CAPÍTULO QUATORZE
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Christian está em pé em cima de mim segurando um chicote de montaria de couro. Usa uma calça jeans velha, desbotada e rasgada, mais nada. Bate lentamente com o chicote na palma da mão enquanto olha para mim. Seu sorriso é triunfante. Não posso me mexer. Estou nua e algemada, de pernas e braços abertos numa cama grande de quatro colunas. Ele estica o braço e passa a ponta do chicote pela minha testa e pelo meu nariz, fazendo com que eu sinta o cheiro do couro, e desce por meus lábios entreabertos. Enfia a ponta na minha boca, para que eu sinta o gosto do couro macio e de boa qualidade.
— Chupe — ordena ele, com suavidade.
Seguro a ponta com a boca e obedeço.
— Chega — diz de repente.
Estou ofegante quando ele puxa o chicote da minha boca, passa-o embaixo do meu queixo, e vai descendo com o objeto pelo meu pescoço até o tórax. Gira-o lentamente ali e continua descendo pelo meu corpo, passando pelo esterno, entre os seios, pelo torso, até o umbigo. Estou arfando, me contorcendo, puxando as amarras que ferem meus pulsos e tornozelos. Ele gira a ponta em volta do meu umbigo, depois vai descendo, passando pelos meus pelos pubianos até o clitóris. Brande o chicote e acerta um golpe seco naquele meu ponto doce, e eu gozo, gloriosamente, com um grito de alívio.
Acordo de súbito, ofegante, toda suada e sentindo os efeitos do orgasmo. Que inferno. Estou completamente desorientada. Que diabo acabou de acontecer? Estou sozinha no meu quarto. Como? Por quê? Sento-me de repente na cama, chocada... uau. É de manhã. Olho o despertador — oito horas. Ponho as mãos na cabeça. Eu não sabia que podia sonhar com sexo. Será que foi alguma coisa que comi? Talvez tenham sido as ostras e minha pesquisa na internet se manifestando em meu primeiro sonho erótico. É incrível. Eu não sabia que podia ter um orgasmo dormindo.
Kate está saltitando pela cozinha quando entro, trôpega.
— Ana, você está bem? Está com uma cara estranha. Esse blazer que está usando é do Christian?
— Estou bem. — Droga, eu devia ter me olhado no espelho. Evito os olhos verdes penetrantes dela. Ainda estou atordoada com o acontecimento da manhã. — É o blazer dele, sim.
Ela franze a testa.
— Você dormiu?
— Não muito bem.
Encaminho-me para a chaleira. Preciso de um chá.
— Como foi o jantar?
Começou.
— Comemos ostras. Depois bacalhau, portanto, eu diria que não cheirou bem.
— Argh... odeio ostra, e não quero saber da comida. Como foi com ele? Sobre o que vocês conversaram?
— Ele foi atencioso.
Paro de falar. O que posso dizer? O teste de HIV dele deu negativo, ele curte um teatrinho, quer que eu obedeça a todas as suas ordens, machucou uma pessoa que amarrou no teto do quarto de jogos, e quis me comer em uma sala privativa do restaurante. Será que é um bom resumo? Tento desesperadamente me lembrar de algo do meu encontro com Christian que eu possa discutir com Kate.
— Ele não aprova o Wanda.
— Quem aprova, Ana? Isso é notícia velha. Por que está tão tímida? Conte tudo, amiga.
— Ah, Kate, falamos sobre um monte de coisas. Você sabe... sobre como ele é exigente em matéria de comida. Por sinal, ele gostou do seu vestido. — A água na chaleira ferveu, e preparo meu chá. — Aceita chá? Quer ler para mim o seu discurso de hoje?
— Sim, por favor. Trabalhei nele ontem à noite na casa da Becca. Vou buscar. E sim, eu adoraria um chá.
Kate sai correndo da cozinha.
Ufa, Katherine Kavanagh afastada. Coloco um bagel na torradeira. Enrubesço, lembrando-me daquele sonho intenso. Com o que foi mesmo, meu Deus?
