CAPÍTULO VINTE E UM
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Há luz por todo lado. Uma luz clara, quente, penetrante, e me esforço para mantê-la a distância por mais uns preciosos minutos. Quero me esconder, só mais um pouco. Mas a claridade é muito forte e finalmente sucumbo ao estado de vigília. Uma manhã gloriosa de Seattle me recebe — o sol entra pelas janelas até o teto e inunda o quarto com uma claridade muito forte. Por que não fechei as cortinas ontem à noite? Estou na vasta cama de Christian Grey sem Christian Grey.
Fico deitada um instante olhando pelas janelas para a vista soberba da silhueta de Seattle. A vida nas nuvens com certeza parece irreal. Uma fantasia — um castelo no ar, desgarrado do chão, a salvo das realidades da vida. Longe do descaso, da fome e de mães prostitutas viciadas em crack. Estremeço ao pensar no que ele passou quando criança, e entendo por que mora aqui, isolado, cercado de obras de arte belas e preciosas, tão distante do lugar de onde veio... Uma declaração de propósito, de fato. Estranho, porque isso ainda não explica por que não posso tocar nele.
Ironicamente, também sinto-me assim aqui nesta torre. Estou desgarrada da realidade. Estou neste apartamento de fantasia, tendo sexo de fantasia com meu namorado de fantasia, quando a triste realidade é que ele quer um acordo especial, embora tenha dito que vai tentar mais. O que isso realmente significa é o que preciso esclarecer entre nós para ver se ainda estamos em lados opostos da gangorra ou se aos poucos nos aproximamos.
Levanto da cama sentindo-me rígida e, na falta de uma expressão melhor, bem usada. Sim, é assim que deveria se sentir, depois desse sexo todo. Meu inconsciente contrai os lábios, desaprovando. Reviro os olhos para ele, agradecida pelo fato de não ter no quarto um maníaco por controle com a mão descontrolada, e decido lhe perguntar pelo personal trainer. Quer dizer, se eu assinar. Minha deusa interior me olha desesperada. Claro que você vai assinar. Não faço caso nem de um nem de outro, e depois de uma ida rápida ao banheiro, saio à procura de Christian.
Ele não está na galeria de arte, mas há uma elegante mulher de meia-idade fazendo faxina na cozinha. A visão dela me paralisa. Ela é loura, tem o cabelo curto e olhos azuis. Está vestindo uma camisa branca e uma saia justa azul-marinho. Ao me ver, sorri.
— Bom dia, Srta. Steele. Gostaria de tomar café?
Seu tom é caloroso, mas profissional, e estou perplexa. Quem é essa loura atraente na cozinha de Christian? Só estou usando a camisa dele. A falta de roupa me deixa inibida e constrangida.
— Acho que estou em desvantagem em relação a você.
Falo baixo, sem conseguir esconder a ansiedade.
— Ah, desculpe-me, sou a Sra. Jones, a governanta do Sr. Grey.
Ah.
— Como vai? — consigo dizer.
— Gostaria de tomar o café da manhã, madame?
Madame!
— Só um chazinho seria ótimo, obrigada. Sabe onde está o Sr. Grey?
— No escritório.
— Obrigada.
Saio correndo para o escritório, mortificada. Por que Christian só tem louras atraentes trabalhando para ele? E uma ideia desagradável me ocorre instintivamente: Será que são todas suas ex-submissas? Recuso-me a alimentar essa ideia medonha. Meto a cabeça timidamente pela porta. Ele está ao telefone, virado para a janela, de calça preta e camisa branca. Tem o cabelo ainda molhado do banho, e isso me distrai completamente de meus pensamentos negativos.
— A menos que o P&L dessa companhia melhore, não me interessa, Ros. Não vamos carregar peso morto... não preciso de mais desculpas esfarrapadas. Mande o Marco me ligar, é dá ou desce... Sim, diga ao Barney que o protótipo está com uma cara boa, mas não tenho certeza quanto à interface... Não, simplesmente falta alguma coisa... Quero me reunir com ele hoje à tarde para discutir... Na verdade, com ele e a equipe dele, podemos fazer um brainstorm... Tudo bem, transfira-me para a Andrea... — Ele aguarda, olhando pela janela, mestre do seu universo, olhando do alto desse castelo no céu para os desprivilegiados lá embaixo. — Andrea...
Erguendo os olhos, ele me vê à porta. Um sorriso lento e sensual se abre naquele rosto encantador, e fico sem palavras, derretendo-me toda por dentro. Ele é, sem dúvida, o homem mais lindo do planeta, lindo demais para os desprivilegiados lá de baixo, lindo demais para mim. Ele é mais ou menos meu, por enquanto. A ideia me faz estremecer e dissipa minha insegurança irracional.
