CAPÍTULO DEZENOVE
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Sinto lábios macios deixando um rastro de beijos doces na minha têmpora, e uma parte de mim quer virar e corresponder, mas o que eu mais quero é continuar dormindo. Dou um gemido e me aninho no travesseiro.
— Anastasia, acorde. — A voz de Christian é doce, tentando me convencer.
— Não — gemo.
— Temos que sair em meia hora para jantar na casa dos meus pais. — Ele está achando graça.
Abro os olhos com relutância. Anoitece lá fora. Christian está debruçado na cama, olhando-me com atenção.
— Vamos, dorminhoca. Levante-se.
Ele se abaixa e torna a me beijar.
— Trouxe algo para você beber. Estarei lá embaixo. Não volte a dormir ou vai estar encrencada — ameaça, mas num tom afável.
Ele me dá um beijo rápido e sai, deixando-me sonolenta naquele quarto frio e austero.
Estou descansada, mas, de repente, fico nervosa. Caramba, vou conhecer os pais dele! Ele acabou de me dar uma surra de chicote de montaria e de me amarrar com uma braçadeira de plástico que eu lhe vendi, pelo amor de Deus — e vou conhecer os pais dele. Será também a primeira vez que Kate estará com eles — pelo menos ela estará lá para me apoiar. Giro os ombros. Estão tensos. A exigência dele para que eu tenha um personal trainer agora não parece bizarra. Na verdade, um personal trainer é indispensável se eu quiser ter alguma esperança de acompanhar esse ritmo.
Levanto-me da cama devagar e vejo que meu vestido está pendurado do lado de fora do armário e meu sutiã está em cima da cadeira. Cadê minha calcinha? Olho embaixo da cadeira. Nada. Então, me lembro — ele a guardou no bolso da calça. A lembrança me faz corar, depois que ele... nem consigo pensar nisso, ele foi muito... bárbaro. Franzo o cenho. Por que ele não devolveu minha calcinha?
Entro furtivamente no banheiro, desconcertada com a ausência da calcinha. Enquanto me seco após uma ducha agradável mas rápida demais, percebo que fez isso de propósito. Quer que eu fique constrangida e peça a calcinha de volta, e ele vai dizer sim ou não. Minha deusa interior sorri para mim. Diabo... esse jogo é para dois. Nesse momento, resolvo não lhe perguntar pela peça íntima e não lhe dar essa satisfação. Vou conhecer os pais dele sem calcinha. Anastasia Steele!, meu inconsciente me repreende, mas não lhe dou ouvidos — quase me abraço de contentamento porque sei que isso vai deixá-lo louco.
Volto para o quarto, ponho o sutiã, coloco o vestido e calço os sapatos. Solto a trança e escovo o cabelo às pressas, depois olho para a bebida que ele deixou. É rosa-claro. O que é isso? Cranberry e água com gás. Humm.. é uma delícia e mata minha sede.
Entro rapidamente no banheiro para me ver no espelho: olhos brilhantes, rosto ligeiramente corado, um ligeiro ar de complacência por causa do plano da calcinha, e então desço. Quinze minutos. Nada mal, Ana.
Christian está parado junto à janela panorâmica, usando a calça de flanela cinza que eu adoro, aquela que cai nos quadris daquele jeito incrivelmente sensual, e, claro, camisa de linho branco. Será que ele não tem nenhuma de outra cor? Saindo das caixas de som, a voz macia de Frank Sinatra. Christian se vira e sorri quando entro. Ele me olha com expectativa.
— Oi — digo baixinho, e meu sorriso enigmático encontra o dele.
— Oi — diz ele. — Como se sente? — pergunta com um olhar divertido.
— Bem, obrigada. E você?
— Me sinto superbem, Srta. Steele.
Ele está louco para que eu diga alguma coisa.
— Sinatra. Nunca imaginei que fosse fã dele.
Ele ergue as sobrancelhas para mim, o olhar curioso.