Ontem à noite, tive dificuldade de dormir. Minha cabeça estava a mil com várias opções. Estou muito confusa. A ideia que Christian faz de uma relação mais parece uma oferta de emprego. Tem horários estabelecidos, uma descrição do cargo e um procedimento de resolução de conflitos bastante severo. Não foi como imaginei meu primeiro romance — mas, claro, Christian não quer saber de romance. Se eu lhe disser que quero mais, ele pode dizer não... e eu poderia colocar em risco o que já tenho com ele. E isso é o que mais me preocupa, porque não quero perdê-lo. Mas não sei se tenho estômago para ser submissa — no fundo, são as varas e os chicotes que me desanimam. Sou covarde fisicamente, e faço de tudo para evitar sentir dor. Penso no meu sonho... seria assim? Minha deusa interior está aos pulos com pompons de animadora de torcida gritando que sim.
Kate volta para a cozinha com o laptop. Concentro-me no bagel e escuto pacientemente todo o seu discurso de formatura.
* * *
JÁ ESTOU PRONTA quando Ray chega. Abro a porta de casa, e ele está parado no pórtico com aquele terno de corte ruim. Uma onda de gratidão e de amor por esse homem descomplicado me invade, e jogo os braços em volta dele numa rara demonstração de afeto. Ele leva um susto.
— Oi, Annie, que bom ver você — murmura ao me abraçar. Toma distância, as mãos nos meus ombros, e me olha de cima a baixo, as sobrancelhas franzidas. — Você está bem, filha?
— Claro, pai. Será que uma menina não pode ficar feliz de ver o seu velho?
Ele sorri, aqueles olhos escuros franzindo nos cantos, e me segue até a sala.
— Você está ótima — diz.
— É o vestido da Kate. — Olho para o vestido frente única de chiffon cinza.
Ele franze a testa.
— Cadê a Kate?
— Ela já foi para o campus. Vai fazer o discurso, então tem que chegar cedo.
— Será que devemos ir andando?
— Pai, temos meia hora. Quer um chá? E você pode me contar como vai todo mundo lá em Montesano. Como foi a viagem?
* * *
RAY DEIXA O carro no estacionamento do campus, e acompanhamos o mar de gente pontilhado pelas onipresentes becas nas cores preta e vermelha a caminho do ginásio.
— Boa sorte, Annie. Você parece nervosíssima. Tem que fazer alguma coisa?
Puta merda... por que Ray resolveu ser observador logo hoje?
— Não, pai. Hoje é um grande dia.
E vou vê-lo.
— Sim, minha filhinha está se formando. Estou orgulhoso de você, Annie.
— Oh... obrigada, pai.
Ah, eu adoro esse homem.
O ginásio está lotado. Ray senta-se com os outros pais e convidados na arquibancada, enquanto me encaminho para meu lugar. Estou usando a beca preta e o capelo, e me sinto protegida por esses acessórios, anônima. Ainda não tem ninguém no palco, mas não consigo ficar calma. Meu coração palpita, e sinto falta de ar. Ele está aqui, em algum lugar. Pergunto-me se Kate está falando com ele, interrogando-o, talvez. Vou para meu lugar entre os colegas cujos sobrenomes também começam com S. Estou na segunda fila, o que me proporciona um anonimato ainda maior. Olho para trás e vejo Ray no alto da arquibancada. Aceno para ele. Ele me responde sem jeito com um meio aceno e uma meia continência. Sento-me e aguardo.
O auditório enche depressa, e o burburinho de vozes empolgadas fica cada vez mais alto. A primeira fila de assentos se completa. À minha direita e à minha esquerda, estão duas meninas que não conheço, de outro curso. Claro que elas são muito amigas e ficam conversando animadamente por cima de mim.
Exatamente às onze horas, o reitor aparece vindo dos bastidores, com os três vice-reitores e os professores catedráticos, todos paramentados com seus trajes de gala em vermelho e preto. Nos levantamos e aplaudimos nosso corpo docente. Alguns catedráticos fazem um gesto de cabeça e acenam, outros parecem entediados. O professor Collins, meu orientador e professor preferido, parece ter acabado de cair da cama, como sempre. No canto do palco, estão Kate e Christian. Ele se destaca com aquele terno cinza feito sob medida, reflexos cor de cobre faiscando no cabelo sob as luzes do auditório. Parece muito sério e contido. Quando se senta, desabotoa o paletó de dois botões, e vejo sua gravata. Puta merda... é aquela gravata! Esfrego os pulsos por reflexo. Não consigo tirar os olhos dele. Está com aquela gravata de propósito, sem dúvida. Contraio os lábios. A plateia se senta e os aplausos cessam.
— Olhe para ele! — sibila uma das garotas ao meu lado com entusiasmo para a amiga.
— Ele é gostoso.