Ele continua a conversa, sem tirar os olhos de mim.
— Cancele minha agenda de hoje de manhã, mas mande o Bill me ligar. Estarei no escritório às duas. Preciso falar com o Marco hoje à tarde, isso vai levar pelo menos meia hora... Marque o Barney e a equipe dele depois do Marco, ou talvez amanhã, e arranje tempo para eu estar com o Claude todos os dias dessa semana... Diga a ele para esperar... Ah... Não, não quero publicidade por Darfur. Diga ao Sam para tratar disso... Não... Que evento?... Isso é sábado que vem?... Um momento.
— Quando você volta da Geórgia? — pergunta.
— Sexta-feira.
Ele continua a conversa telefônica.
— Vou precisar de mais uma passagem porque tenho uma namorada... Sim, Andrea, foi o que eu disse, uma namorada, a Srta. Anastasia Steele vai me acompanhar... É só isso.
Ele desliga.
— Bom dia, Srta. Steele.
— Sr. Grey. — Sorrio timidamente.
Ele dá a volta na mesa com aquela graça habitual e para à minha frente. Afaga delicadamente meu rosto com as costas dos dedos.
— Eu não quis acordá-la, você estava com uma expressão muito tranquila. Dormiu bem?
— Estou bem descansada, obrigada. Só vim dar bom-dia antes de tomar um banho.
Olho para ele, absorvendo-o. Ele se inclina e me dá um beijo delicado, e eu não resisto. Jogo os braços em volta de seu pescoço, e enrolo os dedos em seu cabelo ainda molhado. Encostando o corpo no dele, retribuo o beijo. Eu o quero. Meu ataque o pega de surpresa, mas logo depois ele responde, com um gemido gutural. Suas mãos deslizam pelo meu cabelo e pelas minhas costas abaixo para envolver minha bunda nua, e sua língua explora minha boca. Ele recua, os olhos velados.
— Parece que dormir lhe faz bem — murmura. — Sugiro que vá tomar seu banho, ou será que devo deitá-la na minha mesa agora?
— Escolho a mesa — digo temerária, sentindo uma onda de desejo como uma descarga de adrenalina, despertando tudo ao passar.
Ele me olha perplexo por uma fração de segundo.
— Você realmente está tomando gosto por isso, não é, Srta. Steele? Está ficando insaciável — murmura.
— Só estou tomando gosto por você — sussurro.
Os olhos dele se arregalam e ficam sombrios enquanto suas mãos apalpam minha bunda.
— É isso mesmo, só por mim — rosna e, de repente, com um único movimento fluido, limpa a mesa jogando tudo no chão, me pega nos braços e me deita na extremidade, de modo que minha cabeça quase ultrapassa a beirada.
— Se você quer, você vai ter — murmura, sacando um envelopinho de papel laminado do bolso e abrindo o zíper da calça. Ah, Sr. Escoteiro. Ele veste a camisinha no pênis ereto e olha para mim. — Espero que esteja pronta — sussurra, um sorriso lascivo no rosto. E, num instante, está me preenchendo, segurando meus pulsos com força de cada lado do meu corpo, e me penetrando fundo.
Gemo... ah, sim.
— Nossa, Ana. Você está prontíssima — elogia com veneração.
Enroscando as pernas na cintura dele, seguro-o do único jeito que posso já que ele está em pé, me olhando, os olhos cinzentos brilhando, apaixonado e possessivo. Ele começa a mexer, mexer para valer. Isso não é fazer amor, é foder — e estou adorando. Gemo. É muito primitivo, muito carnal, e me deixa excitadíssima. Sinto imenso prazer em ser possuída por ele, em ter meu desejo saciado pelo dele. Ele se move com desenvoltura, se deleitando comigo, se deliciando, os lábios entreabertos enquanto sua respiração se acelera. Mexe os quadris de um lado para o outro, e a sensação é deliciosa.
Fecho os olhos, sentindo aquele delicioso arrebatamento crescer lentamente. Levando-me para as alturas, lá para o castelo no ar. Ah, sim... o ataque dele aumenta ligeiramente. Gemo alto. Sou toda sensação... toda dele, aproveitando cada golpe, cada estocada que me preenche. Ele pega o ritmo, investindo mais depressa, com mais força... e meu corpo inteiro se mexe no ritmo dele, e sinto minhas pernas se retesarem, os estremecimentos internos e as contrações.
— Goze, baby, goze para mim — diz ele entre dentes, e o desejo ardente em sua voz, a tensão, levam-me ao clímax.
Grito sem palavras uma súplica apaixonada ao encostar no Sol e me queimar, caindo sob ele, caindo, voltando a um ápice intenso e claro na Terra. Ele me penetra e para bruscamente ao chegar ao clímax, puxando meus pulsos e depois desabando com graça e sem dizer uma palavra em cima de mim.
