CAPÍTULO CINCO

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Está muito silencioso. A luz está apagada. Sinto-me confortável e quentinha nesta cama. Hum... Abro os olhos, e, por um momento, curto o ambiente estranho e desconhecido, tranquila e serena. Não tenho ideia de onde estou. A cabeceira atrás de mim tem a forma de um sol imenso. É estranhamente familiar. O quarto é amplo e arejado, mobiliado luxuosamente em tons de marrom, dourado e bege. Já o vi antes. Onde? Meu cérebro atordoado se esforça para examinar a memória visual recente. Puta merda. Estou no Hotel Heathman... em uma suíte. Já estive com Kate em um quarto semelhante. Este parece maior. Ai, merda, é a suíte de Christian Grey. Como vim parar aqui?

Lembranças fragmentadas da noite de ontem voltam lentamente para me assombrar. A bebedeira — ah não, a bebedeira — o telefonema — ah não, o telefonema — o vômito — ah não, o vômito. José e Christian. Ah, não. Contraio-me por dentro. Não me lembro de vir para cá. Estou de camiseta, sutiã e calcinha. Sem meias. Sem calça jeans. Puta merda.

Olho para a mesa de cabeceira. Nela, há um copo de suco de laranja e dois comprimidos. Advil. Maníaco por controle do jeito que é, ele pensa em tudo. Sento-me na cama e tomo os comprimidos. Na verdade, não me sinto tão mal assim. Provavelmente, estou muito melhor do que mereço. O suco de laranja está divino. Mata a sede e refresca.

Ouço uma batida na porta. Meu coração sobe até a boca e fico sem voz. Ele abre a porta assim mesmo e entra.

Que inferno, ele estava malhando. Está com uma calça de moletom cinza caída daquele jeito nos quadris, e uma camiseta cinza sem manga, escura de suor, assim como seu cabelo. Suor de Christian Grey. Só a ideia já faz com que eu me sinta esquisita. Respiro fundo e fecho os olhos. Pareço uma garotinha de dois anos. Se eu fechar os olhos, não estarei realmente aqui.

— Bom dia, Anastasia. Como está se sentindo?

— Melhor do que mereço — resmungo.

Olho para ele. Ele deixa uma grande sacola de compras em uma cadeira e segura as duas pontas da toalha que está em volta do seu pescoço. Está me encarando, os olhos cinzentos sombrios, e, como sempre, não tenho ideia do que está pensando. Ele esconde os pensamentos e os sentimentos muito bem.

— Como vim parar aqui? — Minha voz é baixa, cheia de arrependimento.

Ele se senta na beira da cama. Está perto o suficiente para que eu o toque, para que eu o cheire. Ai, meu Deus... suor, sabonete e Christian. É um coquetel embriagador. Muito melhor que uma margarita, e agora falo por experiência própria.

— Depois que você desmaiou, eu não quis arriscar o estofamento de couro do meu carro levando-a até sua casa. Então a trouxe para cá — diz ele com frieza.

— Você me colocou na cama?

— Sim. — A expressão de seu rosto é imperturbável.

— Eu vomitei de novo? — Minha voz diminui ainda mais.

— Não.

— Você me despiu? — murmuro.

— Sim. — Ele ergue uma sobrancelha para mim enquanto eu enrubeço intensamente.

— A gente não...? — sussurro, a boca seca de aflição ao não conseguir completar a pergunta. Olho para minhas mãos.

— Anastasia, você estava num estado comatoso. Necrofilia não é minha praia. Gosto de mulheres conscientes e receptivas — diz ele secamente.

— Sinto muito.

Seus lábios se repuxam ligeiramente num sorriso irônico.

— Foi uma noite muito divertida. Não vou esquecê-la tão cedo.

Nem eu. Ah, ele está rindo de mim, o filho da mãe. Eu não pedi para ele me buscar. De alguma maneira, é como se eu fosse a vilã da história.

— Você não tinha que rastrear meu paradeiro com seja lá qual for a engenhoca à la James Bond que esteja desenvolvendo para quem pagar mais — digo tudo isso de uma vez só. Ele continua me olhando, surpreso e, se eu não estiver enganada, meio ofendido.