Fico rígida. Tenho certeza de que não estão falando do professor Collins.
— Deve ser Christian Grey.
— Ele é solteiro?
Fico irritada.
— Acho que não — digo.
— Ah.
As duas garotas me olham surpresas.
— Acho que ele é gay — murmuro.
— Que pena — resmunga uma delas.
O reitor dá início à cerimônia com seu discurso, e observo Christian examinar sutilmente o local. Afundo-me na cadeira, curvando os ombros, tentando me fazer notar o menos possível. Falho completamente e, um segundo depois, os olhos dele encontram os meus. Ele me fita, o rosto impassível, inescrutável. Remexo-me, desconfortável, hipnotizada por aquele olhar enquanto o rubor vai se espalhando lentamente no meu rosto. Sem querer, recordo meu sonho, e sinto aquele aperto no estômago. Respiro fundo. A sombra de um sorriso perpassa seus lábios, mas é fugaz. Ele fecha rapidamente os olhos e, ao abri-los, reassume aquela expressão indiferente. Depois de dar uma olhadinha para o reitor, ele se mantém de frente, focando o emblema da WSU pendurado acima da entrada. Não volta a olhar para mim. O reitor segue discursando, e Christian continua sem me dirigir os olhos. Limita-se a olhar para a frente.
Por que ele não me olha? Vai ver que mudou de ideia. Uma onda de mal-estar me invade. Vai ver que o fato de eu tê-lo deixado na mão ontem à noite tenha sido o fim para ele, também. Ele está farto de esperar que eu me decida. Ah, não, talvez eu tenha estragado tudo. Lembro-me do e-mail dele de ontem à noite. Será que está irritado porque não respondi?
De repente, os aplausos irrompem no ginásio quando a Srta. Katherine Kavanagh aparece no palco. O reitor se senta, e Kate joga para trás a linda cabeleira comprida ao colocar os papéis na tribuna. Ela não se apressa, nem se deixa intimidar pelas mil pessoas olhando para ela. Quando está pronta, sorri, ergue os olhos para a plateia cativada, e se lança com eloquência em seu discurso. É serena e engraçada, as meninas ao meu lado caem na gargalhada no instante exato em que ela faz a primeira piada. Ah, Katherine Kavanagh, você sabe modular sua fala. Fico muito orgulhosa dela nesse momento, deixando de lado os pensamentos sobre Christian. Embora já tenha ouvido o discurso, presto atenção. Ela domina o ambiente e comanda a plateia.
Seu tema é “O que vem depois da faculdade?” Sim, de fato, o que vem depois? Christian está observando Kate com ar de espanto, acho eu. Sim, poderia ter sido Kate a ir entrevistá-lo. E poderia ser para Kate que ele agora estivesse fazendo propostas indecentes. A bela Kate e o belo Christian juntos. Eu poderia ser uma das duas garotas ao meu lado, admirando-o de longe. Sei que Kate não lhe daria nem bom-dia. De que o chamou outro dia? Nojento. A ideia de um confronto entre Kate e Christian me deixa desconfortável. Devo dizer que não sei em qual dos dois eu apostaria.
Kate conclui o discurso com um floreio, e espontaneamente a plateia se levanta, aplaudindo e festejando, sua primeira ovação de pé. Sorrio para ela e a encorajo, e ela sorri de volta. Mandou bem, Kate. Ela se senta, assim como a plateia, e o reitor se levanta para apresentar Christian... Puta merda, Christian vai fazer um discurso. O reitor menciona rapidamente as realizações de Christian: CEO de sua própria companhia extraordinariamente bem-sucedida, um verdadeiro self-made man.
— ...e também um importante benemérito de nossa universidade. Por favor, uma salva de palmas para o Sr. Christian Grey.
O reitor o cumprimenta com um aperto de mão, e aplausos polidos ecoam pela plateia. Estou com o coração na boca. Ele se aproxima da tribuna e olha em volta. Parece tão seguro quanto Kate, ali parado diante de todos nós. As duas garotas a meu lado se inclinam para a frente, extasiadas. Na verdade, acho que quase todas as mulheres da plateia se inclinam um pouquinho, e alguns homens também. Ele começa, a voz macia, modulada e magnetizante.
