CAPÍTULO UM

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Sobrevivi ao terceiro dia pós-Christian, e ao primeiro dia de trabalho. Tem sido uma distração bem-vinda. O tempo voou numa névoa de rostos novos, trabalho a fazer e a presença do Sr. Jack Hyde. O Sr. Jack Hyde... ele sorri para mim, os olhos azuis cintilantes, e se recosta contra minha mesa.

— Bom trabalho, Ana. Acho que vamos formar um belo time.

De alguma forma, dou um jeito de curvar os lábios para cima num arremedo de sorriso.

— Acho que já vou indo, se estiver tudo bem por você — murmuro.

— Claro, são cinco e meia. Vejo você amanhã.

— Boa noite, Jack.

— Boa noite, Ana.

Pego minha bolsa, enfio-me no casaco e caminho até a porta. Lá fora, no ar do início de noite de Seattle, respiro fundo. Ele não chega nem perto de encher o vazio em meu peito, um vazio que tem estado ali desde a manhã de sábado, um lembrete oco e doloroso de minha perda. Caminho de cabeça baixa em direção ao ponto de ônibus, olhando os pés e contemplando a vida sem meu amado Wanda, meu Fusca antigo... ou sem o Audi.

Imediatamente bloqueio esses pensamentos. Não. Não pense nele. É claro que posso comprar um carro — um belo carro novo. Suspeito que ele tenha sido generoso demais no pagamento, e a ideia deixa um gosto amargo em minha boca, mas eu a afasto e tento manter a cabeça tão vazia e entorpecida quanto possível. Não posso pensar nele. Não quero começar a chorar de novo, não na rua.

O apartamento está vazio. Tenho saudade de Kate, e a imagino deitada numa praia em Barbados, tomando um coquetel. Ligo a tevê de tela plana para que o ruído preencha o vazio e proporcione uma sensação de companhia, mas não a escuto, nem olho para ela. Sento e encaro a parede de tijolos com um olhar vazio. Estou apática. Não sinto nada além de dor. Por quanto tempo vou suportar isso?

A campainha me acorda da prostração, e meu coração dispara. Quem será? Atendo o interfone.

— Entrega para a Srta. Steele — responde uma voz entediada e distante, e a decepção me atinge em cheio.

Entorpecida, desço até o térreo e vejo um jovem recostado contra a porta da frente, mascando ruidosamente um chiclete e segurando uma grande caixa de papelão. Assino para receber o pacote e subo com ele. A caixa é enorme e surpreendentemente leve. Dentro dela, duas dúzias de rosas brancas de caule comprido e um cartão.

Parabéns pelo primeiro dia no novo trabalho.


Espero que tudo tenha corrido bem.


E obrigado pelo planador. Foi muito gentil da sua parte.


Reservei um lugar especial para ele em minha mesa.


Christian


Encaro o cartão digitado, o buraco em meu peito se expandindo. Sem dúvida foi enviado pelo assistente. Christian provavelmente não tem nada a ver com isso. É doloroso demais pensar a respeito. Examino as rosas — são lindas, não consigo jogá-las no lixo. Obediente, vou até a cozinha procurar um vaso.

* * *

E ASSIM UM PADRÃO se estabelece: acordar, trabalhar, chorar, dormir. Bem, tentar dormir. Não consigo fugir dele nem em meus sonhos. Os olhos ardentes de Grey, seu olhar perdido, o cabelo e brilhoso me perseguem. E a música... tanta música. Não suporto ouvir música alguma. Tenho o cuidado de evitar a todo custo. Mesmo os jingles em comerciais de tevê me deixam trêmula.

Não falei com ninguém, nem mesmo minha mãe ou Ray. Não estou com cabeça para conversa fiada agora. Não, não quero nada disso. Eu me tornei minha própria ilha. Uma terra destruída e devastada onde nada cresce e os horizontes são sombrios. Sim, essa sou eu. Sou capaz de interagir no trabalho, mas é só. Se eu conversar com minha mãe, sei que vou me machucar ainda mais e não tenho mais onde me machucar.

* * *

TENHO TIDO DIFICULDADE de comer. No almoço de quarta, consegui tomar um copo de iogurte, a primeira coisa que comi desde sexta-feira. Estou sobrevivendo numa recém-descoberta tolerância a café com leite e Coca Diet. É a cafeína que me faz seguir em frente, mas isso está me deixando ansiosa.

Jack começou a pairar sobre mim, ele me irrita, fazendo perguntas pessoais. O que ele quer? Sou educada, mas preciso mantê-lo a distância.

Eu me sento lá e fico vasculhando a pilha de cartas endereçadas a ele, a distração do trabalho servil me satisfaz. Meu e-mail pisca, e rapidamente verifico quem é.

Puta merda. Um e-mail de Christian. Ah não, aqui não... não no trabalho.

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De: Christian Grey

Assunto: Amanhã

Data: 8 de junho de 2011 14:05

Para: Anastasia Steele


Querida Anastasia,


Desculpe essa intromissão em seu trabalho. Espero que ele esteja correndo bem. Você recebeu minhas flores?


Queria lembrar que amanhã é a noite de estreia da exposição do seu amigo. Tenho certeza de que você não teve tempo de comprar um carro, e a viagem é longa. Eu ficaria mais que feliz em levá-la — se você quiser.


Avise-me.


Christian Grey


CEO, Grey Enterprises Holdings Inc.


Lágrimas enchem meus olhos. Deixo minha mesa apressada e corro até uma das cabines do banheiro. A exposição do José. Merda. Eu tinha esquecido completamente. E eu prometi a ele que iria. Merda, Christian tem razão; como vou chegar lá?