Nossa... essa foi inesperada. Lentamente, torno a me materializar na Terra.
— Que diabo você está fazendo comigo? — diz ele baixinho, esfregando o nariz no meu pescoço. — Você me seduz completamente, Ana. Você faz uma mágica poderosa.
Ele solta meus pulsos, e eu passo os dedos em seu cabelo, saindo do êxtase. Aperto as pernas em volta dele.
— Eu é que estou sendo seduzida — murmuro.
Ele olha para mim. Tem uma expressão desconcertada, até alarmada. Colocando as mãos em cada lado do meu rosto, imobiliza minha cabeça.
— Você. É. Minha — diz, cada palavra um staccato. — Entendeu?
Ele está muito sério, muito apaixonado — um maníaco. A força do seu pedido é muito inesperada e irresistível. Pergunto-me por que ele está se sentindo assim.
— Sim, sua — murmuro, perturbada com seu ardor.
— Tem certeza que tem que ir à Geórgia?
Balanço a cabeça, lentamente assentindo. E, neste breve momento, vejo sua expressão mudar, e as venezianas descerem. Ele sai de mim bruscamente, fazendo-me contrair o rosto.
— Está dolorida? — pergunta, debruçando-se em cima de mim.
— Um pouco — confesso.
— Gosto de você dolorida. — Seus olhos ardem. — Me faz lembrar onde eu estive, e só eu.
Ele pega meu queixo e me beija com violência, depois se levanta e estende a mão para me ajudar a descer da mesa. Olho para a embalagem de papel laminado a meu lado.
— Sempre preparado — digo.
Ele me olha confuso ao fechar a braguilha. Seguro o invólucro vazio.
— Um homem pode ter esperança, Anastasia, até sonhar, e às vezes nossos sonhos se realizam.
Ele parece muito estranho, os olhos ardentes. Simplesmente não entendo. Meu arrebatamento pós-coito está esvaindo-se depressa. Qual é o problema dele?
— Então, na sua mesa, isso foi um sonho? — pergunto secamente, tentando usar o humor para tornar mais leve o clima entre nós.
Ele dá um sorriso enigmático que não chega a seus olhos, e sei imediatamente que não é a primeira vez que ele fez sexo na mesa de trabalho. É um pensamento inoportuno. Contorço-me desconfortável enquanto meu êxtase desaparece.
— Seria melhor eu ir tomar um banho. — Levanto-me e passo por ele.
Ele franze a testa e passa a mão no cabelo.
— Tenho que dar mais uns telefonemas. Vou tomar café com você quando sair do banho. Acho que a Sra. Jones lavou suas roupas de ontem. Elas estão no armário.
O quê? Quando é que ela fez isso? Droga, será que ela nos ouviu? Enrubesço.
— Obrigada — murmuro.
— Não há de quê — retruca ele maquinalmente, mas sua voz está estranha.
Não estou dizendo obrigada pela trepada. Embora tenha sido muito...
— O que foi? — pergunta ele, e me dou conta de que estou de cara fechada.
— Qual é o problema? — pergunto com doçura.
— Como assim?
— Bem... você está mais estranho que o normal.
— Você me acha estranho? — Ele tenta conter um sorriso.
— Às vezes.
Ele me olha um instante, curioso.
— Como sempre, estou surpreso com você, Srta. Steele.
— Surpreso como?
— Vamos nos limitar a dizer que isso foi um presente inesperado.
— Nosso objetivo é satisfazer, Sr. Grey. — Inclino a cabeça como ele sempre faz e devolvo as palavras a ele.
— E você satisfaz, você me satisfaz — diz ele, mas parece inquieto. — Pensei que estivesse indo tomar banho.
Ah, ele está me mandando embora.
— Sim... hã, até já.
Saio depressa da sala, completamente pasma.
Ele parecia confuso. Por quê? Devo dizer que, em termos de experiência física, essa foi muito satisfatória. Mas, emocionalmente — bem, estou desconcertada com a reação dele, e isso foi tão enriquecedor emocionalmente quanto algodão doce é nutritivo.
A Sra. Jones ainda está na cozinha.
— Quer seu chá agora, Srta. Steele?
— Vou tomar um banho primeiro — resmungo e saio correndo dali com meu rosto em chamas.
No chuveiro, tento imaginar o que há de errado com Christian. Ele é a pessoa mais complicada que conheço, e não entendo seu humor instável. Parecia bem quando entrei no escritório. Transamos... e ele já não estava mais ali. Não, eu não entendo. Olho para meu inconsciente. Ele está assobiando com as mãos atrás das costas, olhando para tudo menos para mim. Ele nem faz ideia, e minha deusa interior ainda está curtindo um resto de ardor pós-coito. É... estamos todos sem saber de nada.