— Agradeço imensamente a grande honra com que as autoridades da WSU me contemplaram hoje e que muito me comoveu. Isso me dá a rara oportunidade de falar do trabalho impressionante do departamento de ciência ambiental desta universidade. Nosso objetivo é desenvolver métodos agrícolas viáveis e ecologicamente sustentáveis para países do terceiro mundo. Nossa meta é ajudar a erradicar a fome e a pobreza do mundo. Algumas partes do planeta sofrem de uma disfunção agrícola, cuja consequência é a destruição da sociedade e da ecologia. Eu sei o que é passar fome. Esta é uma jornada muito pessoal para mim...
Meu queixo cai no chão. O quê? Christian já passou fome? Puta merda. Bem, isso explica muita coisa. E me lembro da entrevista. Ele realmente quer alimentar o mundo. Tento desesperadamente me lembrar do que Kate escreveu no artigo dela. Adotado aos quatro anos, acho eu. Não posso imaginar que Grace o tenha feito passar fome, portanto, isso deve ter sido antes, quando ele era mais novo ainda. Engulo em seco, o coração apertado com a ideia de um garotinho de olhos cinzentos que não saiu das fraldas passando fome. Ah, não. Que tipo de vida ele teve antes que os Grey o resgatassem?
Sou tomada por um sentimento de pura indignação. Pobre Christian, fodido, pervertido e filantropo — apesar de garantir que ele não se vê dessa maneira e repeliria quaisquer pensamentos de solidariedade ou piedade. De repente, todos aplaudem e se levantam. Acompanho, apesar de não ter ouvido metade do discurso. Ele está fazendo todas essas boas ações, dirigindo uma empresa enorme, e, ao mesmo tempo, me perseguindo. É perturbador. Lembro-me de breves trechos da conversa que ele teve sobre Darfur... tudo se encaixa. Comida.
Ele dá um sorriso rápido diante dos aplausos calorosos — até Kate está aplaudindo — depois volta a se sentar. Não olha na minha direção, e estou ficando doida tentando assimilar essas novas informações. Um dos vice-reitores se levanta, e começamos aquele processo longo e tedioso de entrega dos diplomas. Há mais de quatrocentos a entregar, e só mais de uma hora depois é que ouço meu nome. Dirijo-me até o palco entre as duas garotas risonhas. Christian se detém em mim com um olhar cordial, mas circunspecto.
— Parabéns, Srta. Steele — diz ao me cumprimentar, apertando com delicadeza minha mão. Sinto a eletricidade de sua pele na minha. — Seu laptop está com algum problema?
Franzo as sobrancelhas quando ele me entrega o diploma.
— Não.
— Então está ignorando meus e-mails?
— Só vi o de fusões e aquisições.
Ele me olha intrigado.
— Mais tarde — diz, e tenho que andar porque estou atrapalhando a fila.
Volto para meu lugar. E-mails? Ele deve ter mandado outro. O que dizia?
A cerimônia leva mais uma hora para se encerrar. É interminável. Finalmente, há mais uma salva de palmas quando o reitor, acompanhado pelo corpo docente, deixa o palco, precedido por Christian e Kate. Christian não olha para mim, embora eu esteja desejando com todas as forças que ele o faça. Minha deusa interior não está satisfeita.
Enquanto estou parada esperando nossa fila se dispersar, Kate me chama. Está vindo da parte de trás do palco, na minha direção.
— Christian quer falar com você — grita ela.
As duas garotas, que agora estão paradas a meu lado, se viram e me olham boquiabertas.
— Ele mandou eu vir aqui — continua ela.
Ah...
— Seu discurso foi o máximo, Kate.
— Foi mesmo, não foi? — Ela ri de uma orelha à outra. — Você vem? Ele pode ser muito insistente.
Ela revira os olhos, e eu sorrio.
— Você não tem ideia. Não posso deixar o Ray por muito tempo.
Olho para Ray lá em cima e faço um gesto indicando cinco minutos. Ele balança a cabeça, sinalizando que está tudo bem, e eu vou com Kate para o corredor atrás do palco. Christian está conversando com o reitor e dois membros do corpo docente. Ao me ver, ergue os olhos.
— Com licença, senhores — ouço-o murmurar.
Vem na minha direção e dá um sorriso rápido para Kate.
— Obrigado — diz, e antes que ela possa responder, pega o meu braço e me leva para dentro do que parece um vestiário masculino.
Verifica se está vazio, e depois tranca a porta.
Puta merda, o que ele tem em mente? Pisco para ele quando se volta contra mim.
— Por que não me mandou um e-mail? Ou me respondeu por mensagem de texto?
