir — Christian me tranquiliza.

— Como não?

— Taylor — chama Christian. Taylor não responde. Ele o chama de novo e, de novo, fica sem resposta. Christian se inclina e toca seu ombro. Taylor remove um fone de ouvido que eu não tinha notado.

— Sim, senhor?

— Obrigado, Taylor. Pode voltar para a sua música.

— Certo, senhor.

— Feliz, agora? Ele está ouvindo seu iPod. Puccini. Esqueça que ele está aqui. É o que eu faço.

— Você pediu a ele para fazer isso?

— Pedi.

Ah.

— Certo, e a sua proposta?

De repente, Christian parece determinado e metódico. Puta merda. Estamos negociando um acordo. Escuto com atenção.

— Primeiro preciso perguntar uma coisa. Você quer um relacionamento baunilha, sem nenhuma trepada sacana?

Fico boquiaberta.

— Trepada sacana? — sussurro.

— Trepada sacana.

— Não acredito que você falou isso.

— Bem, falei. Responda — diz ele calmamente.

Fico vermelha. Minha deusa interior está de joelhos, suplicando com as mãos unidas.

— Eu gosto de uma trepada sacana — murmuro.

— É o que eu achava. Então, do que você não gosta?

De não poder tocá-lo. Do fato de você gostar de me ver sentir dor, do calor do cinto...

— Da ameaça de punição cruel e incomum.

— Como assim?

— Bem, você tem todas aquelas varas, chicotes e outras coisas no seu quarto de jogos, e isso me assusta para cacete. Eu não quero que você use aquilo comigo.

— Certo, então nada de chicotes ou varas... nem de cintos — diz ele sarcasticamente.

Eu o encaro, perplexa.

— Você está tentando redefinir os limites rígidos?

— Não exatamente, só estou tentando entender você, formar uma imagem mais clara do que você gosta e do que não gosta.

— Basicamente, Christian, é difícil lidar com seu prazer em me infligir dor. E com a ideia de que você vai fazer isso porque eu cruzei alguma espécie de linha arbitrária.

— Mas não é arbitrária, as regras estão escritas.

— Não quero um conjunto de regras.

— Nenhuma regra?

— Nenhuma regra. — Balanço a cabeça, mas meu coração está saindo pela boca. Onde ele quer chegar com isso?

— Mas você não se importa se eu bater em você?

— Com o quê?

— Com isso. — Ele levanta a mão.

Eu me contorço, desconfortável, no assento do carro.

— Não, não me importo. Principalmente com aquelas bolas prateadas... — graças a Deus está escuro, meu rosto está ardendo e minha voz diminui à medida que eu me lembro daquela noite. Sim... Eu faria aquilo de novo.

— Sim, aquilo foi divertido. — Ele sorri para mim.

— Mais do que divertido — murmuro.

— Então, você pode lidar com alguma dor.

— Acho que sim. — Dou de ombros.

Onde ele está querendo chegar com isso? Minha ansiedade subiu vários níveis na escala Richter.

Ele acaricia o queixo, perdido em pensamentos.

— Anastasia, eu quero começar de novo. Começar pela parte baunilha e, depois, quem sabe, quando você confiar mais em mim e eu achar que você está sendo sincera e é capaz de se comunicar comigo, a gente não possa seguir em frente e fazer algumas das coisas que eu gosto de fazer?

Fico olhando para ele, chocada, sem conseguir pensar em nada — como um computador travado. Ele me olha ansioso, mas na escuridão do Oregon, não consigo vê-lo direito. E então, finalmente, eu me dou conta.

Ele quer a luz, mas será que eu posso pedir isso a ele? E será que eu não gosto do escuro? Só um pouco, às vezes. As lembranças da noite Thomas Tallis voltam à minha mente, sedutoras.

— Mas e os castigos?

— Nada de castigos. — Ele balança a cabeça. — Zero.

— E as regras?

— Nada de regras.