Seco o cabelo com a toalha, penteio-o com o único instrumento capilar de Christian, e faço um coque. O vestido cor de ameixa de Kate está lavado e passado, pendurado no armário com meu sutiã e minha calcinha limpos. A Sra. Jones é uma maravilha. Calço os sapatos de Kate, endireito o vestido, respiro fundo e volto para a sala.
Christian sumiu, e a Sra. Jones está conferindo o conteúdo da despensa.
— O chá agora, Srta. Steele? — pergunta.
— Por favor.
Sorrio para ela. Sinto-me ligeiramente mais confiante agora que estou vestida.
— Gostaria de comer alguma coisa?
— Não, obrigada.
— Claro que você vai comer alguma coisa — diz Christian bruscamente, com um olhar furioso. — Ela gosta de panqueca, ovos e bacon, Sra. Jones.
— Sim, Sr. Grey. E o que o senhor vai querer?
— Uma omelete, por favor, e frutas. — Ele não tira os olhos de mim, com uma expressão misteriosa. — Sente-se — ordena, apontando para um dos bancos do balcão.
Obedeço, e ele se senta ao meu lado, enquanto a Sra. Jones se ocupa do café da manhã. Nossa, é desagradável ter outra pessoa ouvindo nossa conversa.
— Já comprou sua passagem aérea?
— Não, vou comprar quando chegar em casa, pela internet.
Ele se apoia nos cotovelos, esfregando o queixo.
— Tem dinheiro?
Ah, não.
— Tenho — digo, fingindo paciência como se estivesse falando com uma criancinha.
Ele me lança um olhar de censura. Merda.
— Tenho, sim, obrigada — emendo rapidamente.
— Eu tenho um jato. Não está programado para ser usado nos próximos três dias. Está à sua disposição.
Olho boquiaberta para ele. Claro que ele tem um jato, e preciso resistir à propensão natural do meu corpo de revirar os olhos para ele. Tenho vontade de rir. Mas não rio, já que não consigo interpretar seu estado de espírito.
— Já abusamos seriamente da frota aérea da sua companhia. Eu não gostaria de fazer isso de novo.
— É minha companhia, é meu jato.
Ele parece quase magoado. Ah, os garotos e seus brinquedos!
— Obrigada pela oferta. Mas eu ficaria mais feliz pegando um voo regular.
Ele dá a impressão de querer discutir mais, porém decide não fazê-lo.
— Como quiser. — Suspira. — Tem que se preparar muito para sua entrevista?
— Não.
— Ótimo. Não vai me contar mesmo para quais editoras?
— Não.
Ele esboça um sorriso relutante.
— Sou um homem de posses, Srta. Steele.
— Estou perfeitamente ciente disso, Sr. Grey. Vai grampear meu telefone? — pergunto inocentemente.
— Na verdade, como estarei bastante ocupado hoje à tarde, mandarei outra pessoa fazer isso. — Ele dá uma risadinha.
Será que está brincando?
— Se tem uma pessoa sobrando para fazer isso, obviamente tem excesso de funcionários.
— Vou mandar um e-mail para a chefe de recursos humanos e mandá-la fazer a contagem dos funcionários. — Ele contrai os lábios para disfarçar o sorriso.
Ah, graças a Deus, ele recuperou o senso de humor.
A Sra. Jones nos serve o café da manhã e comemos em silêncio por alguns minutos. Após lavar as panelas, ela discretamente se retira. Olho para ele.
— O que foi, Anastasia?
— Sabe, você não me contou por que não gosta de ser tocado.
Ele fica lívido, e sua reação faz com que eu me sinta culpada por ter perguntado.
— Já contei mais coisas a você do que a qualquer outra pessoa.
Ele fala com calma e me olha impassível.
E fica óbvio para mim que ele nunca se abriu com ninguém. Será que não tem nenhum amigo íntimo? Talvez tenha contado a Mrs. Robinson. Quero perguntar a ele, mas não posso. Não posso ser tão invasiva. Balanço a cabeça ao me dar conta disso. Ele realmente é uma ilha.
— Vai pensar em nosso acordo enquanto estiver fora? — pergunta.
— Vou.
— Vai sentir minha falta?
Olho para ele, surpresa com a pergunta.
— Vou — respondo sinceramente.
Como ele pode significar tanto para mim em tão pouco tempo? Ele realmente mexe comigo... literalmente. Ele sorri, e seus olhos se iluminam.
— Também vou sentir sua falta. Mais do que você imagina — murmura.