Seus olhos faíscam. Estou perplexa.
— Não olhei o computador hoje, nem o celular. — Merda, será que ele andou tentando me ligar? Tento a técnica da mudança de assunto que é tão eficaz com Kate. — Seu discurso foi maravilhoso.
— Obrigado.
— Explica seus problemas com comida.
Ele passa a mão no cabelo, exasperado.
— Anastasia, não quero falar disso agora. — Fecha os olhos, parecendo aflito. — Ando preocupado com você.
— Preocupado? Por quê?
— Porque você foi para casa naquele perigo que chama de carro.
— O quê? Não há perigo algum. É ótimo. José sempre leva na oficina para mim.
— José, o fotógrafo?
Christian estreita os olhos, a expressão gelada.
Ai, merda.
— Sim, o fusca era da mãe dele.
— Ah, e provavelmente da mãe dela e da mãe da mãe dela. Não é seguro.
— Já dirijo esse carro há mais de três anos. Sinto muito que você esteja preocupado. Por que não me ligou?
Nossa, a reação dele é totalmente exagerada.
Ele respira fundo.
— Anastasia, preciso de uma resposta sua. Essa expectativa está me deixando maluco.
— Christian, eu... olha, eu deixei meu padrasto sozinho.
— Amanhã. Quero uma resposta amanhã.
— Ok. Amanhã eu respondo, então.
Ele recua, me olhando com tranquilidade, e relaxa os ombros.
— Vai ficar para o coquetel? — pergunta.
— Não sei o que o Ray quer fazer.
— Seu padrasto? Eu gostaria de conhecê-lo.
Ah, não... por quê?
— Não sei bem se é uma boa ideia.
Christian destranca a porta, com uma expressão contrariada.
— Você tem vergonha de mim?
— Não! — É minha vez de falar com exasperação. — Apresentar você ao meu pai dizendo o quê? “Esse é o homem que me deflorou e quer que a gente comece uma relação BDSM?” Você não está usando tênis de corrida.
Christian me olha furioso, depois seus lábios se contraem num rápido sorriso. E, embora eu esteja irritada com ele, dou a contragosto um sorriso interrogativo.
— Só para você saber, posso correr bastante rápido. Diga-lhe simplesmente que sou seu amigo, Anastasia.
Ele abre a porta, e eu saio. Minha cabeça está totalmente confusa. O reitor, os três vice-reitores, quatro catedráticos e Kate ficam me olhando enquanto passo apressadamente por eles. Merda. Deixo Christian com o corpo docente e vou atrás de Ray.
Diga a ele que sou seu amigo.
Amizade colorida, repreende meu inconsciente com uma expressão mal-humorada. Eu sei, eu sei. Afasto a ideia desagradável. Como vou apresentá-lo a Ray? O ginásio ainda está com pelo menos metade da lotação, e Ray não saiu do lugar. Ele me vê, acena e desce.
— Oi, Annie. Parabéns.
Ele me envolve com o braço.
— Quer beber alguma coisa? — pergunto.
— Claro. É o seu dia. Vá na frente.
— A gente não precisa ir, se você não quiser.
Por favor, diga não...
— Annie, acabei de passar duas horas e meia sentado ouvindo só conversa fiada. Preciso de uma bebida.
Dou-lhe o braço, e saímos com a multidão no entardecer ameno. Passamos pela fila do fotógrafo oficial.
— Ah, isso me lembra de uma coisa — Ray tira uma câmera digital do bolso. — Uma para o álbum, Annie.
Reviro os olhos para ele quando me fotografa.
— Já posso tirar a beca e o capelo? Estou me sentindo meio idiota.
Você está meio idiota... Meu inconsciente está impertinente como nunca. Então vai apresentar o Ray ao homem que está comendo você? Ele me olha por cima dos óculos. Ele ficaria muito orgulhoso. Nossa, às vezes eu odeio meu inconsciente.
A tenda é imensa e está lotada — alunos, pais, professores e amigos, todos conversando satisfeitos. Ray me entrega uma taça de champanhe, ou vinho espumante barato, desconfio. Não está gelado e é doce. Meus pensamentos se voltam para Christian... ele não vai gostar disso.
— Ana!
Viro-me e Ethan Kavanagh me dá um abraço. Ele me rodopia sem derramar meu vinho — uma façanha.
— Parabéns! — Ele sorri para mim, os olhos verdes luminosos.
