CAPÍTULO DEZOITO

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Eu me mexo, abrindo os olhos para uma clara manhã de setembro. Quente e confortável sob lençóis novos e limpos, levo um tempo para me orientar e me surpreendo com uma sensação de déjà vu. É claro, estou no Heathman.

— Merda! Meu pai! — exclamo alto, e, sentindo uma crise de aflição que faz meu coração se apertar e começar a bater acelerado, recordo o motivo que me trouxe a Portland.

— Ei. — Christian está sentado na beira da cama. Ele afaga minha face com os nós dos dedos, o que me acalma instantaneamente. — Liguei para a UTI agora de manhã. Ray passou bem a noite. Está tudo certo — diz ele, para me tranquilizar.

— Ah, que bom. Obrigada — murmuro, me sentando.

Ele se inclina e pressiona os lábios contra a minha testa.

— Bom dia, Ana — sussurra, e beija minha têmpora.

— Oi — murmuro.

Ele já está desperto e vestido com camiseta preta e calça jeans.

— Oi — responde ele, os olhos cheios de suavidade e afeto. — Queria desejar um feliz aniversário. Posso?

Esboço um sorriso e acaricio seu rosto.

— Sim, claro. Obrigada. Por tudo.

Ele franze a testa.

— Tudo?

— Tudo.

Por um instante ele parece confuso, mas passa rápido, e então seus olhos se arregalam, ansiosos.

— Aqui.

Ele me entrega uma caixinha delicadamente embalada, com um pequenino cartão de presente.

Apesar da aflição que sinto por causa de meu pai, posso perceber a ansiedade e a empolgação de Christian — e é contagioso. Leio o cartão.

Por todas as nossas primeiras vezes, no seu primeiro aniversário


como minha amada esposa.


Amo você


Bj,


C.

Ah, meu Deus, tem coisa mais fofa?

— Também amo você — murmuro, sorrindo para ele.

Ele sorri de volta.

— Abra.

Desembrulho o papel com cuidado para não rasgar e encontro uma linda caixa de couro vermelho. Cartier. A embalagem já me é familiar, graças ao relógio e aos brincos que ele me deu ao pedir uma segunda chance. Abro a caixa cautelosamente. Dentro, há uma pulseira de pingentes, feita de prata, platina ou ouro branco — não sei dizer, mas é simplesmente linda. Possui vários pingentes: a Torre Eiffel; um táxi preto de Londres; um helicóptero — o Charlie Tango; um planador, um catamarã — The Grace; uma cama; e uma casquinha de sorvete? Olho para ele, intrigada.

— Baunilha?

Ele dá de ombros como se pedisse desculpas, e não consigo deixar de dar uma risada. É óbvio.

— Christian, é maravilhosa. Obrigada. É yar.

Ele abre um sorriso.

O que eu mais gostei foi do coração. É um relicário.

— Você pode colocar uma foto ou o que quiser.

— Uma foto sua. — Ergo os olhos para ele. — Em meu coração para todo o sempre.

Ele sorri, seu belo e tímido sorriso de cortar o coração.

Acaricio os dois últimos pingentes: uma letra C — ah, sim, eu fui a única namorada a usar seu primeiro nome. Sorrio ao pensar nisso. E, finalmente, uma chave.

— Do meu coração e da minha alma — sussurra ele.

Meus olhos ficam marejados. Eu me jogo em seus braços, me enroscando no pescoço dele e me sentando em seu colo.

— É um presente tão atencioso… Adorei. Muito obrigada — murmuro no ouvido dele.

Ah, ele está tão cheiroso — um cheiro de limpeza, de linho puro, de sabonete e de Christian. Como um lar, o meu lar. As lágrimas que ameaçavam cair afinal rolam pelo meu rosto.

Ele emite um som baixo e rouco e me aperta em seu abraço.

— Não sei o que eu faria sem você. — Minha voz falha, pois tento conter uma esmagadora onda de emoções.

Ele engole em seco e me abraça ainda mais apertado.

— Por favor, não chore.

Dou uma fungada nada educada para uma moça.