Essas palavras aquecem meu coração. Christian realmente está se esforçando. Acaricia meu rosto, inclina-se e me dá um beijo doce.
z
É fim de tarde, estou nervosa e agitada sentada no saguão, esperando pelo Sr. J. Hyde da Seattle Independent Publishing. É minha segunda entrevista de hoje, e a que me deixou mais ansiosa. A minha primeira foi boa, mas era para um conglomerado maior, com filiais por todos os Estados Unidos, e eu seria uma das muitas assistentes editoriais ali. Posso imaginar ser engolida e cuspida bem depressa em uma máquina corporativa dessas. A SIP é onde quero estar. É pequena e pouco convencional, promove autores locais, e tem uma lista de clientes interessante e original.
O ambiente que me cerca é despojado, mas acho que esse despojamento é antes uma declaração de estilo do que um sinal de frugalidade. Estou sentada em um dos dois sofás de couro verde-escuro estilo Chesterfield — parecidos com o sofá que Christian tem no quarto de jogos. Acaricio o couro com aprovação e me pergunto o que Christian faz naquele sofá. Minha mente divaga enquanto penso nas possibilidades... não. Não posso entrar nessa agora. Coro diante dos meus pensamentos rebeldes e impróprios. A recepcionista é uma jovem negra com enormes brincos de prata e cabelos compridos alisados. Tem um visual boêmio, o tipo da mulher de quem eu poderia ser amiga. A ideia é tranquilizadora. De vez em quando, ela tira os olhos do computador, olha para mim e me dá um sorriso tranquilizador. Timidamente, sorrio de volta.
Meu voo está reservado, minha mãe está no sétimo céu com minha visita, estou de malas prontas e Kate concordou em me levar de carro ao aeroporto. Christian ordenou que eu levasse o BlackBerry e o Mac. Reviro os olhos ao me lembrar daquele seu autoritarismo despótico, mas vejo agora que este é simplesmente o jeito dele. Ele gosta de controlar tudo, inclusive a mim. No entanto, também é muito imprevisível, agradável e irresistível. Pode ser gentil, bem-humorado, até meigo. E quando demonstra essas qualidades, faz isso de forma inesperada e repentina. Insistiu em me acompanhar até meu carro na garagem. Minha nossa, só vou passar uns dias fora e ele está agindo como se eu fosse passar semanas. Ele sempre me pega desprevenida.
— Ana Steele?
Uma mulher de longos cabelos negros ondulados parada na recepção me distrai da minha introspecção. Ela tem o mesmo visual boêmio da recepcionista. Deve ter uns trinta e muitos ou uns quarenta e poucos anos. É muito difícil saber a idade de mulheres mais velhas.
— Sim — respondo, levantando-me desajeitada.
Ela me lança um sorriso educado, avaliando-me com seus olhos frios cor de avelã. Estou usando uma roupa de Kate, uma jardineira preta sobre uma blusa branca, e meus escarpins pretos. Estilo entrevista, acho eu. Meu cabelo está contido num coque apertado, e, pela primeira vez, os cachinhos estão comportados. Ela me estende a mão.
— Olá, Ana, meu nome é Elizabeth Morgan. Sou a gerente de recursos humanos aqui da SIP.
— Como vai? — Aperto a mão dela. Parece muito descontraída para ser a gerente do RH.
— Acompanhe-me, por favor.
Entramos pelas portas duplas atrás da área da recepção numa ampla sala sem divisórias com decoração alegre, e dali nos dirigimos a uma pequena sala de reuniões. As paredes são verde-claras, cobertas de capas de livros. Sentado à cabeceira da mesa de conferência de madeira há um homem ruivo de rabo de cavalo. Pequenas argolas de prata brilham em suas duas orelhas. Ele está com uma camisa azul-clara, sem gravata, e calças de brim desbotadas. Quando me aproximo, levanta-se e me olha com misteriosos olhos azul-escuros.
— Ana Steele, sou Jack Hyde, o editor de aquisições aqui na SIP, e é um grande prazer conhecê-la.
Cumprimentamo-nos, e sua expressão é misteriosa, embora bastante simpática.
— Você mora longe? — pergunta amavelmente.
— Não, acabei de me mudar para a área do Pike Street Market.
— Ah, então mora pertinho. Por favor, sente-se.
Sento-me, e Elizabeth se senta ao lado dele.
— Então, porque gostaria de estagiar aqui conosco na SIP, Ana? — pergunta.
Diz meu nome com doçura, e inclina a cabeça, como uma pessoa que conheço — é aflitivo. Fazendo o possível para ignorar a cautela irracional que ele me inspira, começo meu discurso cuidadosamente preparado, consciente do rubor que se espalha por minhas bochechas. Olho para os dois, lembrando-me da aula de Técnica da Entrevista Bem-Sucedida de Katherine Kavanagh. Mantenha contato visual, Ana! Nossa, Kate também pode ser mandona, às vezes. Jack e Elizabeth ouvem com atenção.