Que surpresa. Seu cabelo louro e sujo está despenteado e sexy. Ele é bonito como Kate. A semelhança entre os dois é espantosa.
— Ethan! Que bom ver você. Pai, esse é Ethan, irmão de Kate. Ethan, esse é o meu pai, Ray Steele.
Eles se cumprimentam, meu pai avaliando tranquilamente o Sr. Kavanagh.
— Quando voltou da Europa? — pergunto.
— Voltei há uma semana, mas queria fazer uma surpresa para minha irmãzinha — diz em tom conspiratório.
— Que amor! — Dou um sorriso.
— Ela é a oradora, eu não poderia perder isso. — Ele parece sentir um imenso orgulho da irmã.
— Ela fez um discurso maravilhoso.
— Fez mesmo — concorda Ray.
Ethan está com o braço em volta da minha cintura quando deparo com os gelados olhos cinzentos de Christian Grey. Kate está ao lado dele.
— Olá, Ray. — Kate dá dois beijinhos em Ray, fazendo-o corar. — Já conheceu o namorado da Ana? Christian Grey.
Puta merda... Kate! Porra! O sangue foge do meu rosto.
— Sr. Steele, é um prazer conhecê-lo — diz Christian num tom suave e caloroso, sem se perturbar com a apresentação de Kate. Estende a mão, que Ray, é preciso reconhecer, aceita sem demonstrar um pingo de surpresa com o que acabou de cair em cima dele.
Muito obrigada, Katherine Kavanagh, penso furiosa. Acho que meu inconsciente desmaiou.
— Sr. Grey — murmura Ray, a expressão indecifrável, a não ser talvez pelo olhar ligeiramente arregalado de seus grandes olhos castanhos. Eles deslizam para mim como se me perguntassem “quando pretendia me contar isso?” Mordo o lábio.
— E esse é meu irmão, Ethan Kavanagh — diz Kate a Christian.
Christian dirige seu olhar glacial para Ethan, que ainda está com o braço em volta da minha cintura.
— Sr. Kavanagh.
Eles se cumprimentam. Christian me estende a mão.
— Ana, meu bem — murmura, e quase morro diante do termo carinhoso.
Saio do abraço de Ethan, enquanto Christian sorri com frieza para ele, e tomo meu lugar a seu lado. Kate sorri para mim. Ela sabe exatamente o que está fazendo, a esperta!
— Ethan, mamãe e papai queriam falar com você.
Kate arrasta Ethan dali.
— Há quanto tempo vocês dois se conhecem? — Ray olha impassível de Christian para mim.
A capacidade de falar me abandonou. Quero me enfiar no chão. Christian me envolve com o braço, passando o polegar pelas costas para depois segurar meu ombro.
— Há umas duas semanas mais ou menos — diz ele tranquilamente. — Nos conhecemos quando Anastasia me entrevistou para o jornal da faculdade.
— Não sabia que você trabalhava no jornal da faculdade, Ana.
A voz de Ray tem um tom de censura discreto, revelando sua irritação. Merda.
— Kate estava doente — murmuro.
É só o que consigo falar.
— O senhor fez um ótimo discurso, Sr. Grey.
— Obrigado. Pelo que soube, o senhor é um bom pescador.
Ray ergue as sobrancelhas e sorri — um raro, autêntico e legítimo sorriso de Ray Steele. Os dois começam a falar sobre peixes. Na verdade, eu logo me sinto sobrando. Ele está jogando charme para cima do meu pai... como fez com você, diz secamente meu inconsciente. Seu poder não tem limites. Peço licença e vou procurar Kate.
Ela está conversando com os pais, que estão mais encantadores do que nunca e me cumprimentam com carinho. Trocamos breves amabilidades, principalmente sobre as férias em Barbados e sobre nossa mudança.
— Kate, como você pôde me entregar para o Ray? — sibilo na primeira oportunidade que temos a sós.
— Porque eu sabia que você não ia dizer nada, e queria ajudar Christian a lidar com os problemas de compromisso.
Kate sorri para mim com doçura.
Fecho a cara. Sou eu que não quero compromisso com ele, boba!
— Ele parece muito tranquilo em relação a isso, Ana. Não se preocupe. Olhe para ele agora. Christian não consegue tirar os olhos de você. — Dou uma olhada, e Ray e Christian estão me fitando. — Ele observa você como um falcão.