Pressiono minhas têmporas. Por que o José não me ligou? Agora que penso no assunto, por que ninguém me ligou? Tenho andado tão distraída, nem reparei que meu celular não tem tocado.

Merda! Que idiota! As ligações ainda estão sendo desviadas para o BlackBerry. Que inferno. Christian está recebendo todas as minhas chamadas — a menos que tenha jogado o BlackBerry fora. Como ele conseguiu meu e-mail?

Ele sabe quanto eu calço, duvido que um e-mail seja um problema para ele.

Posso vê-lo de novo? Será que vou suportar? Quero vê-lo de novo? Fecho os olhos e inclino a cabeça para trás, a mágoa e o desejo tomando conta de mim. É claro que quero.

Talvez... talvez eu pudesse dizer a ele que mudei de ideia... Não, não e não. Não posso ficar com alguém que tem prazer em me infligir dor, alguém incapaz de me amar.

Memórias torturantes invadem minha mente: o planador, as mãos dadas, os beijos, a banheira, a gentileza dele, o humor e o olhar sombrio, taciturno e sexy. Sinto falta dele. Já se passaram cinco dias, cinco dias de agonia que foram como uma eternidade. Choro todas as noites antes de dormir, desejando que não tivesse desistido, desejando que ele fosse diferente, desejando que estivéssemos juntos. Por quanto tempo essa sensação esmagadora e horrível vai durar? Estou no purgatório.

Envolvo meu corpo com os braços, apertando-me com força, mantendo-me firme. Sinto falta dele. Eu realmente sinto falta dele... Eu o amo. Simples assim.

Anastasia Steele, você está no trabalho! Preciso ser forte, mas eu quero ir à exposição do José, e, lá no fundo, a masoquista em mim quer ver Christian de novo. Respiro fundo e volto para minha mesa.

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De: Anastasia Steele

Assunto: Amanhã

Data: 8 de junho de 2011 14:25

Para: Christian Grey


Oi, Christian,


Obrigada pelas flores; elas são lindas.


Sim, eu gostaria de uma carona.


Obrigada.


Anastasia Steele


Assistente de Jack Hyde, Editor, Seattle Independent Publishing


Verifico meu telefone e vejo que ainda está ativado para desviar as chamadas. Jack está em reunião, então ligo para José.

— Oi, José. É a Ana.

— Olá, mocinha — ele é tão caloroso e acolhedor, que quase me empurra de volta para o precipício.

— Não posso demorar muito. A que horas devo chegar amanhã na exposição?

— Você ainda vai poder vir? — ele parece animado.

— Sim, claro — sorrio meu primeiro sorriso sincero em cinco dias ao imaginar sua expressão de alegria.

— Lá pelas sete e meia.

— Vejo você amanhã. Tchau, José.

— Tchau, Ana.

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De: Christian Grey

Assunto: Amanhã

Data: 8 de junho de 2011 14:27

Para: Anastasia Steele


Querida Anastasia,

A que horas devo buscá-la?


Christian Grey


CEO, Grey Enterprises Holdings Inc.

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De: Anastasia Steele

Assunto: Amanhã

Data: 8 de junho de 2011 14:32

Para: Christian Grey


A exposição abre às 19h30. Que horas você sugere?


Anastasia Steele


Assistente de Jack Hyde, Editor, Seattle Independent Publishing

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De: Christian Grey

Assunto: Amanhã

Data: 8 de junho de 2011 14:34

Para: Anastasia Steele


Querida Anastasia,


Portland fica a certa distância. Devo buscá-la às 17h45.


Estou ansioso para vê-la.


Christian Grey


CEO, Grey Enterprises Holdings Inc.

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De: Anastasia Steele

Assunto: Amanhã

Data: 8 de junho de 2011 14:38

Para: Christian Grey


Vejo você amanhã.


Anastasia Steele


Assistente de Jack Hyde, Editor, Seattle Independent Publishing


Ai, meu Deus. Vou encontrar Christian e, pela primeira vez em cinco dias, meu estado de espírito se eleva uma fração, e imagino como ele tem passado.

Será que sentiu minha falta? Provavelmente não do jeito como senti a dele. Será que arrumou uma escrava nova de sabe-se lá onde elas vêm? A imagem é tão dolorosa que a dispenso imediatamente. Olho para a pilha de correspondências que preciso organizar para Jack e volto a trabalhar, tentando afastar Christian de meus pensamentos uma vez mais.

Naquela noite, na cama, me viro de um lado para o outro, tentando dormir. É a primeira vez em dias que não choro até adormecer.

Em minha cabeça, visualizo o rosto de Christian na última vez em que o vi, quando deixei seu apartamento. Sua expressão aflita me persegue. Lembro que ele não queria que eu fosse embora, o que era estranho. Por que motivo eu ficaria quando as coisas chegaram ao ponto em que chegaram? Ambos tentávamos fugir de nossos próprios problemas: meu medo da punição, o medo dele... de quê? Do amor?

Virando-me de lado, abraço o travesseiro, tomada por uma tristeza esmagadora. Ele acha que não merece ser amado. Por quê? Será que tem a ver com sua criação? Sua mãe biológica, a prostituta do crack? Meus pensamentos me atormentam até de madrugada, quando enfim mergulho num sono agitado e exausto.

* * *

O DIA SE ARRASTA, e Jack está especialmente atencioso. Suspeito que seja por causa do vestido ameixa de Kate e das botas pretas de salto alto que peguei no armário dela, mas não perco muito tempo pensando a respeito. Decido que preciso usar meu primeiro salário para fazer compras. O vestido está mais folgado em mim do que de costume, mas finjo não reparar.