— Em primeiro lugar, a tecnologia para rastrear telefones celulares está disponível na internet. Em segundo, minha empresa não investe nem fabrica qualquer tipo de aparelho de vigilância. E, em terceiro, se eu não tivesse ido buscá-la, você provavelmente agora estaria acordando na cama do fotógrafo, e, pelo que me lembro, não estava muito entusiasmada em vê-lo lhe fazer a corte — ele rebate com azedume.

Fazer a corte! Olho para Christian. Ele está me fuzilando com o olhar, ofendido. Tento morder o lábio, mas não consigo conter o riso.

— De que crônica medieval você escapou? Parece um cavaleiro cortês.

Seu estado de espírito muda visivelmente. Ele fica com um olhar bem mais suave, uma expressão mais calorosa e um vestígio de sorriso aparece em seus lábios.

— Acho que não, Anastasia. Cavaleiro das trevas, talvez. — Seu sorriso é sarcástico, e ele balança a cabeça. — Você comeu ontem à noite?

O tom é acusador. Faço que não com a cabeça. Que enorme transgressão cometi agora? Ele cerra a mandíbula, mas continua com o rosto impassível.

— Você precisa comer. Foi por isso que passou tão mal. Francamente, é a regra número um antes de beber.

Ele passa a mão no cabelo, e sei que é porque está irritado.

— Vai continuar me repreendendo?

— É isso que estou fazendo?

— Acho que sim.

— Você tem sorte por eu só estar repreendendo você.

— Como assim?

— Bem, se fosse minha, você ficaria uma semana sem conseguir sentar depois do que aprontou ontem. Você não comeu, tomou um porre, se arriscou. — Ele fecha os olhos, uma expressão de pavor estampada por um instante em seu rosto, e estremece. Quando abre os olhos, me encara com raiva. — Odeio pensar no que poderia ter acontecido com você.

Olho de cara feia para ele. Qual é o problema desse cara? O que ele tem com isso? Se eu fosse dele... Bem, eu não sou. Se bem que talvez uma parte minha gostaria de ser. A ideia atravessa a irritação que sinto com suas palavras autoritárias. Enrubesço diante da imprevisibilidade do meu inconsciente, que está saltitando todo feliz diante da ideia de pertencer a Grey.

— Eu ficaria bem. Estava com Kate.

— E o fotógrafo? — ele me interrompe.

Hum... o jovem José. Vou precisar enfrentá-lo em algum momento.

— José só passou dos limites. — Dou de ombros.

— Bem, da próxima vez que ele passar dos limites, talvez alguém deva ensiná-lo a ter bons modos.

— Você gosta mesmo de disciplina — sibilo.

— Ah, Anastasia, você não tem ideia.

Ele aperta os olhos, e então abre um sorriso malicioso. Isso me desarma. Em um momento, estou confusa e irritada, logo em seguida, derreto-me com seu sorriso deslumbrante. Uau... É fascinante, porque o sorriso dele é muito raro. Esqueço completamente o que ele está falando.

— Vou tomar uma chuveirada. A menos que você queira ir primeiro.

Ele inclina a cabeça para o lado, ainda sorrindo. Minha pulsação se acelera, e meu cérebro se esqueceu de ativar quaisquer sinapses para me fazer respirar. O sorriso dele aumenta, e ele estica o braço e passa o polegar pelo meu rosto e pelo meu lábio inferior.

— Respire, Anastasia — murmura, e torna a se levantar. — O café da manhã chegará em quinze minutos. Você deve estar faminta.

Ele entra no banheiro e fecha a porta.

Solto o ar que estava segurando. Por que ele é tão atraente? Agora quero entrar naquele chuveiro com ele. Nunca me senti desse jeito em relação a ninguém. Meus hormônios estão enlouquecidos. A pele do meu rosto e do meu lábio inferior formiga onde ele passou o dedo. Estou me contorcendo com um desconforto, uma carência dolorosa. Não entendo essa reação. Hum... Desejo. Isso é desejo. A sensação é essa.

Deito-me nos macios travesseiros de plumas. Se você fosse minha. Ai, meu Deus, o que eu faria para ser dele? Ele é o único homem que já fez o sangue disparar nas minhas veias. Mas também é muito antipático. Difícil, complicado e confuso. Uma hora me rejeita, em seguida me manda livros de quatorze mil dólares, depois me segue como um espião. E, apesar de tudo, passei a noite em sua suíte de hotel, e sinto-me em segurança. Protegida. Ele se importa o suficiente para me resgatar de um perigo evidente. Não é um cavaleiro das trevas coisa nenhuma, e sim um cavaleiro romântico numa deslumbrante armadura reluzente, um herói clássico. Sir Gawain ou Sir Lancelot.