— É melhor eu ir acudir o Ray, ou o Christian. Não sei qual dos dois. Isso não vai ficar assim, Katherine Kavanagh! — Olho furiosa para ela.
— Ana, eu fiz um favor para você! — grita ela para mim.
— Oi — sorrio para os dois ao voltar.
Eles parecem bem. Christian está curtindo alguma piada particular, e meu pai parece incrivelmente relaxado, considerando que está numa situação social. O que eles andaram discutindo além de peixes?
— Ana, onde é o toalete?
— À esquerda da entrada da tenda.
— Já volto. Divirtam-se, crianças.
Ray sai. Olho nervosa para Christian. Fazemos uma breve pausa enquanto um fotógrafo tira uma foto nossa.
— Obrigado, Sr. Grey.
O fotógrafo sai depressa. Pisco por causa do flash.
— Então você conquistou meu pai também?
— Também? — Seus olhos queimam e ele faz uma expressão interrogativa. Enrubesço. Ele afaga meu rosto com os dedos.
— Ah, eu queria saber o que você está pensando, Anastasia — sussurra em tom sinistro, levantando meu queixo até estarmos com os olhos grudados um no outro.
O ar me falta. Como ele pode me afetar dessa maneira, até nessa tenda lotada de gente?
— Neste instante, estou pensando: “bonita gravata” — digo.
Ele sorri.
— Recentemente passou a ser minha favorita.
Fico vermelha.
— Você está linda, Anastasia. Esse vestido frente única lhe cai bem, e consigo acariciar suas costas, sentir sua pele macia.
De repente, é como se estivéssemos sozinhos ali. Só nós dois. Meu corpo inteiro se acende, cada terminação nervosa vibrando baixinho, aquela eletricidade me puxando para ele, tornando-se cada vez mais forte.
— Você sabe que vai ser bom, não sabe? — sussurra ele. Fecho os olhos e minhas entranhas se desenrolam e derretem.
— Mas eu quero mais — sussurro.
— Mais?
Ele me olha intrigado, taciturno. Faço que sim com a cabeça e engulo em seco. Agora ele sabe.
— Mais — repete ele baixinho. Testando a palavra, uma palavrinha simples mas tão cheia de promessas. Ele passa o polegar em meu lábio inferior. — Você quer flores e bombons.
Faço que sim novamente. Ele pisca para mim, e vejo sua luta interior estampada em seus olhos.
— Anastasia. — Sua voz é suave. — Isso não é algo que eu conheça.
— Nem eu.
Ele dá um leve sorriso.
— Você não conhece muita coisa — murmura.
— Você conhece tudo o que é errado.
— Errado? Não. — Ele balança a cabeça. Parece muito sincero. — Experimente — incita ele.
Um desafio provocador, e ele inclina a cabeça e dá aquele sorriso torto deslumbrante.
Suspiro, e sou Eva no Jardim do Éden, e ele é a serpente, e não consigo resistir.
— Tudo bem — murmuro.
— O quê?
Tenho a sua atenção plena, inteirinha. Engulo em seco.
— Tudo bem, vou experimentar.
— Está concordando? — Sua surpresa é evidente.
— Em relação aos limites brandos, sim. Vou experimentar. — Minha voz é muito baixa. Christian fecha os olhos e me puxa para seus braços.
— Nossa, Ana, você é muito surpreendente. Você me deixa sem ar.
Ele recua, e, de repente, Ray já voltou, e o barulho dentro da tenda vai aumentando e não dá para ouvir mais nada. Não estamos sozinhos. Puta merda, acabei de concordar em ser a submissa dele. Christian sorri para Ray com os olhos repletos de alegria.
— Annie, vamos pegar alguma coisa para comer?
— Tudo bem. — Pisco para Ray, tentando encontrar o equilíbrio. O que você fez?, grita meu inconsciente. Minha deusa interior está dando saltos mortais, numa coreografia digna de um ginasta olímpico russo.
— Gostaria de se juntar a nós, Christian? — pergunta Ray.
Christian! Fico olhando para ele, implorando para que recuse. Preciso de espaço para pensar... o que foi que eu fiz, porra?
— Obrigado, Sr. Steele, mas tenho outros planos. Foi muito bom conhecê-lo.
— Igualmente — responde Ray. — Tome conta da minha menina.
— Ah, pode deixar comigo.
Eles trocam um aperto de mãos. Estou enjoada. Ray não tem ideia de como Christian pretende tomar conta de mim. Ele pega minha mão e a leva aos lábios, beijando com ternura os nós dos meus dedos, me fitando com olhos ardentes.