— Você tem um CR muito impressionante. A que atividades extracurriculares você se entregava na WSU?
Entregava? Pisco para ele. Que escolha de palavras estranha. Começo a entrar nos detalhes da minha atividade de bibliotecária na biblioteca central do campus e da minha única experiência de entrevistar um déspota podre de rico para o jornal da faculdade. Toco de passagem no fato de que não escrevi verdadeiramente o artigo. Menciono as duas sociedades literárias a que pertenci e concluo com meu trabalho na Clayton's e todo o conhecimento inútil que agora possuo sobre ferragens e bricolagem. Os dois riem, o que é a reação pela qual eu torcia. Lentamente, relaxo e começo a aproveitar.
Jack Hyde faz perguntas agudas e inteligentes, mas não me atrapalho — acompanho o ritmo, e quando discutimos minhas preferências de leitura e meus livros favoritos, acho que me saio bem. Jack, por outro lado, parece só gostar da literatura Americana de 1950 em diante. Nada mais. Nada de clássicos — nem mesmo Henry James nem Upton Sinclair nem F. Scott Fitzgerald. Elizabeth não diz nada, só acena com a cabeça de vez em quando e toma notas. Jack, embora goste de discutir, é encantador a seu modo, e quanto mais ele fala, mais minha desconfiança inicial se dissipa.
— E onde você se vê daqui a cinco anos? — pergunta.
Com Christian Grey, a ideia me vem instintivamente à cabeça. Minha mente errática me faz franzir as sobrancelhas.
— Editora de textos, talvez? Quem sabe trabalhando como agente literária, não sei ao certo. Estou aberta a oportunidades.
Ele ri.
— Muito bem, Ana. Não tenho mais perguntas. Quer perguntar alguma coisa? — ele dirige a palavra a mim.
— Quando gostaria que a pessoa começasse? — pergunto.
— Tão logo possível — diz Elizabeth alto e bom som. — Quando você poderia começar?
— Estou disponível a partir da semana que vem.
— É bom saber disso — diz Jack.
— Se ninguém tiver mais nada a dizer — Elizabeth olha para nós dois —, acho que isso encerra a entrevista.
Ela sorri com simpatia.
— Foi um prazer conhecê-la, Ana — diz Jack com gentileza apertando minha mão, e eu pestanejo olhando para ele ao me despedir.
Vou para o carro me sentindo inquieta sem saber por quê. Acho que a entrevista correu bem, mas é muito difícil dizer. As entrevistas parecem situações muito artificiais. Todo mundo agindo da melhor maneira que pode, tentando desesperadamente se esconder por trás de uma fachada profissional. Será que minha postura foi apropriada? Vou ter que esperar para ver.
Entro no meu Audi A3 e volto para casa, mas sem pressa. Meu voo é o último do dia, com escala em Atlanta, e só embarco às dez e vinte e cinco, de modo que tenho muito tempo.
Kate está desembalando caixas na cozinha quando volto.
— Como foram as entrevistas? — pergunta, empolgada.
Só Kate pode ficar deslumbrante com uma camisa de um tamanho bem acima do dela, calça jeans esfarrapada e uma bandana azul-marinho.
— Bem, obrigada, Kate. Não sei se essa roupa estava suficientemente descolada para a segunda entrevista.
— Hã?
— Um visual boho chic talvez tivesse resolvido.
Kate ergue uma sobrancelha.
— Você e seu boho chic. — Ela inclina a cabeça de lado — Ai! Por que todo mundo está me lembrando do meu Cinquenta Tons preferido? — Na verdade, Ana, você é uma das poucas pessoas que poderiam usar este visual.
Sorrio.
— Eu realmente gostei do segundo lugar. Acho que poderia me encaixar ali. O sujeito que me entrevistou era enervante, mas...
Deixo a frase no ar — merda, estou falando aqui com a Kavanagh Megafone. Cala a boca, Ana!
— Ah?
O radar Katherine Kavanagh para uma informação apetitosa entra em ação — uma informação que só virá à tona em algum momento inoportuno e constrangedor, o que me lembra alguma coisa.
— Por falar nisso, quer fazer o favor de parar de provocar Christian? Seu comentário sobre José ontem à noite foi descabido. Christian é um cara ciumento. Isso não leva a nada, você sabe.
— Olha, se ele não fosse irmão do Elliot, eu diria coisa muito pior. Ele é um verdadeiro maníaco por controle. Não sei como você aguenta. Eu estava tentando provocar ciúmes nele, dar uma mãozinha para ele resolver os tais problemas de compromisso. — Ela levanta as mãos na defensiva. — Mas se você não quer que eu me meta, não me meto — diz ela precipitadamente diante da minha cara fechada.