Enfim, são cinco e meia; pego meu casaco e a bolsa, tentando acalmar meus nervos. Vou vê-lo!

— Vai sair com alguém hoje? — pergunta Jack ao passar por minha mesa a caminho da saída.

— Vou. Não. Não exatamente.

Ele ergue uma sobrancelha, seu interesse obviamente despertado.

— Namorado?

Fico vermelha.

— Não, um amigo. Ex-namorado.

— Talvez amanhã a gente pudesse tomar um drinque depois do trabalho. Você teve uma primeira semana fantástica, Ana. A gente devia comemorar — ele sorri e seu rosto é tomado por expressões estranhas, o que me deixa desconfortável.

Com as mãos nos bolsos, ele passa pelas portas duplas. Faço uma careta ao vê-lo ir embora. Beber com o chefe, será que é uma boa ideia?

Balanço a cabeça. Primeiro preciso enfrentar uma noite com Christian Grey. Como vou fazer isso? Corro para o banheiro para os últimos retoques.

Dou uma olhada longa e severa no rosto do outro lado do grande espelho na parede. Sou eu, em meu estado pálido de sempre, olheiras escuras ao redor dos olhos grandes demais. Pareço magra e assustada. Queria muito saber usar maquiagem. Passo um pouco de rímel e delineador e aperto as bochechas, na esperança de ressaltar um pouco a cor delas. Arrumo o cabelo para que ele caia bonito pelas minhas costas, e respiro fundo. É o melhor que posso fazer.

Nervosa, atravesso o saguão de entrada com um sorriso e um aceno para Claire, na recepção. Acho que poderíamos nos tornar amigas. Jack está conversando com Elizabeth enquanto caminho na direção das portas. Com um largo sorriso, ele se apressa em abri-las para mim.

— Depois de você, Ana — murmura.

— Obrigada — sorrio, envergonhada.

Lá fora, Taylor me espera junto da calçada. Ele abre a porta traseira do carro. Olho hesitante para Jack, que saiu depois de mim. Ele está encarando o Audi SUV, consternado.

Viro-me e entro no carro, e lá está ele, Christian Grey, em seu terno cinza, sem gravata, a camisa branca aberta no colarinho. Os olhos cinzentos brilhando.

Minha boca fica seca. Ele está lindo, só que está fazendo cara feia para mim. Por quê?

— Quando foi a última vez que você comeu? — pergunta, assim que Taylor fecha a porta atrás de mim.

Merda.

— Oi, Christian. Bom ver você também.

— Nada de bancar a espertinha. Responda.

Seus olhos estão em chamas.

Puta merda.

— Hum... Comi um iogurte na hora do almoço. Ah, e uma banana.

— Quando foi a última vez que você fez uma refeição de verdade? — pergunta ele friamente.

Taylor se senta no banco do motorista, liga o carro e começa a dirigir.

Olho para fora e Jack está acenando para mim, embora eu não tenha ideia de como ele consegue me ver através dos vidros escuros. Aceno de volta.

— Quem é? — pergunta Christian.

— Meu chefe. — Dou uma olhada de relance no belo homem a meu lado, e seus lábios estão sérios, pressionados numa linha rígida.

— E então? Sua última refeição?

— Christian, isso não é da sua conta — murmuro, sentindo-me surpreendentemente corajosa.

— O que quer que você faça é da minha conta. Fale logo.

Não, não é. Solto um gemido de frustração, revirando os olhos para cima. Christian faz uma cara feia. E pela primeira vez em muito tempo, tenho vontade de rir. Esforço-me para sufocar o riso que ameaça brotar em mim. Christian suaviza o rosto, e tento manter uma expressão séria; vejo um esboço de um sorriso roçar de leve os lábios maravilhosamente esculpidos.

— E então? — pergunta ele num tom mais suave.

Pasta alla vongole, sexta passada — sussurro.

Ele fecha os olhos; raiva e arrependimento, quem sabe, tomam conta de seu rosto.

— Entendo — diz ele, a voz inexpressiva. — Parece que, desde então, você perdeu pelo menos uns dois quilos, talvez mais. Por favor, Anastasia, volte a comer — ele me repreende.

Olho para baixo, para os dedos entrelaçados em meu colo. Por que ele sempre me faz me sentir feito uma criança insolente?

Ele se ajeita no banco do carro, virando-se para mim.

— Como você está? — pergunta, a voz ainda suave.

Bem, eu estou uma merda... Engulo em seco.

— Se dissesse que estou bem, estaria mentindo.

Ele respira fundo.

— Eu também — ele murmura e segura a minha mão. — Sinto sua falta.

Ah, não. Pele contra pele.

— Christian, eu...

— Ana, por favor. Nós precisamos conversar.

Eu vou chorar. Não.

— Christian, eu... por favor... Eu chorei muito — sussurro, tentando manter minhas emoções sob controle.

— Ah, baby, não — ele puxa minha mão, e antes que eu me dê conta, estou em seu colo. Ele passa os braços ao meu redor, seu nariz está em meu cabelo. — Tenho sentido tanto a sua falta, Anastasia — ele suspira.

Quero me soltar de seu abraço, manter a distância, mas os braços dele me envolvem. Ele me aperta contra o peito. Eu me derreto. Ah, é aqui que quero estar.

Descanso a cabeça nele, e ele beija meus cabelos várias vezes. Sinto-me em casa. Ele cheira a amaciante de roupas, loção de banho e, meu cheiro favorito, Christian. Por um momento, deixo-me iludir que tudo vai ficar bem, e isso alivia minha alma devastada.

Alguns minutos depois, Taylor encosta o carro no meio-fio, embora ainda estejamos dentro da cidade.