— Desculpe. É que eu estou tão feliz e triste e nervosa, tudo ao mesmo tempo. É um doce amargo.

— Ei. — Sua voz é leve como uma pluma. Erguendo meu queixo, ele me dá um selinho. — Eu entendo.

— Eu sei — murmuro, e recebo em troca o seu sorriso tímido.

— Queria que estivéssemos em circunstâncias mais felizes e em casa. Mas estamos aqui. — Ele dá de ombros mais uma vez, à guisa de desculpas. — Venha, levante-se. Depois do café, vamos ver como está o Ray.

* * *

DEPOIS DE VESTIR a camiseta e a calça jeans novas, afinal meu apetite faz uma aparição, breve mas bem-vinda, durante o café da manhã na suíte. Sei que Christian fica contente de me ver comer granola com iogurte grego.

— Obrigada por pedir meu café da manhã preferido.

— É seu aniversário — diz ele docemente. — E você tem que parar de ficar me agradecendo. — Ele revira os olhos em irritação, mas de uma maneira afetuosa, eu acho.

— Só quero que você saiba que me agrada.

— Anastasia, é essa a minha função.

A expressão em seu rosto é séria — é claro, Christian no comando e no controle. Como pude esquecer… Será que eu ia gostar dele se fosse diferente?

— É verdade. — Sorrio.

Ele me lança um olhar intrigado, mas depois balança a cabeça.

— Vamos?

— Só vou escovar os dentes.

— Tudo bem. — E ele abre um sorriso irônico.

Por que a ironia? Essa ideia persiste em minha cabeça enquanto me dirijo para o banheiro. Uma recordação surge repentina em minha mente. Eu usei a escova de dentes dele depois da primeira noite que passamos juntos. Também sorrio ironicamente e pego a escova dele em homenagem àquela primeira vez. Ao me olhar escovando os dentes, percebo que estou pálida, muito pálida. Se bem que eu estou sempre pálida. Da última vez que estive aqui, eu era solteira, e agora estou casada, aos vinte e dois anos! Estou ficando velha. Cuspo a pasta de dente.

Levanto o punho e balanço: os penduricalhos da pulseira produzem um chacoalhar gostoso. Como o meu doce Christian consegue sempre saber exatamente a coisa certa para me dar de presente? Respiro fundo, tentando abafar as emoções ainda presentes em meu organismo, e admiro a pulseira mais uma vez. Aposto que custou uma fortuna. Ah… bem. Ele tem dinheiro para isso.

Quando nos dirigimos para o elevador, Christian pega minha mão e beija os nós dos dedos, seu polegar roçando o Charlie Tango na minha pulseira.

— Você gostou?

— Gostar é pouco. Eu adorei. Adorei mesmo. Assim como eu adoro você.

Ele sorri e beija os nós dos meus dedos novamente. Sinto-me mais leve do que ontem. Talvez por ser de manhã, quando o mundo sempre parece mais promissor do que no meio da noite. Ou talvez seja o doce despertar providenciado pelo meu marido. Ou então por saber que Ray não piorou.

Quando entramos no elevador vazio, ergo os olhos para Christian por um momento. Ele rapidamente encontra meu olhar e sorri daquele jeito meio irônico novamente.

— Não faça isso — sussurra ele quando as portas se fecham.

— Isso o quê?

— Não me olhe assim.

— Foda-se a papelada — balbucio, sorrindo.

Ele ri, um som despreocupado e infantil. Depois me puxa para seus braços e ergue meu queixo.

— Um dia vou alugar este elevador por uma tarde inteira.

— Só pela tarde? — Levanto a sobrancelha.

— Sra. Grey, mas que ambiciosa.

— Quando se trata de você, sou mesmo.

— Fico muito feliz em ouvir isso. — Ele me beija suavemente.

E não sei se é porque estamos neste elevador ou porque ele não me tocou nas últimas vinte e quatro horas ou apenas porque ele é meu inebriante marido, mas o desejo se solta e se instala preguiçosamente no meu ventre. Passo os dedos pelo cabelo dele e intensifico o beijo, empurrando-o contra a parede e pressionando meu corpo contra o dele.