Levanto-me da cama, procurando freneticamente minha calça jeans. Ele sai do banheiro com o corpo molhado e brilhando da chuveirada, ainda por se barbear, só com uma toalha na cintura, e lá estou eu: pernas de fora, boquiaberta e toda sem graça. Ele fica surpreso por me ver fora da cama.

— Se estiver procurando sua calça, mandei lavar. — Seu olhar é sombrio. — Estava toda suja de vômito.

— Ah.

Fico rubra. Por que ele sempre me pega desprevenida?

— Mandei Taylor comprar outra calça e um par de sapatos. Estão na sacola em cima da cadeira.

Roupas limpas. Um bônus inesperado.

— Hã... Vou tomar um banho — murmuro. — Obrigada.

O que mais posso dizer? Pego a sacola e sigo veloz para o banheiro, afastando-me da enervante proximidade de Christian nu. O Davi de Michelangelo não tem nada para cobri-lo.

O banheiro está quente e cheio de vapor. Tiro a roupa rapidamente e entro no chuveiro, ansiosa para entrar no jorro purificante da água. A pressão da água é forte sobre mim, e viro meu rosto para a torrente acolhedora. Eu quero Christian Grey. Eu o quero desesperadamente. É fato. Pela primeira vez na vida, quero ir para a cama com um homem. Quero sentir suas mãos e sua boca em meu corpo.

Ele disse que gosta de mulheres conscientes. Então, não é celibatário. Mas não deu em cima de mim, diferentemente de Paul e José. Não entendo. Ele me quer? Ele não quis me beijar na semana passada. Será que eu causo repulsa nele? E no entanto estou aqui, ele me trouxe para cá. Simplesmente não sei qual é seu jogo. No que ele está pensando? Você dormiu a noite inteira na cama dele, e ele não tocou em você, Ana. Pense um pouco. O fantasma do meu inconsciente volta a se manifestar. Ignoro-o.

A água está quente e relaxante. Hum... Eu poderia ficar debaixo desse chuveiro, no banheiro dele, para sempre. Pego o gel de banho, e tem o cheiro dele. É um cheiro delicioso. Esfrego o produto em mim, fantasiando que é ele — ele esfregando seu sabonete divinamente perfumado em meu corpo, meus seios, minha barriga, entre minhas pernas com aquelas mãos de dedos esguios. Minha nossa. Minha pulsação se acelera de novo. Isso está tão... gostoso.

— O café da manhã chegou. — Ele bate na porta, e eu me sobressalto.

— T-tudo bem — gaguejo ao ser cruelmente arrancada do meu devaneio erótico.

Saio do chuveiro e pego duas toalhas. Ponho uma na cabeça, fazendo com ela um turbante no estilo Carmem Miranda. Seco-me às pressas, ignorando a prazerosa sensação da toalha esfregando minha pele supersensibilizada.

Inspeciono a sacola. Taylor comprou não apenas uma calça jeans e um novo par de All Stars, mas também uma camisa azul-clara, meias e lingerie. Ai, meu Deus. Sutiã e calcinha novos. Na verdade, descrevê-los dessa forma prosaica e utilitária não lhes faz jus. São peças sofisticadas de uma grife europeia. Chiques, de renda azul-clara. Uau. Estou assombrada e ligeiramente intimidada com esse conjunto de lingerie. E além do mais, cabe em mim direitinho. É claro que cabe. Enrubesço pensando no Cabelo Raspado comprando isso para mim. Pergunto-me que outros tipos de serviço ele presta.

Visto-me depressa. As roupas me servem com perfeição. Seco bruscamente o cabelo na toalha e tento controlá-lo com desespero. Mas, como sempre, ele se recusa a cooperar, e minha única opção é prendê-lo com uma presilha que não tenho. Devo ter uma na bolsa, onde quer que ela esteja. Respiro fundo. É hora de encarar o Sr. Confuso.