— Nenhuma regra? Mas você tem as suas necessidades.

— Preciso mais de você do que delas, Anastasia. Estes últimos dias têm sido um inferno. Todos os meus instintos me dizem para deixar você ir, que eu não mereço você. As fotos que aquele cara tirou... Eu vejo como ele a enxerga. Você parece tão despreocupada e bonita, não que não esteja bonita agora, mas aqui está você. Eu vejo a sua dor. E é difícil saber que fui eu que fiz você se sentir assim. Mas eu sou um sujeito egoísta. Eu quis você desde que caiu em meu escritório. Você é delicada, honesta, afetuosa, forte, inteligente, inocente de um modo sedutor; a lista é interminável. Você me deixa bobo. Eu quero você, e a ideia de que outra pessoa possa possuir você é como uma faca perfurando minha alma negra.

Minha boca fica seca. Puta merda. Se isso não é uma declaração de amor, não sei o que é. E as palavras simplesmente saem de mim como se uma barragem tivesse se rompido.

— Christian, por que você acha que tem uma alma negra? Eu jamais diria isso. Triste, talvez, mas você é um homem bom. Eu sei que é... Você é generoso, é gentil e nunca mentiu para mim. E eu não me esforcei muito. Sábado passado foi um choque. Foi o meu grito de alerta. Eu percebi que até então você tinha pegado leve comigo, e que eu não poderia ser a pessoa que você queria que eu fosse. Então, depois que saí, eu me dei conta de que a dor física a que você me submeteu não era tão ruim quanto a dor de perdê-lo. Eu quero agradá-lo, mas é muito difícil.

— Você me agrada o tempo todo — sussurra ele. — Quantas vezes eu tenho de dizer isso?

— Eu nunca sei o que você está pensando. Às vezes você é tão distante... como uma ilha. Você me intimida. É por isso que eu fico quieta. Eu não sei para que lado o seu humor vai se dirigir. Ele se altera de um extremo a outro num milésimo de segundo. Isso me confunde, e você não me deixa tocar seu corpo, e eu quero tanto demonstrar o quanto amo você.

Ele pisca para mim na escuridão, cautelosamente, acho, e eu não consigo mais resistir. Solto o cinto de segurança, pulo em seu colo, pegando-o de surpresa, e seguro seu rosto em minhas mãos.

— Eu amo você, Christian Grey. E você está disposto a fazer tudo isso por mim. Sou eu quem não merece isso, e eu lamento não poder fazer todas aquelas coisas por você. Talvez com o tempo... eu não sei... mas sim, aceito a sua proposta. Onde eu assino?

Ele passa os braços em volta de mim e me aperta junto a seu corpo.

— Ah, Ana. — Ele expira ao enterrar o rosto em meu cabelo.

Nós ficamos ali, sentados, abraçados, ouvindo a música — uma peça lenta para piano — refletir as emoções dentro do carro, a doce calmaria que sucede a tempestade. Eu me aninho em seus braços, descansando a cabeça na curva de seu pescoço. Ele acaricia minhas costas delicadamente.

— Toque é um de meus limites rígidos, Anastasia — sussurra ele.

— Eu sei. Gostaria de entender por quê.

Depois de um tempo, ele suspira e, em voz baixa, diz:

— Eu tive uma infância terrível. Um dos cafetões da prostituta drogada... — Sua voz diminui, e seu corpo se enrijece à medida que ele revive alguma espécie de horror inimaginável. — Eu lembro que... — sussurra ele, estremecendo.

De repente, meu coração aperta ao me lembrar das cicatrizes de queimadura marcando sua pele. Ah, Christian. Aperto meus braços em volta de seu pescoço.

— Ela maltratava você? Sua mãe? — minha voz é baixa, com a suavidade das lágrimas não derramadas.

— Não que eu me lembre. Ela era negligente. Não me protegia do cafetão. — Ele bufa. — Acho que era eu que cuidava dela. Quando ela finalmente se suicidou, levou quatro dias para alguém se dar conta e nos encontrar... Disso eu me lembro.