Ele geme, sua boca ainda na minha, e segura minha cabeça, me embalando enquanto nos beijamos — um beijo de verdade, nossas línguas explorando um território tão conhecido e ao mesmo tempo novo e excitante que é a boca do outro. Minha deusa interior entra em êxtase, trazendo minha libido de volta. Acaricio seu rosto tão querido, em minhas mãos.

— Ana — sussurra ele.

— Eu amo você, Christian Grey. Nunca se esqueça disso — sussurro, fitando seus olhos cinza cada vez mais escuros.

O elevador para suavemente e as portas se abrem.

— Vamos lá visitar seu pai antes que eu decida alugar esse elevador hoje mesmo.

Ele me beija rapidamente, pega minha mão e me conduz até a entrada.

Quando passamos pela recepção, Christian faz um discreto sinal para o amável senhor de meia-idade atrás do balcão. Ele aquiesce e pega o telefone. Fito Christian com ar inquisidor e ele me responde com um sorriso cheio de segredos. Franzo a testa, e, por um instante, ele aparenta nervosismo.

— Cadê o Taylor? — pergunto.

— Ele deve chegar daqui a pouco.

É óbvio, provavelmente está pegando o carro.

— E o Sawyer?

— Resolvendo uns assuntos.

Que assuntos?

Christian evita a porta giratória, e sei que é para não ter que soltar minha mão. Isso aquece meu coração. Lá fora está uma agradável manhã de final de verão, mas o aroma do outono vindouro paira na brisa do ar. Olho em volta, procurando o Audi SUV e Taylor. Nenhum sinal dos dois. Christian aperta minha mão ainda mais, e eu olho para ele. Parece ansioso.

— O que foi?

Ele dá de ombros. O barulho do motor de um automóvel que se aproxima me distrai. É um ronco… e familiar. Quando me volto para procurar de onde vem o barulho, ele cessa repentinamente. Taylor está saindo de um carro esportivo branco e lustroso estacionado na nossa frente.

Ah, merda! É um R8. Viro bruscamente a cabeça para Christian, que me examina com um olhar cauteloso. “Você pode me dar um de aniversário… branco, acho.”

— Feliz aniversário — diz ele, e sei que está avaliando minha reação. Fico boquiaberta, pois é o máximo que consigo fazer. Ele estende uma chave para mim.

— Agora você passou totalmente dos limites — murmuro.

Ele me deu um Audi R8! Puta merda. Exatamente como eu pedi! Meu rosto se abre num sorriso enorme, e dou pulinhos sem sair do lugar, sem conseguir esconder ou refrear minha superempolgação. A expressão de Christian reflete a minha, e eu avanço dançando até cair em seus braços. Ele me gira no ar.

— Você tem mais dinheiro do que bom senso! — grito de alegria. — Adorei! Obrigada mesmo!

Ele para e subitamente me inclina para baixo, o que me assusta e me obriga a agarrar seus braços.

— Tudo para você, Sra. Grey. — Ele abre um grande sorriso. Minha nossa. Que grande demonstração pública de amor. E me beija. — Venha. Vamos ver seu pai.

— Claro. Posso dirigir?

Ele ri.

— Pode. É seu.

Ele me levanta e me solta. Corro para o lado do motorista.

Taylor abre a porta para mim, com um grande sorriso.

— Feliz aniversário, Sra. Grey.

— Obrigada, Taylor.

Eu o surpreendo ao lhe dar um rápido abraço, que ele retribui meio sem graça. Ainda há rubor em seu rosto quando entro no carro e ele fecha a porta assim que me instalo no banco.

— Dirija com cuidado, Sra. Grey — diz, todo bronco. Olho radiante para ele, mal conseguindo conter minha empolgação.

— Pode deixar — prometo, enfiando a chave na ignição depois que Christian se acomoda ao meu lado.

— Vá com calma. Não tem ninguém nos perseguindo agora — avisa ele.

Quando viro a chave, o motor ganha vida com um ronco. Verifico o espelho retrovisor e os laterais e, percebendo um raro momento de tráfego livre, executo uma perfeita curva em U e saio rugindo em direção ao hospital universitário.