— Vamos — Christian me tira de seu colo —, chegamos.

O quê?

— Heliporto, no alto deste edifício — Christian lança um olhar de explicação em direção ao prédio.

Claro. Charlie Tango. Taylor abre a porta e eu salto do carro. Ele me lança um sorriso acolhedor e paternal que me transmite segurança. Sorrio de volta.

— Eu precisava devolver seu lenço.

— Fique com ele, Srta. Steele, com meus melhores cumprimentos.

Fico vermelha à medida que Christian dá a volta no carro e pega minha mão. Ele olha curioso para Taylor, que o olha de volta impassível, sem revelar nada.

— Nove? — pergunta Christian.

— Sim, senhor.

Christian acena com a cabeça, vira-se e me conduz pelas portas duplas até o suntuoso saguão. Eu me deleito ao sentir a mão grande e os dedos longos e habilidosos entrelaçados aos meus. Sinto o puxão familiar — sou atraída como Ícaro é atraído por seu Sol. Eu já me queimei antes, e ainda assim aqui estou de novo.

Chegamos aos elevadores, e ele aperta o botão. Dou uma olhada nele, que está exibindo seu meio-sorriso enigmático. Quando as portas se abrem, solta minha mão e me conduz para dentro.

As portas se fecham, e arrisco uma segunda olhadela. Ele me olha de volta, os olhos cinzentos vivos, e lá está de novo, no ar entre nós, aquela mesma eletricidade. Chega a ser palpável. Quase posso senti-la, pulsando entre nós, nos atraindo um para o outro.

— Meu Deus... — arquejo, deleitando-me na intensidade dessa atração visceral e primitiva.

— Também posso sentir — diz ele, o olhar soturno e intenso.

O desejo se concentra, sombrio e mortal, em minha virilha. Ele aperta minha mão, roça meus dedos com o polegar, e, dentro de mim, todos os músculos se enrijecem deliciosamente.

Como ele ainda pode fazer isso comigo?

— Por favor, Anastasia, não morda o lábio — sussurra.

Levanto o olhar para ele, soltando o lábio. Eu o quero. Aqui, agora, no elevador. Como não poderia?

— Você sabe como me deixa quando faz isso — murmura.

Ah, então ainda posso afetá-lo. Minha deusa interior desperta de sua letargia de cinco dias.

De repente, as portas se abrem, quebrando o feitiço, e estamos no telhado. Está ventando, e, apesar do casaco preto, sinto frio. Christian passa o braço em volta de mim, puxando-me para junto de si, e nós nos apressamos até Charlie Tango, que está no centro do heliporto, as hélices girando lentamente.

Um homem alto, louro, de queixo quadrado e usando um terno escuro salta do helicóptero, abaixa-se e corre em nossa direção. Ele aperta as mãos de Christian e grita por sobre o ruído do motor.

— Tudo pronto, senhor. Ele é todo seu!

— Já fez todas as verificações?

— Sim, senhor.

— Você pode pegá-lo lá pelas oito e meia?

— Sim, senhor.

— Taylor está esperando por você lá embaixo.

— Obrigado, Sr. Grey. Tenha um bom voo até Portland. Senhora — ele me cumprimenta.

Sem soltar minha mão, Christian acena, abaixa-se e me leva até a porta do helicóptero. Uma vez lá dentro, ele prende meu cinto, apertando bem as tiras, e me lança um olhar cúmplice, além de seu sorriso misterioso.

— Isso deve mantê-la segura — murmura. — Tenho que admitir que gosto de ver você presa assim. Não toque em nada.

Fico profundamente vermelha, e ele corre o indicador ao longo de minha bochecha antes de me entregar os fones de ouvido. Eu também queria tocar você, mas você não me deixaria. Faço uma cara feia pra ele. Além do mais, ele apertou tanto as tiras que mal posso me mover.

Ele se senta e afivela o próprio cinto, em seguida, começa a executar as checagens de segurança. É tão competente. Isso é muito sedutor. Ele coloca os fones de ouvido e liga um interruptor, os motores se aceleraram, ensurdecendo-me.

Ele se vira para mim:

— Pronta? — sua voz ecoa pelos fones.

— Pronta.

Ele sorri seu sorriso de menino. Nossa, há quanto tempo não vejo esse sorriso.

— Torre, aqui é Charlie Tango G-GEH, pronto para decolagem, destino Portland, via Aeroporto Internacional de Portland. Por favor, confirme, câmbio.

O controlador de tráfego aéreo responde, emitindo instruções numa voz distante.

— Aqui é a torre, Roger falando; Charlie Tango está liberado.

Christian vira dois botões, segura o manche, e o helicóptero sobe lentamente pelo anoitecer. Seattle e meu estômago caem lá embaixo; há tanto para ver.

— Nós já perseguimos o amanhecer, Anastasia, agora vamos atrás do crepúsculo — sua voz me vem pelos fones de ouvido. Viro-me para ele, boquiaberta.

O que isso quer dizer? Como ele consegue dizer as coisas mais românticas? Ele sorri, e não consigo não lhe retribuir um sorriso tímido.

— Assim como o sol da tarde, há mais para ser visto desta vez — diz.

Na última vez em que voamos até Seattle estava escuro, mas, esta noite, a vista é espetacular, realmente extraordinária. Estamos em meio aos prédios mais altos, subindo cada vez mais.

— Ali fica o Escala — ele aponta um edifício. — Ali é a Boeing, e, lá atrás, dá pra ver o Space Needle.

Viro a cabeça.

— Nunca fui lá.

— Eu levo você, a gente podia comer lá.

— Christian, nós terminamos.