Fico aliviada ao encontrar o quarto vazio. Procuro depressa pela minha bolsa — mas ela não está ali. Respirando fundo de novo, entro na sala de estar da suíte. É enorme. Há uma área elegante, com sofás luxuosos e almofadas macias, uma mesa de apoio rebuscada com uma pilha de livros grandes e vistosos, uma área de escritório com um iMac de última geração, e uma enorme tevê de tela plana na parede. Christian está sentado à mesa de jantar do outro lado da sala lendo um jornal. A sala é mais ou menos do tamanho de uma quadra de tênis. Não que eu jogue tênis, mas já observei Kate algumas vezes. Kate!

— Merda, Kate — resmungo. Christian me olha.

— Ela sabe que você está aqui e ainda viva. Mandei uma mensagem de texto para o Elliot — diz ele com um leve vestígio de humor.

Ah, não. Lembro-me da dança ardente dela ontem à noite. Todos os seus passos patenteados visando o máximo de efeito para seduzir o irmão de Christian, nada menos! O que ela vai pensar de mim aqui? Nunca dormi fora de casa. Ela ainda está com Elliot. Ela só fez isso duas vezes antes, e, nas duas, eu tive que aguentar o medonho pijama cor-de-rosa por uma semana por causa das consequências. Kate vai achar que eu também transei.

Christian me olha de modo arrogante. Está com uma camisa de linho branco, com o colarinho e os punhos desabotoados.

— Sente-se — ordena, apontando para um lugar à mesa. Atravesso a sala e me sento em frente a ele conforme suas instruções.

A mesa está repleta de comida.

— Eu não sabia do que você gostava, então pedi uma seleção do cardápio de café da manhã.

Ele abre um sorriso torto de desculpas.

— É muita generosidade sua — murmuro, sem saber o que escolher, embora esteja com fome.

— É, sim — ele concorda, parecendo sentir-se culpado.

Opto por panquecas, mel, ovos mexidos e bacon. Christian tenta disfarçar um sorriso ao voltar para seu omelete de claras. A comida é deliciosa.

— Chá? — pergunta ele.

— Sim, por favor.

Ele me passa um pequeno bule de água quente e, no pires, há um saquinho de chá Twinings English Breakfast. Nossa, ele se lembra de como eu gosto do meu chá.

— Seu cabelo está muito molhado — censura ele.

— Não encontrei o secador — murmuro, encabulada.

Não que eu tenha procurado.

A boca de Christian se contrai, mas ele não diz nada.

— Obrigada pelas roupas.

— Foi um prazer, Anastasia. Essa cor fica bem em você.

Enrubesço e baixo os olhos.

— Sabe, você realmente devia aprender a receber elogios. — O tom dele é de repreensão.

— Eu devia lhe pagar por essas roupas.

Ele me fuzila com os olhos, como se eu o tivesse ofendido de algum jeito. Prossigo depressa.

— Você já me deu os livros, os quais, claro, não posso aceitar. Mas essas roupas... por favor, deixe–me pagar por elas.

Sorrio timidamente para ele.

— Anastasia, acredite, eu posso arcar com essa despesa.

— A questão não é essa. Por que você deveria comprar roupas para mim?

— Porque eu posso.

Os olhos dele têm um brilho malicioso.

— Só porque pode não significa que deva — respondo baixinho e ele ergue uma sobrancelha para mim, os olhos piscando, e de repente sinto que estamos falando de outra coisa, mas não sei o que é. O que me lembra...

— Por que me mandou aqueles livros, Christian?

Minha voz é suave. Ele pousa os talheres e me olha atentamente, uma emoção insondável no olhar ardente. Merda. Minha boca fica seca.

— Bem, quando quase foi atropelada pelo ciclista, enquanto eu a segurava e você ficava me olhando, toda “beije-me, beije-me, Christian” — ele faz uma pausa e dá de ombros —, achei que eu lhe devia um pedido de desculpas e um aviso. — Ele passa a mão pelo cabelo. — Anastasia, eu não sou o tipo de homem sentimental... Não curto romance. Meus gostos são muito singulares. Você devia ficar longe de mim. — Ele fecha os olhos parecendo derrotado. — No entanto, por algum motivo, não consigo ficar longe de você. Mas acho que você já notou isso.

Meu apetite some. Ele não consegue ficar longe de mim!

— Então não fique — murmuro.

Ele engasga, os olhos arregalados.

— Você não sabe o que está dizendo.

— Dê-me uma luz, então.

Ficamos sentados nos olhando, ambos sem tocar na comida.

— Você não é celibatário, certo? — suspiro.