— Uau! — exclama Christian, tenso.

— O que foi?

— Não quero ver você internada na UTI junto com o seu pai. Vá devagar — ordena ele, sem chance de discussão.

Piso mais leve no acelerador e sorrio para ele.

— Melhor assim?

— Bem melhor — balbucia, tentando parecer austero… mas falhando totalmente.

* * *

A CONDIÇÃO DE RAY permanece inalterada. Vê-lo faz meus pés fincarem novamente no chão, após a emocionante viagem de carro até aqui. Eu realmente deveria dirigir com mais cuidado. Não dá para controlar todo motorista embriagado que existe no mundo. Preciso perguntar a Christian o que aconteceu com o babaca que provocou o acidente com Ray — tenho certeza de que ele sabe. Apesar dos tubos, meu pai parece confortável, e acho que vejo um pouco mais de cor nas suas faces. Enquanto converso com ele, contando como foi minha manhã, Christian vai até a sala de espera para dar uns telefonemas.

A enfermeira Kellie se aproxima, verificando o estado de Ray e fazendo anotações no prontuário dele.

— Todos os sinais estão bons, Sra. Grey. — Ela sorri amavelmente.

— Isso é bem animador.

Um pouco mais tarde, o Dr. Crowe aparece com dois assistentes de enfermagem e diz cordialmente:

— Sra. Grey, está na hora de levar o seu pai para a radiologia. Vamos fazer uma tomografia computadorizada. Para ver como anda o cérebro dele.

— Vai demorar?

— No máximo uma hora.

— Vou esperar. Quero saber o resultado.

— É claro, Sra. Grey.

Vou caminhando lentamente até a sala de espera — felizmente vazia a essa hora —, onde Christian está falando ao telefone, andando de um lado para o outro. Enquanto fala, contempla pela janela a vista panorâmica de Portland. Ele se volta para mim quando fecho a porta, e parece zangado.

— Excedeu em quanto a velocidade?… Entendo… Todas as acusações, tudo. O pai da Ana está na UTI. Quero que você use tudo que puder contra esse filho da puta… Ótimo, pai. Mantenha-me informado. — Ele desliga.

— O outro motorista?

Ele faz que sim com a cabeça.

— Um babaca de um bêbado de merda que mora num trailer na parte sul de Portland — zomba ele, e fico chocada com a terminologia e com o tom depreciativo. Seu tom de voz suaviza quando ele continua, vindo na minha direção: — Já viu o Ray? Quer ir embora?

— Hmm… não.

Olho para ele, ainda incomodada com o desprezo que ele manifestou.

— O que aconteceu?

— Nada de mais. Ele está sendo levado para a radiologia. Vão fazer uma tomografia computadorizada para ver como está o edema no cérebro. Eu queria esperar o resultado.

— Tudo bem. Vamos esperar. — Ele se senta e estica os braços para mim. Como estamos sozinhos, aceito o convite e me aconchego feliz em seu colo. — Não foi assim que eu imaginei passar o dia de hoje — murmura Christian, com a boca no meu cabelo.

— Eu também não, mas estou mais otimista agora. Sua mãe me tranquilizou bastante. Foi muito gentil da parte dela ter aparecido ontem à noite.

Christian acaricia minhas costas e repousa o queixo na minha cabeça.

— Minha mãe é uma mulher extraordinária.

— É verdade. Você tem muita sorte de tê-la por perto.

Ele concorda.

— Eu deveria ligar para a minha mãe. Avisar sobre o Ray — murmuro, e Christian se enrijece. — Estou surpresa de ela não ter me ligado.

Franzo a testa ao pensar nisso. Na realidade, estou magoada. Afinal de contas, é meu aniversário, e ela estava lá no momento em que nasci. Por que ela não telefonou?

— Talvez ela tenha ligado — diz Christian.

Pego meu BlackBerry do bolso. Não há chamadas perdidas, mas algumas poucas mensagens de texto: feliz aniversário de Kate, José, Mia e Ethan. Nada da minha mãe. Balanço a cabeça, desanimada.

— Ligue logo para ela — diz ele ternamente.