— Ótimo. A vida com o Christian já é suficientemente complicada, pode acreditar.
Putz, estou falando igual a ele.
— Ana. — Ela faz uma pausa, olhando para mim. — Você está bem, não está? Não está indo para a casa da sua mãe para fugir?
Enrubesço.
— Não, Kate. Foi você que disse que eu precisava de descanso.
Ela reduz a distância entre nós e pega minha mão — um gesto nada típico dela. Ah não... as lágrimas ameaçam correr.
— Você está, sei lá... diferente. Espero que esteja bem, e sejam quais forem os problemas que esteja tendo com o Sr. Ricaço, pode falar comigo. E vou tentar não provocá-lo, embora, francamente, provocá-lo seja a coisa mais fácil do mundo. Olha, Ana, se há algum problema, me conte, não vou julgar. Vou tentar entender.
Contenho as lágrimas.
— Ah, Kate. — Dou um abraço apertado nela. — Estou começando a achar que realmente me apaixonei por ele.
— Ana, qualquer um pode ver isso. E ele se apaixonou por você. Ele está louco por você. Não consegue desgrudar os olhos.
Rio, insegura.
— Você acha?
— Ele não disse?
— Não com tantas palavras.
— Você disse a ele?
— Não com tantas palavras.
Dou de ombros como quem pede desculpas.
— Ana! Alguém tem que dar o primeiro passo, do contrário vocês não vão a lugar nenhum.
Mas... dizer a ele como eu me sinto?
— Tenho medo de que ele se assuste com isso e fuja.
— E como sabe que ele não está sentindo a mesma coisa?
— Christian, assustado? Não consigo imaginá-lo assustado com nada.
Ao dizer isso, imagino-o quando criança. Vai ver que, naquela época, o temor era o único sentimento que ele conhecia. Essa ideia me deixa com o coração apertado.
— Vocês dois precisam sentar e conversar.
— A gente não anda conversando muito ultimamente.
Enrubesço. Temos feito outras coisas. Comunicação não verbal, e isso é bom. Bem, muito mais que bom. Ela sorri.
— Mas estão transando! Se isso está indo bem, então é meio caminho andado, Ana. Vou comprar comida chinesa. Está pronta para partir?
— Quase. Só temos que sair daqui a umas duas horas mais ou menos.
— Volto em vinte minutos.
Ela pega o casaco e sai, esquecendo de fechar a porta, que bato depois que ela passa. Vou para o quarto, ruminando as palavras dela.
Será que Christian tem medo do que sente por mim? Será que chega a sentir algo por mim? Ele parece muito interessado, diz que sou dele, mas isso simplesmente faz parte daquele seu eu Dominador maníaco por controle que precisa ter tudo que deseja, com certeza. Percebo que, enquanto estiver fora, terei que recapitular todas as nossas conversas e ver se consigo identificar sinais reveladores.
Também vou sentir sua falta... mais do que você imagina...
Você me seduziu totalmente.
Balanço a cabeça. Não quero pensar nisso agora. Deixei o BlackBerry carregando, e, portanto, não o tive comigo a tarde inteira. Aproximo-me dele com cautela e fico desapontada por não encontrar nenhuma mensagem. Ligo a máquina do mal, e também não encontro nada ali. É o mesmo endereço de e-mail, Ana — meu inconsciente revira os olhos para mim, e, pela primeira vez, entendo por que Christian quer me bater quando faço isso.
Tudo bem. Bom, vou escrever para ele.
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De: Anastasia Steele
Assunto: Entrevistas
Data: 30 de maio de 2011 18:49
Para: Christian Grey
Prezado Senhor,
Minhas entrevistas de hoje correram bem.
Pensei que poderia se interessar.
Como foi o seu dia?
Ana
Sento-me e fico olhando para a tela. As respostas de Christian em geral são instantâneas. Espero... e espero, e, finalmente, ouço o ruído bem-vindo da minha caixa de entrada.
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De: Christian Grey
Assunto: Meu dia
Data: 30 de maio de 2011 19:03
Para: Anastasia Steele
Prezada Srta. Steele,
Tudo o que você faz me interessa. Você é a mulher mais fascinante que conheço.
Gostei de saber que suas entrevistas correram bem.
Minha manhã superou todas as expectativas.
Em comparação, minha tarde foi muito aborrecida.
Christian Grey
CEO, Grey Enterprises Holdings, Inc.
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De: Anastasia Steele
Assunto: Manhã ótima
Data: 30 de maio de 2011 19:05
Para: Christian Grey
Prezado Senhor,
A manhã foi exemplar para mim, também, embora eu tenha me assustado com sua atitude depois do impecável sexo na mesa. Não pense que não reparei.
Agradeço pelo café da manhã. Ao senhor ou à Sra. Jones.