— Eu sei. Mas ainda posso levar você lá e oferecer um jantar — ele me olha.

Balanço a cabeça e fico vermelha, antes de seguir por um caminho menos agressivo.

— É muito bonito aqui, obrigada.

— Impressionante, não é?

— É impressionante que você possa fazer isso.

— Elogios vindos de você, Srta. Steele? Sou um homem de muitos talentos.

— Tenho total consciência disso, Sr. Grey.

Ele se vira e sorri para mim. Pela primeira vez em cinco dias, relaxo um pouco. Talvez isso não vá ser tão ruim.

— Como vai o novo emprego?

— Bem, obrigada. É interessante.

— E como é seu chefe?

— Ah, ele é legal — como poderia dizer a Christian que Jack me deixa desconfortável?

— Qual é o problema? — pergunta ele, virando-se para mim.

— Fora o óbvio, nada.

— O óbvio?

— Ah, Christian, às vezes você é tão burro.

— Burro? Eu? Não sei se gosto do seu tom, Srta. Steele.

— Bem, o problema é seu.

— Senti saudade do seu atrevimento — ele molda os lábios num sorriso.

Suspiro, e minha vontade é gritar bem alto: E eu senti saudade de você por inteiro, e não apenas do seu atrevimento! Mas fico calada, olhando pelas janelas de vidro de Charlie Tango ao seguirmos em direção ao sul. O crepúsculo está a nossa direita, o sol está baixo no horizonte, enorme, flamejante e laranja; e, mais uma vez, eu sou Ícaro, voando perto demais dele.

* * *

O ENTARDECER NOS seguiu desde Seattle, e o céu está tomado de tons de opala, rosa e azul-marinho, perfeitamente entrelaçados de um jeito que só a Mãe Natureza sabe fazer. A noite está clara e nítida, as luzes de Portland brilham, acolhendo-nos à medida que Christian pousa o helicóptero. Estamos no topo do estranho prédio de tijolos marrons do qual saímos há três semanas.

Meu Deus, faz tão pouco tempo. No entanto, sinto como se conhecesse Christian a vida toda. Ele aperta vários botões, desligando os motores de Charlie Tango, até que tudo o que ouço é o som de minha própria respiração nos fones de ouvido. Hum. Por um instante, isso me faz lembrar Thomas Tallis. Fico pálida. Realmente, não quero pensar nisso agora.

Christian solta seu cinto e se inclina para abrir o meu.

— Fez boa viagem, Srta. Steele? — pergunta ele, a voz suave, os olhos cinzentos reluzindo.

— Sim, obrigada, Sr. Grey — respondo, educada.

— Bem, vamos lá ver as fotos daquele garoto — ele me estende a mão e, apoiando-me nele, desço do Charlie Tango.

Um homem de barba e cabelos grisalhos caminha até nós, com um largo sorriso no rosto. Eu o reconheço como o mesmo senhor da última vez em que estivemos aqui.

— Joe — Christian sorri e solta minha mão para apertar a de Joe calorosamente.

— Tome conta dele para Stephan. Ele vai chegar lá pelas oito ou nove.

— Certo, Sr. Grey. Senhora — diz ele, acenando para mim. — Seu carro está esperando lá embaixo, senhor. Ah, e o elevador está quebrado, o senhor vai ter que usar a escada.

— Obrigado, Joe.

Christian pega minha mão, e seguimos até a escada de emergência.

— Nesses saltos, sorte sua serem só três andares — resmunga ele, em desaprovação.

Não brinca.

— Não gostou das botas?

— Gostei muito, Anastasia — seu olhar escurece. Acho que vai dizer mais alguma coisa, mas ele para. — Vamos com calma. Não quero que você caia e quebre o pescoço.

* * *

NOS SENTAMOS EM silêncio, enquanto o motorista nos leva até a galeria. Minha ansiedade voltou com força total, e percebo que o tempo passado dentro de Charlie Tango foi o olho do furacão.

Christian está quieto e taciturno... apreensivo até, nosso bom humor de poucos instantes atrás se dissipou. Tem tanta coisa que quero dizer, mas a viagem é muito curta.

Pensativo, Christian olha para fora da janela.

— José é só um amigo — murmuro.

Christian vira-se para mim, os olhos escuros e cautelosos não deixam transparecer nada. Sua boca — ah, essa boca é uma distração incontrolável. Eu fico me lembrando dela em mim, em todos os lugares. Minha pele fica quente. Ele se ajeita em seu assento e franze a testa.

— Esses lindos olhos estão grandes demais no seu rosto, Anastasia. Por favor, me prometa que você vai comer.

— Prometo que vou comer, Christian — respondo automaticamente, numa espécie de clichê.

— Estou falando sério.

— Ah, é? — não consigo evitar o tom de desdém em minha voz. Sério, a audácia desse cara, esse homem que durante os últimos dias me fez passar por um inferno. Não, não foi isso. Fui eu que me fiz passar por um inferno. Não. Foi ele. Balanço a cabeça, confusa.

— Não quero brigar com você, Anastasia. Quero você de volta, e quero você saudável — diz ele, suavemente.

— Mas nada mudou.

Você ainda é o Cinquenta Tons.

— Chegamos. Na volta a gente conversa.

O carro para na frente da galeria, e Christian desce, deixando-me muda. Ele abre a porta para mim, e salto do carro.

— Por que você faz isso? — minha voz sai mais alta do que eu esperava.

— Isso o quê? — pergunta Christian, surpreso.

— Você fala uma coisa e depois para.

— Anastasia, nós chegamos. No lugar em que você queria estar. Agora nós vamos entrar, e depois a gente conversa. Eu realmente não quero fazer uma cena no meio da rua.