Eu ligo, mas ninguém atende, só a secretária eletrônica. Não deixo recado. Como minha própria mãe pode esquecer o meu aniversário?

— Ela não está. Tento de novo mais tarde, depois que eu souber o resultado da tomografia.

Christian me aperta mais em seus braços, cheirando meu cabelo de novo, e sabiamente não tece nenhum comentário acerca da falta de interesse por parte da minha mãe. Eu sinto mais do que ouço o zumbido do BlackBerry dele. Ele não me deixa levantar, e fisga o aparelho do bolso com certo esforço.

— Andrea — atende, seco, reassumindo o tom profissional.

Faço outra tentativa de me levantar, mas ele me detém, franzindo o cenho e apertando minha cintura. Eu volto a me aninhar em seu peito e ouço a conversa parcial.

— Ótimo… Qual é o horário previsto para a chegada?… E os outros, hã… pacotes? — Ele consulta o relógio. — O Heathman tem todos os detalhes?… Ótimo… Sim. Pode esperar até segunda de manhã, mas me mande um e-mail, em todo caso: eu imprimo, assino e escaneio para enviar de volta para você… Eles podem esperar. Vá para casa, Andrea… Não, estamos bem, obrigado. — E desliga.

— Está tudo bem?

— Sim.

— É o lance dos taiwaneses?

— É.

Christian muda de posição embaixo de mim, desconfortável.

— Estou muito pesada?

Ele emite um som de desdém.

— Não, baby.

— Está preocupado com o lance dos taiwaneses?

— Não.

— Pensei que fosse importante.

— E é. O estaleiro daqui depende disso. Tem muitos empregos em jogo.

Ah!

Só temos que vender a ideia para os sindicatos. É aí que entram Sam e Ros. Mas pelo rumo que está tomando a economia, nenhum de nós tem muitas opções.

Bocejo.

— Estou aborrecendo você, Sra. Grey? — Ele roça o nariz no meu cabelo de novo, achando graça.

— Não! De jeito nenhum… É só que está muito confortável aqui no seu colo. Eu gosto de ouvir sobre o seu trabalho.

— Ah, é? — Ele parece surpreso.

— Claro. — Eu me inclino para trás, para poder fitá-lo melhor. — Gosto de ouvir qualquer informação que você se digne a compartilhar comigo. — Forço um sorriso, ao que ele me observa com ar divertido e balança a cabeça.

— Sempre ávida por mais informação, Sra. Grey.

— Conte para mim — peço, aconchegando-me mais no peito dele.

— Contar o quê?

— Por que você faz isso.

— Isso o quê?

— Por que você trabalha desse jeito.

— Todo mundo tem que ganhar o seu sustento. — Ele está achando graça no meu comentário.

— Christian, o que você ganha é mais do que o seu sustento — retruco, minha voz cheia de ironia.

Ele franze a testa e fica quieto por um momento. Penso que ele não vai revelar nenhum segredo, mas ele me surpreende:

— Não quero ficar pobre — diz, em voz baixa. — Já passei por isso. Não vou passar de novo. Além do mais… é um jogo — murmura ele. — O objetivo é ganhar. Um jogo que eu sempre achei muito fácil.

— Ao contrário da vida — murmuro para mim mesma. Depois percebo que pensei em voz alta.

— É, acho que sim. — Ele franze o cenho. — Embora seja mais fácil estando com você.

Mais fácil comigo? Eu o abraço forte.

— Não pode ser só um jogo. Você é tão filantrópico!

Ele dá de ombros, e sei que está ficando pouco à vontade.

— Em relação a algumas coisas, talvez — diz ele, com tranquilidade.

— Eu adoro o Christian filantrópico — murmuro.

— Só ele?

— Ah, adoro o Christian megalomaníaco também, e o Christian maníaco por controle, o Christian especialista em sexo, o Christian pervertido, o Christian romântico, o Christian tímido… a lista é interminável.

— É uma porção de Christians.

— Eu diria que são pelo menos cinquenta.

Ele ri.

— Cinquenta tons — murmura ele, o rosto enfiado no meu cabelo.

— Meu Cinquenta Tons.