Não consigo conter uma exclamação de horror. Puta que pariu. A bile sobe até minha garganta.

— Isso é horrível de muitas maneiras — sussurro.

— Cinquenta — murmura ele.

Inclino a cabeça e pressiono os lábios no pescoço dele, buscando e oferecendo consolo enquanto imagino um menino pequeno, sujo e de olhos cinzentos, perdido e solitário ao lado do corpo da mãe.

Ah, Christian. Inalo o cheiro dele. É um cheiro divino, meu perfume favorito em todo o mundo. Ele aperta os braços em volta de mim e beija meu cabelo, e eu permaneço ali, envolta em seu abraço, enquanto Taylor acelera pela noite.

* * *

QUANDO ACORDO, estamos em Seattle.

— Oi — diz Christian em voz baixa.

— Desculpe — murmuro e me sento, piscando e me espreguiçando. Ainda estou em seus braços, em seu colo.

— Eu poderia ver você dormir para sempre, Ana.

— Falei alguma coisa?

— Não. Estamos quase chegando à sua casa.

Ah?

— Não estamos indo para a sua?

— Não.

Sento-me e olho para ele.

— Por que não?

— Porque você tem que trabalhar amanhã.

— Ah — resmungo.

— Por quê? Tinha algo em mente?

— Bem, talvez. — Ajeito-me no banco do carro.

— Anastasia, não vou tocar em você de novo até que me implore. — Ele ri.

— O quê?!

— Até que você comece a se comunicar comigo. Da próxima vez em que fizermos amor, você vai ter que me dizer exatamente o que quer, nos mínimos detalhes.

— Ah.

Ele me tira de seu colo quando Taylor encosta o carro diante do meu prédio. Christian salta e abre a porta para mim.

— Tenho uma coisa para você. — Ele se move até a parte de trás do carro, abre a mala e tira um grande embrulho de presente. Que diabo é isso? — Só abra quando estiver dentro de casa.

— Você não vai subir?

— Não, Anastasia.

— Então, quando vamos nos ver de novo?

— Amanhã.

— Meu chefe me chamou para tomar um drinque com ele amanhã.

A expressão de Christian enrijece.

— Ah, é mesmo? — sua voz está repleta de ameaça latente.

— Para comemorar minha primeira semana — acrescento depressa.

— Onde?

— Não sei.

— Eu poderia buscar você depois disso.

— Certo... Mando um e-mail ou uma mensagem.

— Ótimo.

Ele me leva até a porta do prédio e espera até que eu ache as chaves dentro da bolsa. Abro a porta, ele se inclina para a frente e segura meu queixo, empurrando de leve minha cabeça para trás. Sua boca paira sobre a minha, e, de olhos fechados, ele deixa um rastro de beijos do canto do meu olho até o canto da minha boca.

Deixo escapar um pequeno gemido enquanto minhas entranhas se derretem.

— Até amanhã — murmura.

— Boa noite, Christian — sussurro, e posso ouvir o desejo em minha voz. Ele sorri.

— Já para dentro — ordena, e eu atravesso a portaria carregando meu presente misterioso. — Até mais, baby — diz ele e, com a sua elegância natural, retorna ao carro.

Uma vez no apartamento, abro o pacote e encontro o meu MacBook Pro, o BlackBerry e outra caixa retangular. O que é isso? Desembrulho o papel prateado. Dentro dele, um estojo de couro preto e fino.

Abro o estojo e vejo um iPad. Minha nossa... um iPad. Sobre a tela, um cartão branco com a letra de Christian:

Anastasia, isto é para você.


Eu sei o que você quer ouvir.


A música gravada aqui fala por mim.


Christian

Christian Grey gravou uma música para mim em um iPad de última geração. Balanço a cabeça em desaprovação pelo custo dessa brincadeira, mas, no fundo, adorei o presente. Jack tem um desses no escritório, então sei como funciona.