Olho ao redor. Ele está certo. É público demais. Aperto os lábios enquanto ele olha para mim.

— Certo — resmungo, de mau humor.

Segurando minha mão, ele me conduz para dentro do prédio. Estamos em um armazém convertido: paredes de tijolo, piso de madeira escura, teto branco e encanamento branco. É moderno e arejado, e várias pessoas caminham ao longo da galeria, bebendo vinho e admirando o trabalho de José. Por um momento, meus problemas se dissipam à medida que me dou conta de que José realizou um sonho. Parabéns, cara!

— Boa noite e bem-vindos à exposição de José Rodriguez — somos recebidos por uma jovem vestida de preto, o cabelo castanho muito curto, batom vermelho e grandes brincos de argola.

Ela me olha de relance, então encara Christian muito mais do que o estritamente necessário, depois volta o olhar para mim, piscando, e suas faces ficam de um vermelho vivo.

Minha testa se franze. Ele é meu. Ou era. Tento não fazer cara feia para ela. Assim que seu olhar me focaliza de novo, ela pisca mais uma vez.

— Ah, Ana, é você. Nós também vamos querer sua opinião a respeito disso aqui — sorrindo, ela me entrega um folheto e me conduz a uma mesa com bebidas e aperitivos.

— Você a conhece? — Christian fecha a cara.

Nego com a cabeça, igualmente intrigada.

Ele dá de ombros, distraído.

— Vai beber o quê?

— Vinho branco, obrigada.

Ele franze a testa, mas fica quieto e caminha até o bar.

— Ana!

Abrindo caminho entre as pessoas, José vem em minha direção.

Caramba! Ele está de terno. Está bonito, além de radiante. Abraça-me com força. E faço tudo o que posso para não irromper em lágrimas. Meu amigo, meu único amigo agora que Kate não está aqui. Meus olhos se enchem d’água.

— Ana, que bom que você veio — sussurra ele em meu ouvido, em seguida, faz uma pausa e me segura à distância de um braço, encarando-me.

— O que foi?

— Ei, você está bem? Você parece, não sei, estranha. Dios mío, você emagreceu?

Pisco com força, para espantar as lágrimas — merda, ele também.

— Estou bem, José. Estou tão feliz por você. Parabéns pela exposição — minha voz oscila à medida que percebo a preocupação em seu rosto tão familiar, mas tenho que segurar a onda.

— Como você chegou aqui? — pergunta ele.

— Christian me trouxe — digo, apreensiva de uma hora para outra.

— Ah — a expressão no rosto dele desmorona, e ele me solta. — Cadê ele? — seu olhar escurece.

— Foi buscar as bebidas — aponto na direção de Christian com a cabeça e vejo que está conversando com alguém na fila. Ele se vira na minha direção e nossos olhares se cruzam. E naquele breve instante, fico paralisada, encarando o homem absurdamente lindo que me olha de volta com alguma emoção insondável. Seu olhar é quente e me queima por dentro, e ficamos ali, perdidos por um momento, olhando um para o outro.

Deus meu... Esse homem maravilhoso me quer de volta, e, lá no fundo, uma alegria gostosa lentamente se desenrola como uma linda manhã ensolarada.

— Ana! — José me distrai, e sou arrastada de volta para o presente. — Estou muito feliz que você tenha vindo. Mas, ouça, preciso avisar você...

De repente, a Srta. Cabelinho Curto e Batom Vermelho o interrompe.

— José, a jornalista do Portland Printz chegou. Vamos lá? — ela me dá um sorriso educado.

— Isso não é tão legal? Ah, a fama! — Ele sorri, e eu sorrio de volta. Ele está tão feliz. — Falo com você mais tarde, Ana. — Ele beija minha bochecha, e eu o vejo caminhar na direção de uma jovem que está de pé, ao lado de um fotógrafo alto e magro.

As fotografias de José estão por toda parte, e, em alguns casos, ampliadas em telas enormes. Umas em preto e branco, outras a cores. Muitas das paisagens transmitem uma beleza etérea. Uma delas é a foto do entardecer no lago de Vancouver, as nuvens cor-de-rosa se refletem no espelho d’água. De repente, sou transportada pela paz e pela tranquilidade da imagem. É impressionante.

Christian se aproxima, e respiro fundo e engulo em seco, tentando recuperar um pouco do equilíbrio de antes. Ele me entrega a taça de vinho branco.

— Presta? — minha voz soa mais normal.

Ele me olha intrigado.

— O vinho.

— Não. Raramente presta neste tipo de evento. O garoto é bom, não é? — Christian está admirando a foto do lago.

— Por que outro motivo você acha que pedi a ele para fotografar você? — não consigo esconder o orgulho em minha voz. Seus olhos deslizam impassíveis da fotografia para mim.

— Christian Grey? — o fotógrafo do Portland Printz aproxima-se de Christian. — Posso tirar uma foto, senhor?

— Claro — Christian disfarça o mau humor. Dou um passo para trás, mas ele segura minha mão e me puxa para junto de si. O fotógrafo olha para nós dois e não consegue esconder a surpresa.

— Obrigado, Sr. Grey — ele tira duas fotos. — Senhorita...? — pergunta.

— Ana Steele — respondo.

— Obrigado, Srta. Steele. — E desaparece.

— Procurei na internet por fotos suas com outras mulheres, e não existe nenhuma. É por isso que Kate achava que você era gay.

Christian contrai a boca num sorriso.

— Isso explica a pergunta indecorosa. Não, eu não saio com qualquer uma, Anastasia, só com você. Mas você sabe disso. — Seus olhos ardem de sinceridade.