— Gosto eclético, Srta. Steele — murmura, e vem andando na minha direção feito uma pantera até parar na minha frente. Seu olhar é tão intenso que me tira o fôlego.
Sinatra começa a cantar... uma canção antiga, uma das preferidas de Ray, “Witchcraft”. Christian passa devagarinho os dedos no meu rosto, e imediatamente sinto o efeito lá embaixo.
— Dance comigo — diz, a voz rouca.
Ele tira o controle remoto do bolso, aumenta o volume e me estende a mão, aquele olhar cinzento cheio de promessa, desejo e humor. Ele é totalmente sedutor, e estou enfeitiçada. Dou-lhe a mão. Ele sorri preguiçosamente para mim, me puxa para junto de si e me envolve pela cintura.
Ponho uma mão em seu ombro e sorrio para ele, surpreendida por seu bom humor contagiante. Ele dá um passo para o lado, e começamos a dançar. Nossa, como ele dança! Evoluímos pela casa toda, da janela até a cozinha e voltando, rodopiando e girando no compasso da música. E, do jeito que ele conduz, é muito fácil acompanhar.
Deslizamos ao redor da mesa de jantar, chegamos até o piano, recuamos e avançamos diante da parede de vidro. Seattle piscando lá fora, um mural escuro e mágico para nossa dança. Não consigo evitar de ficar rindo à toa. Ele sorri para mim quando a música termina.
— Não há feiticeira mais bela que você — murmura, e me beija com doçura. — Bem, dançar deu uma corzinha ao seu rosto, Srta. Steele. Obrigado pela dança. Pronta para conhecer meus pais?
— Não há de quê, e sim, mal posso esperar para conhecê-los — respondo esbaforida.
— Tem tudo de que precisa?
— Ah, sim — respondo docemente.
— Tem certeza?
Balanço a cabeça do jeito mais descontraído que consigo sob aquele seu exame minucioso e divertido. Ele abre um sorriso de orelha a orelha, e balança a cabeça.
— Tudo bem. Se é este o jogo que quer fazer, Srta. Steele.
Ele me dá a mão, pega o casaco que está pendurado num dos bancos do bar, e me leva para o elevador. Ah, as muitas facetas de Christian Grey. Será que algum dia conseguirei entender este homem volúvel?
Olho para ele no elevador. Está achando graça em alguma piada particular, um sorriso se esboçando naquela boca encantadora. Receio que seja à minha custa. Onde eu estava com a cabeça? Vou conhecer os pais dele e não estou usando calcinha. Meu inconsciente me dá aquele olhar de “eu te disse” que não ajuda nada. Na relativa segurança do apartamento dele, a ideia parecia engraçada, provocante. Agora, estou quase na rua sem calcinha! Ele me olha, e lá está a eletricidade aumentando entre nós. Seu olhar divertido desaparece, e ele fica com uma expressão enigmática, um olhar misterioso... ai, meu Deus.
As portas do elevador se abrem no térreo. Christian balança a cabeça, como se quisesse clarear as ideias, e faz um gesto me convidando a sair antes dele, demonstrando cavalheirismo. Quem ele está enganando? Ele não é nada cavalheiro. Está com minha calcinha.
Taylor chega no Audi. Christian abre a porta traseira para mim, entro com toda a elegância possível, considerando meu estado de nudez descarada. Ainda bem que o vestido cor de ameixa de Kate é muito justo e o comprimento é na altura do joelho.
Vamos em alta velocidade pela Interestadual 5, ambos calados, sem dúvida inibidos com a presença de Taylor. O estado de espírito de Christian é quase tangível e parece mudar, o bom humor se dissipando lentamente no caminho. Ele está pensativo, olhando pela janela, e sei que está se afastando de mim. Em que está pensando? Não posso lhe perguntar. O que posso falar na frente de Taylor?
— Onde aprendeu a dançar? — pergunto hesitante.
Ele se vira para mim, os olhos misteriosos no clarão intermitente dos postes de luz que passam.
— Quer saber mesmo? — responde baixinho.