Ele muda de posição, puxa minha cabeça para trás e me beija.

— Bem, Sra. Tons, vamos ver como está seu pai.

— Isso mesmo.

* * *

— PODEMOS DAR uma volta?

Christian e eu retornamos ao R8, e me sinto andando nas nuvens. O cérebro de Ray voltou ao normal: todo o inchaço regrediu. A Dra. Sluder decidiu despertá-lo do coma amanhã. Ela diz estar satisfeita com o progresso dele.

— Claro. — Christian abre um enorme sorriso. — É seu aniversário… podemos fazer o que você quiser.

Opa! Seu tom de voz me faz virar para fitá-lo. Seus olhos estão escuros.

— Qualquer coisa?

— Qualquer coisa.

Como duas palavras podem carregar tantas promessas?

— Bom, eu quero dirigir.

— Então dirija, baby. — Ele sorri novamente, e eu retribuo o sorriso.

É um sonho dirigir um carro como esse, e, quando atingimos a Interestadual 5, piso sutilmente mais fundo no acelerador, jogando nossas costas contra o encosto dos assentos.

— Devagar — aconselha Christian.

* * *

ESTAMOS VOLTANDO PARA Portland quando eu tenho uma ideia.

— Tem alguma coisa em mente para o almoço? — pergunto, hesitante.

— Não. Está com fome? — Ele parece torcer por um sim.

— Estou.

— Aonde você quer ir? Hoje é o seu dia, Ana.

— Conheço um lugar perfeito.

Paro o carro perto da galeria onde José expôs seu trabalho e estaciono em frente ao restaurante Le Picotin, aonde fomos após a exposição do meu amigo.

Christian abre um sorriso.

— Por um minuto eu pensei que você ia me levar para aquele bar horroroso de onde você me ligou bêbada.

— Por que eu faria isso?

— Para ver se as azaleias ainda estão vivas. — Ele arqueia uma sobrancelha, cheio de ironia.

Fico ruborizada.

— Nem me lembre! Além do mais… você depois me levou para o seu quarto de hotel. — Dou um sorriso.

— A melhor decisão que eu já tomei — diz ele, os olhos cálidos e afetuosos.

— É. Foi sim. — Eu me inclino e o beijo.

— Você acha que aquele filho da puta arrogante ainda é garçom lá? — pergunta Christian.

— Arrogante? Achei ele simpático.

— Ele estava tentando impressionar você.

— Bom, ele conseguiu.

De brincadeira, Christian retorce a boca em desprezo.

— Vamos entrar? — digo.

— Primeiro as damas.

* * *

DEPOIS DO ALMOÇO e de um rápido desvio até o hotel para pegar o notebook de Christian, voltamos ao hospital. Passo a tarde com Ray, lendo em voz alta um original que recebi. Meu único companheiro é o som dos aparelhos que o mantêm vivo, que o mantêm comigo. Agora que sei que ele está evoluindo bem, posso relaxar. Estou esperançosa. Ele só precisa de tempo para se recuperar. Tempo, eu tenho; posso dar a ele. Fico pensando distraidamente se não deveria ligar para a minha mãe de novo, mas resolvo adiar isso. Seguro a mão de Ray de leve enquanto leio para ele. De vez em quando aperto sua mão, desejando que fique bom logo. Sinto seus dedos macios e quentes. O anular ainda tem uma depressão no lugar onde ele usava a aliança — mesmo depois de tanto tempo.

Uma ou duas horas depois, não sei bem quanto tempo, ergo o olhar e vejo Christian, laptop na mão, junto com a enfermeira Kellie ao pé da cama de Ray.

— Hora de ir, Ana.

Ah. Aperto com força a mão de Ray. Não quero deixá-lo.

— Você precisa comer. Venha. Já é tarde. — Christian parece insistente.

— Agora vou fazer a higiene do Sr. Steele — diz a enfermeira Kellie.

— Está bem — consinto. — A gente volta amanhã de manhã.

Dou um beijo no rosto de Ray, sentindo uma barba por fazer que não lhe é habitual. Não gostei disso. Continue melhorando, papai. Eu amo você.