— Então, você nunca saiu com as suas... — olho nervosa ao redor, para me certificar de que ninguém pode nos ouvir — submissas?

— Às vezes. Mas nunca para um encontro. Pra fazer compras, você sabe — ele dá de ombros, os olhos fixos nos meus.

Ah, então é tudo restrito ao seu quarto de jogos — o Quarto Vermelho da Dor — e ao apartamento dele. Não sei o que pensar a respeito disso.

— Só você, Anastasia — sussurra ele.

Eu coro e encaro meus próprios dedos. À sua maneira, ele se preocupa comigo.

— Seu amigo parece mais um cara de paisagens do que de retratos. Vamos dar uma olhada. — Ele estende a mão, e eu a seguro.

Caminhamos diante de mais algumas fotos, e percebo um casal acenando para mim, com um largo sorriso de quem acaba de me reconhecer. Deve ser porque estou com Christian. Um rapaz, no entanto, encara-me descaradamente. Que estranho.

Entramos na sala seguinte, e eu entendo o porquê dos olhares esquisitos. Na parede oposta a nós vejo sete retratos enormes. Meus.

Encaro as imagens, estupefata, o sangue descendo todo do meu rosto até o pé. Lá estou: fazendo beicinho, rindo, fazendo cara feia, séria, compenetrada. Tudo em super close-up, tudo em preto e branco.

Puta merda! Lembro-me de José brincando com a câmera em algumas das vezes em que me visitou e quando trabalhei com ele como motorista e assistente de fotógrafo. Ele tirou umas fotos, ou assim eu pensava. Não estes retratos invasivos.

Arrisco uma olhadela para Christian, que está encarando, paralisado, as imagens, uma de cada vez.

— Parece que não sou o único — resmunga, enigmático, a boca franzindo-se rispidamente.

Acho que está com raiva.

— Com licença — diz ele, fitando-me por um momento com seu olhar cinzento e reluzente. Ele se vira e segue até a recepção.

Qual é o problema agora? Hipnotizada, eu o observo conversar animadamente com a Srta. Cabelinho Curto e Batom Vermelho. Ele abre a carteira e puxa o cartão de crédito.

Merda. Deve ter comprado um dos quadros.

— Oi? Você é a musa. Estas fotos estão fantásticas. — Levo um susto ao ser abordada por um rapaz com uma mecha de cabelo louro e brilhoso. Sinto um toque em meu cotovelo e percebo que Christian está de volta. — Você é um cara de sorte. — O Sr. Cabelo Louro dá uma risadinha para Christian, que lhe devolve um olhar gelado.

— É o que sou — resmunga ele, sombrio, ao me puxar para um canto.

— Você acabou de comprar uma das fotos?

— Uma das fotos? — bufa ele, sem tirar os olhos das imagens.

— Você comprou mais de uma?

Ele revira os olhos.

— Comprei todas, Anastasia. Não quero estranho nenhum cobiçando você na privacidade de sua casa.

Minha primeira reação é rir.

— E você prefere que seja você? — zombo.

Ele me encara, surpreendido por minha ousadia, acho, mas contendo o riso.

— Pra falar a verdade, sim.

— Pervertido — gesticulo com a boca para ele e mordo o lábio inferior para conter um sorriso.

Ele fica boquiaberto, e, agora, seu divertimento é óbvio. Então, acaricia o queixo, pensativo.

— Taí algo que não posso negar, Anastasia. — Ele balança a cabeça, e seu olhar se suaviza com um toque de humor.

— Eu poderia desenvolver mais o assunto, mas assinei um termo de confidencialidade.

Ele suspira, olhando para mim com seus olhos escuros.

— As coisas que eu gostaria de fazer com essa sua boca atrevida... — murmura.

Suspiro, sei muito bem o que ele quer dizer.

— Que grosseria. — Tento parecer chocada, e consigo. Será que ele não tem limites?

Ele ri para mim, divertindo-se, e, em seguida, franze a testa.

— Você parece muito descontraída nessas fotografias, Anastasia. Normalmente não vejo você assim.

O quê? Uau! Isso é o que eu chamo de desviar o foco da conversa — de brincalhão a sério num instante.

Fico vermelha e olho minhas mãos. Ele inclina a cabeça para trás, e eu inspiro profundamente ao sentir o contato de seus longos dedos.

— Queria que você se sentisse descontraída desse jeito quando está comigo — sussurra. Todo resquício de humor se foi.

Dentro de mim aquela sensação de alegria se agita novamente. Como pode? Temos tantos problemas.

— Você precisa parar de me intimidar se é isso que quer — rebato.

— E você precisa aprender a se comunicar e a me dizer como se sente — revida ele, os olhos brilhando.

Respiro fundo.

— Christian, você queria que eu fosse uma das suas submissas. É aí que está o problema. Na própria definição de submissa, que você chegou até a me mandar por e-mail uma vez — fiz uma pausa, tentando lembrar as palavras exatas —, acho que os sinônimos eram, abre aspas: dócil, agradável, passiva, dominável, paciente, amável, inofensiva, subjugada. Eu não podia olhar pra você. Não podia falar, a menos que você me desse permissão. O que você espera? — resmungo para ele.

Ele pisca e franze ainda mais a testa à medida que continuo.

— É muito confuso estar com você. Você não aceita que eu o desafie, mas você gosta do meu atrevimento. Você quer obediência, exceto quando não quer, para que possa me punir. Eu simplesmente não sei como me portar quando estou com você.

Ele aperta os olhos.

— Boa resposta, como sempre, Srta. Steele — sua voz está gélida. — Venha, vamos comer.

— Mas nós chegamos há meia hora.

— Você já viu as fotos e já falou com seu amiguinho.