— Até mais tarde, Srta. Steele — murmura, a voz cheia de promessas.
Sinto um aperto no estômago diante dessa ideia. Aguentar... até mais tarde?
Ray pega meu braço e me conduz em direção à entrada da tenda.
— Ele parece um rapaz sério. Bem de vida, também. Você podia arranjar algo muito pior, Annie. Mas por que fiquei sabendo dele pela Katherine? — reclama.
Encolho os ombros, pedindo desculpas.
— Bem, qualquer homem que goste e entenda de pescaria, para mim está ok.
Puta merda — Ray aprova. Se ele soubesse...
* * *
RAY ME DEIXA em casa à tardinha.
— Ligue para sua mãe — diz.
— Vou ligar. Obrigada por ter vindo, pai.
— Eu não perderia isso por nada, Annie. Tenho muito orgulho de você.
Ah, não. Eu não vou ficar emotiva. Sinto um nó na garganta e abraço-o com força. Ele me envolve em seus braços, perplexo, e não consigo evitar — fico com os olhos cheios d’água.
— Ei, Annie, querida — diz Ray num tom animado. — Grande dia... hein? Quer que eu entre para fazer um chazinho para você?
Rio, apesar das lágrimas. Chá sempre é a resposta, segundo Ray. Lembro-me da minha mãe reclamando dele, dizendo que quando se tratava de chá e simpatia, ele era sempre bom no chá e não tanto na simpatia.
— Não, pai, estou bem. Foi muito bom ver você. Farei uma visita assim que estiver instalada em Seattle.
— Boa sorte nas entrevistas. Dê notícias do andamento delas.
— Pode deixar, pai.
— Eu amo você, Annie.
— Também amo você, pai.
Ele sorri, os olhos castanhos carinhosos brilhando, e vai para o carro. Aceno um adeus enquanto ele parte no crepúsculo, e entro desanimada no apartamento.
A primeira coisa que faço é olhar o celular. Como está descarregado, tenho que caçar o carregador e plugá-lo antes de verificar as mensagens. Quatro chamadas perdidas, uma mensagem de voz e duas de texto. Três chamadas perdidas de Christian... nada de mensagem. Uma chamada perdida de José e uma mensagem de voz dele me desejando tudo de bom pela formatura.
Abro as mensagens de texto.
*Está em casa em segurança?*
*Me liga*
Ambas são de Christian. Por que ele não ligou para o telefone fixo? Entro no quarto e ligo a máquina do mal.
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De: Christian Grey
Assunto: Hoje à noite
Data: 25 de maio de 2011 23:58
Para: Anastasia Steele
Torço para que chegue em casa nesse seu carro.
Avise-me que está bem.
Christian Grey
CEO, Grey Enterprises Holdings, Inc.
Droga... por que ele está tão preocupado com meu fusca? Ele me presta bons serviços há três anos, e José está sempre disponível para fazer a manutenção para mim. A mensagem seguinte é de hoje.
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De: Christian Grey
Assunto: Limites brandos
Data: 26 de maio de 2011 17:22
Para: Anastasia Steele
O que posso dizer que já não tenha dito?
Feliz de discutir isso em detalhes quando você quiser.
Você estava linda hoje.
Christian Grey
CEO, Grey Enterprises Holdings, Inc.
Quero vê-lo. Clico em “responder”.
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De: Anastasia Steele
Assunto: Limites brandos
Data: 26 de maio de 2011 19:23
Para: Christian Grey
Posso ir até aí hoje à noite para discutirmos, se quiser.
Ana
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De: Christian Grey
Assunto: Limites brandos
Data: 26 de maio de 2011 19:27
Para: Anastasia Steele
Vou até aí. Falei sério quando disse que não estava satisfeito em ver você dirigindo aquele carro.
Estarei com você em breve.
Christian Grey
CEO, Grey Enterprises Holdings, Inc.
Puta merda... ele está vindo para cá. Tenho que ter uma coisa pronta para ele — as primeiras edições dos livros de Thomas Hardy ainda estão na estante da sala. Não posso ficar com elas. Embrulho-as em papel pardo, e rabisco no embrulho uma citação de Tess do livro:
“Aceito as condições, Angel. Porque você sabe melhor que ninguém qual deveria ser meu castigo; apenas — apenas — não o torne maior do que posso suportar!”