Seus olhos se iluminam, achando graça.

—Não, Anastasia, não sou celibatário.

Ele faz uma pausa para deixar a informação assentar, e fico vermelha. O filtro da boca para o cérebro parou de funcionar. Não posso acreditar que acabei de dizer isso em voz alta.

— Quais são seus planos para os próximos dias? — pergunta ele, a voz grave.

— Hoje eu trabalho a partir do meio-dia. Que horas são? — de repente me apavoro.

— São dez e pouco. Você tem muito tempo. E amanhã?

Ele está com os cotovelos na mesa, e o queixo apoiado nos dedos esguios.

— Kate e eu vamos começar a empacotar as coisas. Vamos nos mudar para Seattle no próximo fim de semana, e trabalho na Clayton’s a semana toda.

— Você já tem onde morar em Seattle?

— Já.

— Onde?

— Não me lembro do endereço. É no Pike Market District.

— Não é longe da minha casa. — Ele sorri. — Então, com o que você vai trabalhar em Seattle?

Aonde ele quer chegar com todas essas perguntas? A Inquisição de Christian Grey é quase tão irritante quanto a Inquisição de Katherine Kavanagh.

— Já me candidatei para alguns estágios. Estou aguardando o resultado.

— Você se candidatou para minha empresa, como sugeri?

Enrubesço... Claro que não.

— Hã... não.

— E o que há de errado com minha companhia?

— Sua companhia, ou sua companhia? — dou um sorrisinho.

— Você está sendo insolente comigo, Srta. Steele?

Ele inclina a cabeça, e acho que parece estar se divertindo, mas é difícil dizer. Enrubesço e olho para minha refeição inacabada. Não consigo olhar nos seus olhos quando ele usa esse tom de voz.

— Eu gostaria de morder esse lábio — murmura ele num tom sinistro.

Engasgo, totalmente sem perceber que estou mordendo o lábio inferior, e fico boquiaberta. Essa deve ser a coisa mais sensual que alguém já me disse. Minha pulsação se acelera, e acho que estou arfando. Minha nossa, me transformei em uma massa confusa e trêmula, e ele ainda nem tocou em mim. Contorço-me na cadeira e encaro seu olhar sinistro.

— Por que não morde? — desafio baixinho.

— Porque não vou tocar em você, Anastasia. Não até ter seu consentimento por escrito para fazer isso.

Seus lábios sugerem um sorriso.

O quê?

— O que quer dizer com isso?

— Exatamente o que estou dizendo. — Ele suspira e balança a cabeça negativamente para mim, divertido mas exasperado, também. — Preciso lhe mostrar algo, Anastasia. A que horas você sai do trabalho hoje?

— Lá pelas oito.

— Bem, podíamos ir a Seattle hoje à noite ou sábado que vem para jantar na minha casa, e eu apresento você aos fatos, então. A decisão é sua.

— Por que não me mostra agora?

— Porque estou usufruindo do meu café e da sua companhia. Quando entender do que se trata, talvez não queira tornar a me ver.

O que isso quer dizer? Será que ele escraviza criancinhas em alguma parte desolada do planeta? Será que pertence a alguma organização criminosa? Isso explicaria por que é tão rico. Será que ele é extremamente religioso? Impotente? Certamente não — ele poderia me provar isso agora mesmo. Enrubesço pensando nas possibilidades. Isso não está me levando a lugar algum. Eu gostaria de resolver o enigma que é Christian Grey o mais cedo possível. Se isso significar que o segredo dele, seja lá qual for, é tão imoral a ponto de eu não querer saber mais dele, então, sinceramente, será um alívio. Não minta para si mesma, grita meu inconsciente, vai ter que ser muito ruim para fazer você correr da raia.

— Hoje à noite.

Ele ergue uma sobrancelha.

— Como Eva, você não quer perder tempo para comer o fruto da árvore do conhecimento.

— Está me tratando com insolência, Sr. Grey? — pergunto docemente. Pretensioso.

Ele estreita os olhos para mim e pega o BlackBerry. Pressiona um número.

— Taylor. Vou precisar do Charlie Tango.

Charlie Tango! Quem é?

— De Portland, mais ou menos às oito e meia da noite... Não, aguardando no Escala... A noite toda.

A noite toda!

— Sim. De plantão amanhã de manhã. Vou pilotar de Portland para Seattle.