— O nome dele é José.

— Você já falou com José, o sujeito que, na última vez em que o vi, estava tentando enfiar a língua em sua boca hesitante enquanto você caía de bêbada e passava mal — rosna ele.

— Ele nunca me bateu — revido.

Christian fecha a cara para mim, a fúria emanando de cada poro.

— Golpe baixo, Anastasia — sussurra, ameaçadoramente.

Fico pálida, Christian passa as mãos pelos cabelos, arrepiando-se de raiva mal contida. Fito seus olhos.

— Vou levar você para comer alguma coisa. Você está prestes a desaparecer na minha frente. Ande, vá se despedir daquele garoto.

— Por favor, não podemos ficar um pouco mais?

— Não. Vá se despedir dele. Agora.

Eu o encaro, o sangue fervendo. Maldito Senhor Maníaco por Controle. Raiva é bom. Raiva é melhor do que lágrimas.

Afasto os olhos dele e dou uma olhada ao redor, à procura de José. Ele está conversando com um grupo de jovens mulheres. Saio pisando duro, aproximando-me dele e afastando-me do meu Cinquenta Tons. Só porque me trouxe aqui, sou obrigada a fazer o que ele quer? Quem ele pensa que é?

As meninas estão atentas a cada palavra de José. Uma delas se assusta ao me ver. Sem dúvida, me reconheceu dos retratos.

— José.

— Ana. Com licença, meninas — ele sorri para elas e passa o braço ao meu redor. De certa forma, fico feliz: o José dando uma de galã, impressionando as mulheres.

— Você parece nervosa — diz ele.

— Tenho que ir — murmuro, obstinada.

— Mas você acabou de chegar.

— Eu sei, mas Christian precisa voltar. As fotos estão lindas, José. Você é muito bom.

Ele sorri.

— Foi muito bom ver você.

José vira meu corpo e me aperta num longo abraço, de forma que consigo ver Christian do outro lado da galeria. Está de cara feia, e percebo que é porque estou nos braços de José. Então, num movimento bastante calculista, passo as mãos ao redor de sua nuca. Acho que Christian está prestes a ter um ataque. Seu olhar torna-se tenebroso, e, lentamente, ele caminha até nós.

— Obrigada por me falar das fotos — murmuro.

— Merda. Foi mal, Ana. Eu devia ter avisado. Você gostou?

— Hum... Não sei — respondo com sinceridade, momentaneamente surpreendida pela pergunta.

— Bem, foram todas vendidas, então alguém gostou. Não é legal? Você é praticamente uma modelo — ele me aperta ainda mais à medida que Christian chega, de cara feia, embora, por sorte, José não possa vê-lo.

Ele me solta.

— Vê se não desaparece, Ana. Ah, Sr. Grey, boa noite.

— Sr. Rodriguez, muito impressionante — Christian soa friamente educado. — Uma pena que nós precisemos voltar para Seattle. Anastasia? — ele salienta sutilmente o nós ao pegar na minha mão.

— Tchau, José. Parabéns de novo. — Dou-lhe um beijo rápido na bochecha, e, antes que eu perceba, Christian me arrasta para fora do prédio. Sei que ele está fervendo de raiva silenciosa, mas eu também.

Ele olha rapidamente para um lado e para o outro da rua, então vai para a esquerda e, de repente, puxa-me para um beco, empurrando-me com força contra a parede. Segura meu rosto entre as mãos, forçando-me a encarar seus determinados olhos em chamas.

Eu suspiro, sua boca investe rapidamente contra a minha. Está me beijando, violentamente. Nossos dentes se batem por um instante, em seguida, sua língua está dentro de minha boca.

O desejo explode dentro de mim feito fogos de artifício, e eu o beijo de volta com o mesmo fervor, passando as mãos por entre seus cabelos, puxando-os com força. Ele geme, um som baixo e sexy que vem do fundo de sua garganta e reverbera em mim. As mãos dele movem-se por meu corpo até o alto de minha coxa, os dedos cravando a carne através do vestido ameixa.

Derramo toda a angústia e todo o sofrimento dos últimos dias nesse beijo, atando-o a mim, até que me dou conta — no meio daquele momento de paixão cega — que ele está fazendo o mesmo, ele sente o mesmo que eu.

Ele interrompe o beijo, ofegante. Seus olhos estão inundados de desejo, o que desperta o já aquecido sangue que corre em meu corpo. Minha boca está entreaberta, e tento levar um pouco de ar para meus pulmões.

— Você. É. Minha — rosna, enfatizando cada palavra. Ele se afasta de mim e se agacha, mantendo as mãos nos joelhos como se tivesse acabado de correr uma maratona. — Pelo amor de Deus, Ana.

Eu me recosto contra a parede, ofegante, tentando controlar a desordem que toma conta de meu corpo, tentando encontrar meu ponto de equilíbrio de novo.

— Sinto muito — sussurro assim que recupero o fôlego.

— Acho bom. Eu sei o que você estava fazendo. Você quer aquele fotógrafo, Anastasia? Ele obviamente sente algo por você.

Fico vermelha e nego com a cabeça.

— Não. Ele é só um amigo.

— Passei toda a minha vida adulta tentando evitar emoções extremas. Mas você... você desperta sentimentos em mim que me são completamente desconhecidos. É muito... — ele franze a testa, procurando a palavra certa. — Perturbador.

Ele se levanta.

— Eu gosto de ter controle, Ana, mas com você isso... — seu olhar é intenso — desaparece... — Ele acena vagamente com a mão, passa os dedos por entre os cabelos e respira fundo.

Por fim, ele segura minha mão:

— Venha, nós precisamos conversar, e você precisa comer.

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