Fico aflita, e agora não quero porque posso adivinhar.
— Quero — murmuro com relutância.
— Mrs. Robinson gostava de dançar.
Ah, minha pior suspeita confirmada. Ela lhe ensinou bem, e esse pensamento me deprime — não há nada que eu possa lhe ensinar. Não tenho nenhuma habilidade especial.
— Ela deve ter sido uma boa professora.
— Ela foi.
Meu couro cabeludo formiga. Será que ela teve o que ele tinha de melhor? Antes de ele se tornar tão fechado? Ou será que ela o fez desabrochar? Ele tem um lado tão divertido, tão brincalhão. Sorrio sem querer ao lembrar que estive em seus braços enquanto ele rodopiava comigo pela sala, algo tão inesperado, e que ele está com minha calcinha em algum lugar.
E aí tem o Quarto Vermelho da Dor. Esfrego os pulsos num ato reflexo — braçadeiras de plástico fazem isso com uma garota. Ela lhe ensinou tudo isso, também, ou o estragou, dependendo do ponto de vista. Ou talvez ele fosse assim com ou sem ela. Neste momento me dou conta de que a odeio. Espero nunca encontrá-la porque não me responsabilizo pelos meus atos se isso acontecer. Não me lembro de ter tanta raiva de uma pessoa, sobretudo de alguém que não conheço. Olhando pela janela sem enxergar nada, alimento meu ódio e meu ciúme irracionais.
Meu pensamento se deixa levar para a tarde de hoje. Pelo que percebi das preferências dele, acho que pegou leve comigo. Será que eu faria isso de novo? Nem sequer posso fingir criar caso por causa disso. Claro que faria, se ele me pedisse — desde que não me machucasse e que essa fosse a única maneira de estar com ele.
Essa é a moral da história. Quero estar com ele. Minha deusa interior suspira aliviada. Chego à conclusão de que ela raramente usa o cérebro para pensar, usa antes outra parte de sua anatomia, e, no momento, trata-se de uma parte bastante exposta.
— Não — murmura ele.
Estranho, e o encaro.
— Não o quê?
Não encostei nele.
— Não pense demais, Anastasia. — Ele pega minha mão, leva-a aos lábios e beija delicadamente os nós dos meus dedos. — Tive uma tarde maravilhosa. Obrigado.
E está de novo comigo. Pisco para ele e sorrio timidamente. Ele é muito complicado. Faço uma pergunta que anda me incomodando.
— Por que você usa braçadeira de plástico?
Ele sorri para mim.
— É rápido, fácil, e é algo que deixa você experimentar uma sensação diferente. Sei que essas braçadeiras são um pouco brutas, e gosto disso nos dispositivos de contenção. — Ele me dá um sorriso doce. — Muito eficientes para botar você em seu lugar.
Enrubesço e olho agitada para Taylor, que permanece impassível, olhos na estrada. O que devo dizer a respeito disso? Christian dá de ombros inocentemente.
— Faz parte do meu mundo, Anastasia.
Ele aperta e solta minha mão, olhando pela janela de novo.
O mundo dele, de fato, e quero que meu lugar seja ali, mas nesses termos? Simplesmente não sei. Ele não mencionou aquele maldito contrato. Minhas reflexões não me animam nem um pouco. Olho pela janela, e a paisagem mudou. A noite escura reflete meu estado de espírito introspectivo, fechado, sufocado.
Vejo que Christian está me olhando.
— Dou um doce para saber o que você tem na cabeça — diz.
Suspiro e fecho a cara.
— É ruim assim? — pergunta.
— Eu queria saber o que você estava pensando.
Ele dá um sorrisinho.
— Idem — diz, e Taylor segue veloz no meio da noite em direção a Bellevue.
* * *
SÃO QUASE OITO horas quando o Audi pega o caminho de acesso de uma mansão em estilo colonial. É de tirar o fôlego, até no que diz respeito às rosas em volta da porta. Uma pintura perfeita.