Pilotar?

Piloto substituto a partir das dez e meia da noite.

Ele desliga o telefone. Nada de por favor nem obrigado.

— As pessoas sempre fazem o que você manda?

— Normalmente, se quiserem manter o emprego — diz ele impassível.

— E se elas não trabalham para você?

— Ah, eu sei ser muito persuasivo, Anastasia. Devia terminar seu café da manhã. Depois deixo você em casa. Passo na Clayton’s às oito da noite. Vamos voar para Seattle.

Pisco depressa para ele.

— Voar?

— É, eu tenho um helicóptero.

Olho boquiaberta para ele. Estou no meu segundo encontro com Christian Muito Misterioso Grey. De um café a um voo de helicóptero. Uau.

— Vamos de helicóptero para Seattle?

— Sim.

— Por quê?

Ele sorri com malícia.

— Porque eu posso. Termine seu café da manhã.

Como continuar comendo agora? Vou para Seattle de helicóptero com Christian Grey. E ele quer morder meu lábio... Contorço-me só de pensar nisso.

— Coma — diz ele, mais ríspido. — Anastasia, tenho problemas com desperdício de comida... coma.

— Não consigo comer tudo isso.

Olho boquiaberta para o que ainda há na mesa.

— Coma o que está no seu prato. Se tivesse comido direito ontem, hoje não estaria aqui, e eu não estaria abrindo o jogo tão cedo.

Seus lábios formam uma linha severa. Ele parece zangado.

Franzo a testa e volto para minha comida agora fria. Estou elétrica demais para comer, Christian. Você não entende?, explica meu inconsciente. Mas sou muito covarde para verbalizar esses pensamentos em voz alta, especialmente quando ele parece tão emburrado. Hum, parece um garotinho. Acho a ideia engraçada.

— Qual é a graça? — pergunta ele.

Balanço a cabeça, sem me atrever a responder, e fico olhando para a comida. Engolindo o último pedaço de panqueca, ergo os olhos para ele. Está me observando com curiosidade.

— Boa garota — diz. — Levo você para casa depois que secar o cabelo. Não quero que fique doente.

Há uma espécie de promessa silenciosa em suas palavras. O que ele quer dizer? Deixo a mesa, me perguntando por um momento se eu deveria pedir licença, mas descarto a ideia. Parece um precedente perigoso para se abrir. Volto para o quarto dele. Uma ideia me detém.

— Onde você dormiu ontem à noite?

Viro-me para olhar para ele ainda sentado na cadeira da sala de jantar. Não vejo mantas nem lençóis por aqui — talvez ele tenha mandado guardá-los.

— Na minha cama — diz ele simplesmente, o olhar impassível de novo.

— Ah.

— Sim, foi uma grande novidade para mim também. — Ele sorri.

— Não fazer... sexo. — Pronto, eu disse a palavra. Enrubesço, é claro.

— Não. — Ele balança a cabeça e franze a testa como se estivesse se recordando de algo incômodo. — Dormir com alguém.

Ele pega o jornal e continua a ler.

Pelo amor de Deus, o que isso quer dizer? Ele nunca dormiu com ninguém? É virgem? Por algum motivo, duvido que seja. Fico olhando para ele, incrédula. É a pessoa mais desconcertante que já conheci. Quando me dou conta de que dormi com Christian Grey quero arrancar os cabelos — o que eu daria para estar consciente e poder observá-lo dormindo? Vê-lo vulnerável. De alguma maneira, acho isso difícil de imaginar. Bem, supostamente, tudo será revelado hoje à noite.

No quarto, procuro em uma cômoda e encontro o secador. Usando os dedos, seco o cabelo da melhor maneira possível. Quando termino, entro no banheiro. Quero escovar os dentes. Olho a escova de Christian. Seria como tê-lo em minha boca. Hum... Olhando por cima do ombro para a porta com um sentimento de culpa, sinto as cerdas da escova de dentes. Estão molhadas. Ele já deve ter usado a escova. Pego-a depressa, espremo a pasta nas cerdas e escovo os dentes rapidinho. Sinto-me muito travessa. É muita emoção.

Pego a camiseta, o sutiã e a calcinha usados e coloco tudo na sacola de compras que Taylor trouxe. Volto para a sala de estar à procura da minha bolsa e da jaqueta. Que felicidade! Tenho um prendedor de cabelo na bolsa. Com uma expressão inescrutável, Christian me observa fazer um rabo de cavalo. Sinto seus olhos me seguirem quando me sento para esperá-lo terminar. Ele está no BlackBerry falando com alguém.