Ligo o aparelho e fico besta ao ver a imagem na tela: o modelo de um pequeno planador. Meu Deus. É o Blanik L-23 que eu dei a ele, montado num suporte de vidro, sobre o que acho que é a mesa de Christian, em seu escritório. Fico pasma.

Ele montou o avião! Ele realmente montou o avião. E então me lembro de que ele chegou a falar disso no bilhete que veio com as flores. Mal posso acreditar. No mesmo instante, percebo o quanto ele se dedicou na elaboração desse presente.

Deslizo a seta na parte inferior da tela para destravar o iPad e me surpreendo de novo. O papel de parede é a nossa foto na comemoração da minha formatura, a que foi publicada no Seattle Times. Christian está tão bonito que não consigo evitar abrir um largo sorriso — Sim, e ele é meu!

Com um toque da ponta do dedo, os ícones passam, e outros aparecem na tela seguinte. Um aplicativo para Kindle, iBooks, Words — o que quer que isso seja.

Biblioteca Britânica? Toco no ícone e um menu aparece: ACERVO HISTÓRICO. Corro a lista para baixo e seleciono ROMANCES DO SÉCULO XVIII E XIX. Outro menu. Clico no título: THE AMERICAN, DE HENRY JAMES. Uma nova janela se abre, trazendo uma cópia digitalizada do livro. Meu Deus — é uma edição antiga, publicada em 1879, e está disponível no meu iPad! Ele me deu acesso irrestrito à Biblioteca Britânica ao toque de um botão.

Fecho as janelas depressa, consciente de que poderia me perder nesse aplicativo por uma eternidade. Vejo um app chamado “boa comida”, que me faz revirar os olhos e me arranca um sorriso ao mesmo tempo, outro de notícias, um com a previsão do tempo. O bilhete dele, no entanto, falava de música. Volto para a tela principal, toco no ícone do iPod e uma lista de reprodução aparece. Dou uma olhada nas músicas, e a seleção me faz sorrir. Thomas Tallis — não vou me esquecer disso tão cedo. Afinal de contas, ouvi duas vezes enquanto ele me açoitava e trepava comigo.

“Witchcraft”. Meu sorriso se alarga — a dança na enorme sala. A transcrição de Bach para a obra de Marcello — ah não, isso é triste demais para o meu estado de espírito atual. Hum. Jeff Buckley — sim, já ouvi falar dele. Snow Patrol — minha banda preferida — e uma música chamada “Principles of Lust”, do Enigma. É muito Christian. Sorrio. Outra chamada “Possession”... ah, sim, muito Cinquenta Tons. E mais algumas que nunca ouvi.

Escolho uma música cujo título me chama a atenção e aperto play. “Try”, de Nelly Furtado. Ela começa a cantar, e sua voz é como um tecido de seda ao meu redor, envolvendo-me. Deito-me na cama.

Isso significa que Christian vai tentar? Tentar este novo tipo de relação? Eu me deleito nos versos, encarando o teto, procurando entender essa reviravolta. Ele sentiu a minha falta. Eu senti a falta dele. Ele deve sentir algo por mim. Tem que sentir. Este iPad, as músicas, os aplicativos... ele se importa. Ele realmente se importa. Meu coração se delicia com a esperança.

A música acaba e lágrimas brotam em meus olhos. Rapidamente pulo para outra: “The Scientist”, do Coldplay, uma das bandas preferidas de Kate. Conheço a música, mas nunca tinha prestado atenção na letra antes. Fecho os olhos e deixo as palavras tomarem conta de mim.

As lágrimas começam a escorrer. Não posso contê-las. Se isso não é um pedido de desculpas, o que é? Ah, Christian.

Ou é um convite? Será que ele vai responder às minhas perguntas? Estou procurando significados demais em tudo isso? Provavelmente sim.