— Está preparada? — pergunta Christian enquanto Taylor estaciona diante da impressionante porta de entrada.
Confirmo com a cabeça, e ele torna a apertar minha mão, tranquilizando-me.
— Primeira vez para mim também — sussurra, depois dá um sorriso malicioso. — Aposto que você queria estar de calcinha agora — provoca.
Enrubesço. Eu tinha me esquecido da calcinha. Felizmente, Taylor já está abrindo minha porta, e não pode ouvir nosso diálogo. Franzo as sobrancelhas para Christian, que dá um sorriso largo quando saio do carro.
A Sra. Grace Trevelyan-Grey está à porta nos esperando. O vestido de seda azul-claro lhe dá um visual elegante e sofisticado. Atrás dela, vejo o Sr. Grey, presumo, alto, louro e tão bonito quanto Christian.
— Anastasia, você já conheceu minha mãe, Grace. Este é meu pai, Carrick.
— Sr. Grey, muito prazer em conhecê-lo. — Sorrio e aperto a mão que ele me estende.
— O prazer é meu, Anastasia.
— Me chame de Ana, por favor.
Seus olhos azuis são meigos e gentis.
— Ana, que bom ver você de novo. — Grace me dá um abraço carinhoso. — Entre, querida.
— Ela está aí? — Ouço uma gargalhada vindo do interior da casa. Olho nervosamente para Christian.
— Deve ser Mia, minha irmã caçula — diz ele quase irritado, mas não exatamente.
Há uma corrente de afeto em suas palavras, em seu jeito mais suave de falar, estreitando os olhos ao mencionar o nome dela. Christian naturalmente a adora. Isso é uma revelação, e ela vem correndo pelo hall, cabelos negros, alta e curvilínea. Tem mais ou menos minha idade.
— Anastasia! Já ouvi falar muito de você.
Ela me dá um abraço apertado.
Caramba. Não posso deixar de sorrir diante de seu entusiasmo sem limites.
— Ana, por favor — murmuro ao ser arrastada para o vasto hall. É todo de assoalho de madeira escura e tapetes, com uma ampla escadaria para o segundo andar.
— Ele nunca trouxe nenhuma garota aqui em casa — diz Mia toda animada, os olhos escuros brilhando.
Vejo Christian revirando os olhos, e ergo as sobrancelhas para ele. Ele estreita os olhos para mim.
— Calma, Mia — Grace censura com doçura. — Olá, querido — diz ela ao dar dois beijinhos em Christian.
Ele sorri com carinho para ela, e depois cumprimenta o pai.
Todos damos meia-volta e nos dirigimos para a sala. Mia ainda não soltou minha mão. A sala é espaçosa, mobiliada com bom gosto em tons de creme, marrom e azul-claro — confortável, discreta e cheia de estilo. Kate e Elliot estão agarrados num sofá, taças de champanhe em punho. Kate se levanta para me abraçar, e finalmente Mia solta minha mão.
— Oi, Ana! — Ela sorri. — Christian — cumprimenta-o com um gesto de cabeça seco.
— Kate. — Ele é igualmente formal com ela.
Franzo a testa para aquele diálogo. Elliot me dá um abraço exagerado. O que é isso, a Semana de Abraçar a Ana? Essa manifestação excessiva de afeto... simplesmente não estou acostumada com isso. Christian está parado a meu lado, o braço em volta de mim. Com a mão nos meus quadris, ele abre os dedos e me puxa para junto dele. Todo mundo está nos olhando. É aflitivo.
— O que querem beber? — O Sr. Grey parece se recuperar. — Prosecco?
— Por favor — Christian e eu respondemos em uníssono.
Ah... isso está muito esquisito. Mia bate palmas.
— Vocês estão até falando a mesma coisa. Eu pego. — Ela sai depressa da sala.