— Eles querem dois?... Quanto vai custar isso?... Tudo bem, e que medidas de segurança temos finalizadas?... E eles vão via Suez? Até que ponto Ben Sudan é seguro? E quando chegam em Darfur? Tudo bem, vamos fazer. Mantenha-me a par da evolução.

Ele desliga.

— Pronta para partir?

Balanço a cabeça assentindo. Pergunto-me sobre o que era essa conversa. Ele veste um paletó azul-marinho de risca de giz, pega as chaves do carro e se encaminha para a porta.

— Pode passar, Srta. Steele — murmura ele, abrindo a porta para mim.

Sua elegância é descontraída.

Demoro-me um pouco mais do que deveria, absorvendo sua imagem. E pensar que dormi com ele a noite passada e, depois de toda aquela tequila e de todo aquele vômito, ele continua aqui. E ainda por cima quer me levar para Seattle. Por que eu? Não entendo. Passo pela porta relembrando as palavras dele — Por algum motivo não consigo ficar longe de você — bem, o sentimento é absolutamente recíproco, Sr. Grey, e meu objetivo é descobrir o seu segredo.

Caminhamos em silêncio em direção ao elevador. Enquanto esperamos, olho discretamente para ele, e ele me olha de rabo de olho. Sorrio, e os lábios dele se contraem.

O elevador chega. Estamos a sós. De repente, por alguma razão inexplicável, possivelmente a proximidade num espaço tão apertado, o clima fica elétrico, carregado de expectativa e excitação. Minha respiração se altera conforme meu coração dispara. Ele vira a cabeça para mim ligeiramente, os olhos escuros cor de ardósia. Mordo o lábio.

— Ah, foda-se a papelada — resmunga ele.

Ele se atira em cima de mim, empurrando-me contra a parede do elevador. Quando me dou conta, uma das mãos dele já está apertando com força minhas mãos acima da minha cabeça. Puta merda. Sua outra mão agarra meu cabelo e o puxa para baixo, deixando-me com o rosto virado para cima, e seus lábios colam nos meus. Não é exatamente doloroso. Solto um gemido em sua boca, proporcionando uma abertura para sua língua. Ele aproveita inteiramente o espaço, a língua explorando habilmente minha boca. Nunca fui beijada assim. Minha língua afaga timidamente a dele e as duas se unem numa dança lenta e erótica se encostando e se sentindo. Ele levanta a mão para segurar meu queixo e me mantém no lugar. Estou indefesa, as mãos presas, a cabeça imobilizada, e os quadris dele me comprimindo. Sua ereção pressiona minha barriga. Minha nossa... Ele me quer. Christian Grey, deus grego, me quer, e eu o quero, aqui, agora, dentro do elevador.

— Você. É. Muito. Gostosa — murmura ele, cada palavra um staccato.

O elevador para, a porta se abre, e ele se afasta de mim num piscar de olhos, deixando-me em suspenso. Três executivos de terno nos olham e dão um sorrisinho ao entrar. Minha pulsação está nas alturas, e sinto como se tivesse apostado uma corrida ladeira acima. Quero me encolher e segurar os joelhos... mas isso é simplesmente óbvio demais.

Olho para ele. Parece muito calmo e tranquilo, como se estivesse fazendo as palavras cruzadas do Seattle Times. Que injustiça. Será que minha presença não o afeta em nada? Ele me olha de rabo de olho, e delicadamente dá um suspiro profundo. Ah, afeta sim — e minha pequenina deusa interior se agita num delicado samba vitorioso. Os executivos descem no segundo andar. Para nós ainda falta mais um.

— Você escovou os dentes — diz ele, me olhando.

— Usei sua escova.

Seus lábios se contraem num sorrisinho.

— Ah, Anastasia Steele, o que eu vou fazer com você?

A porta abre no primeiro andar, ele pega minha mão e me puxa para fora.

— O que será que os elevadores têm? — murmura, mais para si mesmo do que para mim, ao atravessar o saguão. Esforço-me para acompanhar seu passo, porque meu juízo ficou total e completamente espalhado pelo chão e pelas paredes do elevador três do Hotel Heathman.

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