Enxugo as lágrimas. Preciso mandar um e-mail de agradecimento. Levanto da cama e pego a máquina do mal.

Coldplay continua a tocar enquanto eu me sento de pernas cruzadas sobre a cama. O Mac liga e eu digito minha senha.

____________________________________

De: Anastasia Steele

Assunto: iPad

Data: 9 de junho de 2011 23:56

Para: Christian Grey


Você me fez chorar de novo.


Amei o iPad.


Amei as músicas.


Amei o app da Biblioteca Britânica.


Amo você.


Obrigada.


Boa noite.


Bj, Ana.

____________________________________

De: Christian Grey

Assunto: iPad

Data: 10 de junho de 2011 00:03

Para: Anastasia Steele


Fico feliz que tenha gostado. Comprei um para mim também.


Se eu estivesse aí, secaria suas lágrimas com beijos.


Mas não estou, então, vá dormir.


Christian Grey


CEO, Grey Enterprises Holdings, Inc.


A resposta dele me faz sorrir. Tão mandão, tão Christian. Será que isso também vai mudar? E percebo naquele momento que eu espero que não. Gosto dele assim — autoritário —, desde que eu possa enfrentá-lo sem medo de ser punida.

____________________________________

De: Anastasia Steele

Assunto: Sr. Rabugento

Data: 10 de junho de 2011 00:07

Para: Christian Grey


Você parece o mandão de sempre, e talvez ainda mais tenso e rabugento, Sr. Grey.


Eu sei de algo que poderia acalmá-lo. Só que você não está aqui, não me deixou ficar com você, e ainda espera que eu implore...


Vá sonhando, senhor.


Bj, Ana.


PS: Reparei que você incluiu o Hino do Perseguidor, “Every Breath You Take”. Aprecio seu senso de humor, mas será que o Dr. Flynn sabe disso?

____________________________________

De: Christian Grey

Assunto: Calmaria zen-budista

Data: 10 de junho de 2011 00:10

Para: Anastasia Steele


Minha querida Srta. Steele,


Relacionamentos baunilha também têm palmadas, sabia? Em geral são consensuais e acontecem num contexto sexual... Mas estou mais do que feliz em abrir uma exceção.


Você vai ficar aliviada de saber que o Dr. Flynn também aprecia meu senso de humor.


Agora, por favor, vá dormir, já que amanhã não vou deixar você dormir muito.


Aliás, você vai implorar, confie em mim. E eu mal posso esperar por isso.


Christian Grey


Um CEO tenso, Grey Enterprises Holdings, Inc.

____________________________________

De: Anastasia Steele

Assunto: Boa noite, bons sonhos

Data: 10 de junho de 2011 00:12

Para: Christian Grey


Bem, já que você está me pedindo de forma tão educada, e eu gosto da sua deliciosa ameaça, vou me recolher com o iPad que você tão gentilmente me deu e adormecer enquanto navego pela Biblioteca Britânica, ouvindo a música que diz tudo por você.


Bj,


A.

____________________________________

De: Christian Grey

Assunto: Mais um pedido

Data: 10 de junho de 2011 00:15

Para: Anastasia Steele


Sonhe comigo.


Bj.


Christian Grey


CEO, Grey Enterprises Holdings, Inc.


Sonhar com você, Christian Grey? Sempre.

Visto depressa o pijama, escovo os dentes e caio na cama. Coloco os fones de ouvido, pego o balão vazio Charlie Tango de debaixo do meu travesseiro e o abraço.

Estou transbordando de alegria, um sorriso bobo de orelha a orelha. Que diferença um dia pode fazer. Como vou conseguir dormir?

José Gonzalez começa a cantar uma melodia suave, um riff hipnótico de guitarra, e me deixo levar lentamente pelo sono, admirada de como o mundo se ajeitou em apenas uma noite e imaginando preguiçosamente se eu deveria fazer uma seleção de músicas para Christian.

Загрузка...