Fico vermelha e, ao ver Kate sentada com Elliot, ocorre-me que Christian só me convidou porque Kate está aqui. Elliot provavelmente convidou Kate espontaneamente para conhecer os pais. Christian ficou encurralado — sabendo que eu descobriria isso por Kate. Franzo a testa ao pensar nisso. Ele me convidou por obrigação. Essa percepção é triste e deprimente. Meu inconsciente balança a cabeça sabiamente, com aquela cara de “até que enfim você sacou, sua burra”.
— O jantar está quase pronto — diz Grace ao sair com Mia da sala.
Christian franze a testa e olha para mim.
— Sente-se — ordena, apontando para o sofá de veludo, e obedeço, cruzando as pernas com cuidado. Ele se senta a meu lado, mas não encosta em mim.
— Estávamos falando sobre férias, Ana — diz o Sr. Grey com simpatia. — Elliot resolveu ir passar uma semana com Kate e a família dela em Barbados.
Olho para Kate, e ela ri, arregalando os olhos brilhantes. Está exultante. Katherine Kavanagh, mostre um pouco de dignidade!
— Vai descansar um pouco agora que se formou? — pergunta-me o Sr. Grey.
— Estou pensando em passar uns dias na Geórgia — respondo.
Christian me olha boquiaberto, piscando umas duas vezes, a expressão indecifrável. Ah, merda. Não tinha falado disso com ele.
— Geórgia? — murmura.
— Minha mãe mora lá, e não a vejo faz tempo.
— Quando pretende ir? — Seu tom é grave.
— Amanhã, no fim da tarde.
Mia volta para a sala e nos entrega um prosecco rosé servido em taças de champanhe.
— À nossa saúde! — O Sr. Grey ergue a taça. O brinde adequado partindo do marido de uma médica me faz sorrir.
— Por quanto tempo? — pergunta Christian, a voz enganosamente suave.
Puta merda... ele está zangado.
— Não sei ainda. Vai depender das entrevistas de amanhã.
Ele cerra as mandíbulas, e Kate faz aquela cara de intrometida. Dá um sorriso carinhoso forçado.
— Ana merece um descanso — diz enfaticamente para Christian.
Por que é tão hostil a ele? Qual é o problema dela?
— Você tem entrevistas? — pergunta o Sr. Grey.
— Sim, amanhã, para estágio em duas editoras.
— Desejo-lhe muito boa sorte.
— O jantar está servido — anuncia Grace.
Todos nos levantamos. Kate e Elliot saem da sala com o Sr. Grey e Mia. Começo a acompanhá-los, mas Christian segura meu braço, detendo-me bruscamente.
— Quando ia me contar da viagem? — pergunta, apressado. Seu tom de voz é terno, mas ele está disfarçando a raiva.
— Não vou viajar. Vou visitar minha mãe, e ainda estava planejando ir.
— E nosso acordo?
— Ainda não temos um acordo.
Ele aperta os olhos, e depois parece se lembrar. Solta minha mão, me dá o braço e me conduz para a outra sala.
— Esta conversa ainda não terminou — sussurra ameaçadoramente ao entrarmos na sala de jantar.
Ah, droga. Deixe de ser tão esquentadinho... e devolva minha calcinha. Fuzilo-o com os olhos.
A sala de jantar me lembra o nosso jantar íntimo no Heathman. Há um lustre de cristal sobre a mesa de madeira escura, e um imenso espelho com uma bela moldura entalhada na parede. A mesa, coberta com uma toalha de linho branca engomada, tem como centro um vaso de peônias rosa-claro. É espetacular.
Tomamos nossos lugares. O Sr. Grey está à cabeceira, eu, à sua direita, e Christian, ao meu lado. O Sr. Grey pega a garrafa aberta de vinho tinto e serve Kate. Mia senta-se ao lado de Christian, segura a mão dele e aperta-a com força. Christian sorri com carinho para ela.
— Onde conheceu a Ana? — pergunta-lhe Mia.
— Ela me entrevistou para o jornal da WSU.
— Editado pela Kate — acrescento, esperando afastar a conversa da minha pessoa.