* * *

— ACHEI QUE PODÍAMOS jantar lá embaixo. Numa mesa isolada — diz Christian, com um brilho nos olhos, ao abrir a porta da nossa suíte.

— Sério? Terminar o que você começou meses atrás?

Ele sorri.

— Só se você tiver muita sorte, Sra. Grey.

Dou uma risada.

— Christian, eu não tenho nada mais arrumado para vestir.

Ele sorri, estende a mão e me conduz até o quarto, onde abre o guarda-roupa para me mostrar uma enorme capa branca para roupas pendurada.

— Taylor? — pergunto.

— Christian — responde ele, veemente e magoado ao mesmo tempo.

Seu tom de voz me faz rir. Abro a capa e tiro um vestido de cetim azul-marinho. É deslumbrante — justo, com alças finas. Parece pequeno.

— É lindo. Obrigada. Espero que caiba.

— Vai caber — diz ele, confiante. — E tem isso aqui — ele pega uma caixa de sapatos —, para usar com o vestido. — E me dá um sorriso malicioso.

— Você pensa em tudo. Obrigada. — Estico o corpo para beijá-lo.

— Penso mesmo. — E me entrega mais uma sacola.

Olho para ele intrigada. De dentro tiro um corpete preto sem alças, com o meio rendado. Ele acaricia meu rosto, pega meu queixo e me beija.

— Estou ansioso para tirar isso de você mais tarde.

* * *

RECÉM-SAÍDA DO BANHO, depilada, limpa e me sentindo paparicada, sento-me na beira da cama e ligo o secador de cabelo. Christian entra no quarto. Acho que ele estava trabalhando.

— Deixa que eu faço isso — diz apontando para a cadeira em frente à penteadeira.

— Secar o meu cabelo?

Ele faz que sim. Fico sem reação.

— Venha — insiste ele, me olhando intensamente.

Conheço essa expressão, e sei que é melhor obedecer. Ele então seca meu cabelo, lenta e metodicamente, uma mecha de cada vez, com sua costumeira habilidade.

— Você já fez isso antes — murmuro.

Seu sorriso se reflete no espelho, mas ele não diz nada e continua a escovar meu cabelo. Hmm… é tão relaxante.

* * *

NÃO ESTAMOS SOZINHOS no elevador ao descermos para jantar. Christian está apetitoso com a combinação que é sua marca registrada: camisa de linho branco, calça jeans preta e blazer. Sem gravata. As duas mulheres dentro do elevador lançam olhares de admiração para ele e outros menos bondosos para mim. Disfarço um sorriso. Sim, senhoras, ele é meu. Christian pega minha mão e me puxa para junto de si. Descemos em silêncio até o mezanino.

O andar está repleto, cheio de pessoas arrumadas para a noite, sentadas pelo local batendo papo e bebendo, esquentando para a noite de sábado. Estou feliz por me adequar ao ambiente. Meu vestido é justo, destacando minhas curvas e mantendo meu corpo todo no lugar. Tenho que admitir que me sinto… atraente. E sei que Christian aprova.

A princípio, penso que estamos nos encaminhando para a sala de jantar privada onde discutimos o contrato pela primeira vez, mas, ao me conduzir, ele passa direto por aquela porta e segue até o extremo oposto, onde abre uma porta para outra sala revestida em madeira.

Surpresa!

Meu Deus. Kate e Elliot, Mia e Ethan, Carrick e Grace, o Sr. Rodriguez e José e minha mãe e Bob estão todos ali, erguendo suas taças para um brinde. Fico parada olhando pasma para eles, sem palavras. Como? Quando? Viro-me em choque para Christian, que aperta minha mão. Minha mãe dá um passo para a frente e me abraça. Ah, mãe!

— Querida, você está linda. Feliz aniversário.

— Mãe! — soluço, abraçando-a.

Ah, mamãe. As lágrimas descem pelas minhas faces apesar da plateia, e enterro o rosto no pescoço dela.

— Minha querida. Não chore. O Ray vai ficar bom. Ele é um homem muito forte. Não chore. Não no seu aniversário.