Eu gostaria de lhe fazer umas perguntas sobre ela — sem que o senhor volte a ficar esquisitérrimo.
Ana.
Meu dedo paira sobre o botão “enviar”, e o fato de que amanhã a essa hora estarei do outro lado do país me tranquiliza.
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De: Christian Grey
Assunto: O mercado editorial e você?
Data: 30 de maio de 2011 19:10
Para: Anastasia Steele
Anastasia,
“Esquisitérrimo” não é uma expressão que deva ser usada por alguém que queira entrar no mercado editorial. Impecável? Comparado a quê? Esclareça, por favor. E o que precisa perguntar sobre a Sra. Jones? Estou intrigado.
Christian Grey
CEO, Grey Enterprises Holdings, Inc.
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De: Anastasia Steele
Assunto: Você e a Sra. Jones
Data: 30 de maio de 2011 19:17
Para: Christian Grey
Prezado Senhor,
A língua é dinâmica e evolui. Trata-se de uma coisa orgânica. Não está presa em uma torre de marfim com um heliporto no teto e dominando quase toda Seattle, cheia de obras de arte caras penduradas nas paredes.
Impecável em comparação com as outras vezes em que... qual é sua palavra... ah, sim... fodemos. Na verdade a foda foi impecável, ponto, em minha humilde opinião. Mas, como sabe, minha experiência é muito limitada.
A Sra. Jones é uma ex-sub sua?
Ana
Meu dedo paira mais uma vez sobre o botão “enviar”, e aperto-o.
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De: Christian Grey
Assunto: Língua. Cuidado com o que fala!
Data: 30 de maio de 2011 19:22
Para: Anastasia Steele
Anastasia,
A Sra. Jones é uma funcionária valiosa. Nunca tive qualquer relação com ela além da profissional. Não emprego ninguém com quem eu tenha tido relações sexuais. Fico chocado que você pense isso. A única pessoa para quem eu abriria uma exceção é você — porque é uma moça inteligente com extraordinárias habilidades de negociação. Contudo, se continuar a usar tal palavreado, posso reconsiderar admiti-la aqui. Ainda bem que tem experiência limitada. Sua experiência continuará sendo limitada — só para mim. Considerarei impecável um elogio, embora, com você, eu nunca tenha certeza se isso é o que quer dizer ou se sua ironia levou a melhor — como sempre.
Christian Grey
CEO, Grey Enterprises Holdings, Inc., de sua Torre de Marfim.
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De: Anastasia Steele
Assunto: Nem por todo o chá da China
Data: 30 de maio de 2011 19:27
Para: Christian Grey
Prezado Sr. Grey,
Acho que já manifestei minhas reservas quanto a trabalhar em sua empresa. Minha opinião em relação a isso não mudou, não está mudando nem mudará nunca. Tenho que deixá-lo, pois Kate já voltou com a comida. Minha ironia e eu lhe desejamos uma boa noite.
Entrarei em contato com o senhor quando chegar à Geórgia.
Ana
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De: Christian Grey
Assunto: Nem o chá Twinings English Breakfast?
Data: 30 de maio de 2011 19:29
Para: Anastasia Steele
Boa noite, Anastasia.
Espero que você e sua ironia façam uma boa viagem.
Christian Grey
CEO, Grey Enterprises Holdings, Inc.
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Kate e eu paramos em frente à área de desembarque do terminal do Aeroporto Sea-Tac. Ela me dá um abraço.
— Aproveite Barbados, Kate. Ótimas férias para você.
— Até a volta. Não deixe o velho ricaço consumi-la.
— Não vou deixar.
Tornamos a nos abraçar — e então fico sozinha. Dirijo-me ao check-in e fico na fila, esperando com minha bagagem de mão. Não me preocupei com mala, só trouxe a mochila que Ray me deu em meu último aniversário.
— A passagem, por favor.
O jovem entediado atrás do balcão estende a mão sem me olhar.
Espelhando seu tédio, entrego a passagem e minha carteira de motorista como identificação. Estou torcendo por um lugar na janela se for possível.
— Tudo bem, Srta. Steele. A senhora teve um upgrade para a primeira classe.
— O quê?
— Se a senhora quiser ir para a sala da primeira classe e aguardar lá o voo...
Parece que ele acordou e está sorrindo para mim como se eu fosse o Papai Noel ou o Coelhinho da Páscoa.
— Com certeza há algum engano.
— Não, não. — Ele torna a olhar a tela do computador. — Anastasia Steele: upgrade. Ele dá um sorriso forçado.
Epa. Aperto os olhos. Ele me entrega o cartão de embarque, e me dirijo à sala da primeira classe resmungando baixinho. Maldito Christian Grey, maníaco por controle intrometido — ele simplesmente não consegue deixar ninguém em paz.