Mia sorri para Kate, sentada à sua frente ao lado de Elliot, e elas começam a falar sobre o jornal da faculdade.
— Vinho, Ana? — pergunta o Sr. Grey.
— Por favor.
Sorrio para ele. O Sr. Grey se levanta para servir as demais taças.
Olho para Christian, e ele se vira para mim, a cabeça inclinada.
— O quê? — pergunta.
— Por favor, não fique zangado comigo — sussurro.
— Não estou zangado com você.
Fico olhando para ele. Ele suspira.
— Estou zangado com você, sim.
Ele fecha os olhos por um instante.
— Muito zangado? — pergunto inquieta.
— Sobre o que vocês dois estão cochichando? — interrompe Kate.
Enrubesço, e Christian lhe lança um olhar furioso como quem diz “não se meta nisso, Kavanagh”. Até Kate murcha sob o olhar dele.
— Sobre minha viagem à Geórgia — digo docemente, esperando desarmar a hostilidade mútua deles.
Kate sorri, com um brilho malicioso nos olhos.
— Como estava o José na sexta-feira quando você foi com ele ao bar?
Puta que pariu, Kate. Arregalo os olhos para ela. O que está fazendo? Ela arregala os olhos para mim, e vejo que está tentando deixar Christian enciumado. Ela não sabe de nada. Pensei que tivesse me safado dessa.
— Estava bem — murmuro.
Christian se inclina para o meu lado.
— Muito zangado — sussurra. — Especialmente agora.
Seu tom é calmo e mortal.
Ah, não. Contorço-me.
Grace ressurge trazendo dois pratos, acompanhada de uma jovem loura de maria-chiquinha. A jovem está elegantemente vestida de azul-claro, e vem com uma bandeja de pratos. Seus olhos imediatamente encontram os de Christian na sala. Ela cora e olha para ele sob umas pestanas compridas cobertas de rímel. O quê?
Em algum lugar da casa um telefone toca.
— Com licença.
O Sr. Grey torna a se levantar e se retira.
— Obrigada, Gretchen — diz Grace com delicadeza, franzindo as sobrancelhas quando o Sr. Grey se retira. — Deixe a bandeja no aparador.
Gretchen balança a cabeça e sai, dando outra olhadinha furtiva para Christian.
Então os Grey têm uma empregada, e a empregada está despindo com os olhos o meu aspirante a Dominador. Será que essa noite pode ficar pior ainda? Cruzo os braços e fecho a cara, os olhos baixos.
O Sr. Grey volta.
— É para você, querida. Do hospital — diz ele a Grace.
— Por favor, comecem todos.
Grace sorri ao me entregar um prato e sai.
A comida tem um cheiro delicioso — vieiras com linguiça, pimentões vermelhos e cebola, salpicadas de salsa. E, apesar de estar com um nó na barriga por causa das ameaças veladas de Christian, dos olhares furtivos da bonitinha Srta. Maria-Chiquinha e do desastre da calcinha desaparecida, estou faminta. Coro ao me dar conta de que foi o esforço físico de hoje à tarde que me deu tanta fome.
Momentos depois, Grace volta, com um ar preocupado. O Sr. Grey inclina a cabeça... como Christian.
— Tudo bem?
— Mais um caso de sarampo. — Grace suspira.
— Ah, não.
— É, uma criança. O quarto caso este mês. Se ao menos as pessoas vacinassem os filhos. — Ela balança a cabeça com tristeza, e depois sorri. — Ainda bem que nossos filhos nunca passaram por isso. Nunca pegaram nada pior que catapora, graças a Deus. Coitado do Elliot — diz ao se sentar, sorrindo com indulgência para o filho. Elliot franze o cenho com a comida na boca, constrangido. — Christian e Mia tiveram sorte. Pegaram uma catapora muito branda, cada um só teve meia feridinha.
Mia sorri e Christian revira os olhos.
— Então, pegou o jogo dos Mariners, pai?
Elliot visivelmente quer muito mudar de assunto.
Os hors d’oeuvres estão deliciosos, e me concentro em comer enquanto Elliot, o Sr. Grey e Christian falam de beisebol. Christian parece relaxado e calmo conversando com os familiares. Minha cabeça está a mil. Maldita Kate, que jogo ela está fazendo? Será que ele vai me castigar? Encolho-me de medo só de pensar nisso. Ainda não assinei aquele contrato. Talvez não assine. Talvez eu fique na Geórgia, onde ele não pode me alcançar.
— Está se adaptando ao apartamento novo, querida? — pergunta Grace educadamente.
Fico agradecida pela pergunta dela, que me distrai dos meus pensamentos disparatados, e lhe conto tudo sobre nossa mudança.
Quando terminamos o primeiro prato, Gretchen aparece, e, mais uma vez, eu gostaria de ter a liberdade de tocar em Christian à vontade só para mostrar a ela — ele pode ter sido fodido em cinquenta tons, mas é meu. Ela começa a retirar os pratos, chegando muito perto de Christian para o meu gosto. Felizmente, ele parece alheio a ela, mas minha deusa interior está soltando fumaça e de um jeito que não é bom.
Kate e Mia estão conversando animadamente sobre Paris.
— Você conhece Paris, Ana? — pergunta Mia inocentemente, tirando-me do meu devaneio enciumado.
— Não, mas adoraria conhecer.
Sei que sou a única da mesa que nunca saiu dos Estados Unidos.
— Passamos a lua de mel em Paris.
Grace sorri para o Sr. Grey, que retribui o sorriso.
É quase embaraçoso de ver. Está na cara que eles se amam muito, e eu me pergunto por um instante como seria crescer com os dois pais in situ.
— É uma cidade linda — concorda Mia. — Apesar dos parisienses. Christian, você devia levar Ana a Paris — declara Mia com determinação.
— Acho que a Anastasia iria preferir Londres — diz Christian com doçura.
Ah... ele se lembrou. Ele põe a mão em meu joelho — os dedos subindo pela minha coxa. Meu corpo inteiro se retesa em resposta. Não... aqui não, agora não. Coro e mudo de posição, tentando me afastar dele. Ele agarra minha coxa, me imobilizando. Em desespero, pego o meu vinho.
A Srta. Maria-Chiquinha Europeia volta, toda dengosa, com nossos pratos: filé à Wellington, acho eu. Felizmente, ela nos serve e sai, embora hesite ao entregar o de Christian. Ele me olha intrigado enquanto eu a observo fechar a porta da sala de jantar.
— Então, qual é o problema dos parisienses? — pergunta Elliot à irmã. — Eles não gostaram do seu jeito encantador?
— Não gostaram, não. E o Monsieur Floubert, o ogro para quem eu trabalhava, era um tirano dominador.
Tusso na taça de vinho.
— Anastasia, você está bem? — pergunta Christian solícito, largando minha coxa.
Seu tom bem-humorado voltou. Ah, ainda bem. Quando faço que sim, ele bate nas minhas costas com delicadeza e só tira a mão quando vê que me refiz.
A carne está deliciosa e é servida com batata-doce, cenoura, nabo e vagem assados. E fica ainda mais saborosa quando percebo que Christian consegue conservar o bom humor pelo restante do jantar. Desconfio que seja pelo fato de eu estar comendo com tanto apetite. A conversa flui com facilidade entre os Grey, carinhosos e afetuosos, fazendo brincadeiras simpáticas uns com os outros. Durante a sobremesa de creme de limão, Mia nos regala com suas proezas em Paris, a certa altura falando em francês sem perceber. Ficamos todos olhando para ela, que olha para nós sem entender, até Christian lhe dizer, num francês igualmente fluente, o que ela acabou de fazer, ao que ela cai na gargalhada. Ela tem uma risada muito contagiante, e logo estamos todos morrendo de rir.
Elliot discorre sobre seu último projeto imobiliário, uma nova comunidade ecologicamente correta ao norte de Seattle. Olho para Kate, e ela está prestando atenção em cada palavra de Elliot, os olhos brilhando de volúpia ou amor. Ainda não decidi muito bem o quê. Ele ri para ela, e é como se trocassem uma promessa tácita. Até mais, baby, ele está dizendo, e isso é excitante, muito excitante. Coro só de olhar para eles.
Suspiro e olho para Christian, o meu Cinquenta Tons. Eu poderia ficar olhando eternamente para ele. Sua barba está começando a crescer, e estou louca para passar os dedos nesse queixo e senti-lo roçando no meu rosto, nos meus seios... entre as minhas pernas. Enrubesço ao constatar a direção de meus pensamentos. Ele me olha e levanta a mão para puxar meu queixo.
— Não morda o lábio — murmura num tom rouco. — Eu quero fazer isso.
Grace e Mia retiram as taças de sobremesa e se dirigem para a cozinha, enquanto o Sr. Grey, Kate e Elliot discutem os méritos dos painéis solares no estado de Washington. Fingindo interesse na conversa, Christian põe de novo a mão no meu joelho, e seus dedos começam a subir pela minha coxa. Perco o ar e fecho as pernas, tentando impedir seu avanço. Vejo-o dar uma risadinha.
— Quer que eu a leve para conhecer a casa? — pergunta ele francamente.
Sei que devo dizer sim, mas não confio nele. Antes que eu consiga responder, porém, ele está de pé, estendendo a mão para mim. Seguro a mão dele, e sinto todos os músculos se contraírem no fundo do meu ventre, em resposta àquele seu olhar sinistro e faminto.
— Com licença — digo ao Sr. Grey, e saio da sala com Christian.
Ele me conduz pelo corredor até a cozinha, onde Mia e Grace estão empilhando a louça. A Maria-Chiquinha Europeia sumiu.
— Vou mostrar o jardim à Anastasia — diz Christian inocentemente à mãe. Ela nos dá um adeusinho e sorri enquanto Mia volta para a sala de jantar.
Saímos num pátio de lajes cinzentas iluminado por luzes embutidas na pedra. Há arbustos em tinas de pedra cinzenta e, a um canto, uma mesa com cadeiras de aço chiques. Christian passa por elas, sobe alguns degraus e chega num vasto gramado que vai até a baía... uau — é lindo. Seattle pisca no horizonte, e o luar do fresco e claro mês de maio cria uma trilha efervescente e prateada na água em direção a um quebra-mar onde há dois barcos ancorados. Ao lado do quebra-mar, ergue-se um ancoradouro. É muito pitoresco, muito sossegado. Fico parada um instante, olhando boquiaberta.
Christian vai à frente, me puxando, mas meu salto afunda na grama macia.
— Pare, por favor. — Estou tropeçando atrás dele.
Ele para e olha para mim, a expressão insondável.
— Meu salto. Preciso tirar os sapatos.
— Não se incomode — diz ele, e se abaixa, me pega e me joga sobre o ombro.
Espantada, dou um grito bem alto, e ele dá uma palmada na minha bunda.
— Não levante a voz — resmunga.
Ah, não... isso não está bom. Meu inconsciente está de perna bamba. Ele está zangado por algum motivo — poderia ser o José, a viagem à Geórgia, o fato de eu morder o lábio, de estar sem calcinha. Que droga, ele se irrita à toa.
— Aonde vamos? — sussurro.
— Ao ancoradouro — diz ele secamente.
Seguro-me nos quadris dele, pois estou pendurada de cabeça para baixo, e ele vai andando com determinação no gramado ao luar.
— Por quê?
Quicando no ombro dele, minha voz sai ofegante.
— Preciso ficar sozinho com você.
— Para quê?
— Porque vou te dar uma surra e depois te foder.
— Por quê? — digo choramingando baixinho.
— Você sabe por quê — sibila ele.
— Pensei que você fosse o tipo que reage na hora — suplico esbaforida.
— Anastasia, a hora é agora, confie em mim.
Puta merda.