Sua voz falha de tanta emoção, mas ela mantém a postura. Segurando meu rosto entre as mãos, ela enxuga minhas lágrimas com os polegares.

— Pensei que você tinha esquecido.

— Ah, Ana! Como eu ia esquecer? Não dá para esquecer assim tão fácil dezessete horas de trabalho de parto.

Dou uma risada por entre as lágrimas, e ela sorri.

— Enxugue os olhos, querida. Tem um monte de gente aqui para comemorar esse dia especial.

Eu fungo, sem querer olhar para mais ninguém na sala, envergonhada e emocionada por todos terem feito tanto esforço para vir me ver.

— Como você veio? Quando?

— Seu marido mandou o avião, querida. — Ela sorri, impressionada.

E eu rio.

— Obrigada por vir, mãe. — Ela limpa meu nariz com um lenço de papel, como só uma mãe faria. — Mãe! — repreendo-a, recompondo-me.

— Assim está melhor. Feliz aniversário, querida.

Ela então se coloca de lado, e todo mundo faz uma fila para me abraçar e me desejar feliz aniversário.

— Ele está se saindo bem, Ana. A Dra. Sluder é uma das melhores do país. Feliz aniversário, meu anjo. — Grace me abraça apertado.

— Chore o quanto quiser, Ana: a festa é sua. — José me dá um abraço.

— Feliz aniversário, minha querida. — Carrick sorri, com a mão no meu rosto.

— E aí, garota? Seu velho vai ficar bem. — Elliot me envolve em seus braços. — Feliz aniversário.

— Já chega. — Pegando minha mão, Christian me separa de Elliot. — Pode parar de se esfregar na minha mulher. Vá se esfregar na sua noiva.

Elliot ri com malícia para ele e dá uma piscadela para Kate.

Um garçom que eu ainda não tinha notado oferece taças de champanhe rosé para mim e meu marido.

Christian pigarreia.

— Este seria um dia perfeito se Ray estivesse aqui conosco, mas ele não está longe. Está se recuperando, e eu sei que ele gostaria que você se divertisse, Ana. Agradeço a todos vocês por terem vindo participar do aniversário de minha bela esposa, o primeiro de muitos que passaremos juntos. Felicidades, meu amor.

Christian ergue a taça em minha homenagem em meio a um coro de “feliz aniversário”, e tenho que conter novamente as lágrimas que teimam em surgir.

* * *

OBSERVO AS CONVERSAS animadas em volta da mesa de jantar. É estranho estar cercada pelos meus familiares mais chegados, sabendo que o homem que considero meu pai está ligado a uma máquina que sustenta suas funções vitais, no ambiente frio da UTI. Estou um pouco alheia às comemorações, embora muito grata por tê-los todos aqui. Observo as disputas entre Elliot e Christian, a sagacidade refinada e célere de José, a animação de Mia, bem como seu entusiasmo com a comida, tendo Ethan como um observador disfarçado. Acho que ele gosta dela… ainda que seja difícil dizer com certeza. O Sr. Rodriguez permanece sentado, como eu, aproveitando as conversas ao redor. Ele parece melhor. Mais descansado. José é muito atencioso com o pai, corta a comida dele e mantém seu copo cheio. Ele não tem mais mãe, então o fato de ter visto o pai chegar tão perto da morte o fez valorizar mais o Sr. Rodriguez… sei disso.

Olho para minha mãe. Ela está muito à vontade, charmosa, espirituosa e animada. Eu a amo muito. Tenho que me lembrar de dizer-lhe isso. Percebo agora como a vida é preciosa.

— Está tudo bem? — pergunta Kate, numa voz atipicamente baixa.

Aquiesço e pego sua mão.

— Sim. Obrigada por ter vindo.

— E você acha que o Sr. Cheio da Grana ia me deixar longe de você no seu aniversário? A gente andou de helicóptero! — Ela sorri.

— Sério?

— Aham. Nós todos. Incrível o Christian saber pilotar.

Concordo com um gesto de cabeça.

— Isso é um tanto sexy.

— Também acho.

Nós rimos.

— Você vai passar a noite aqui? — indago.

— Vou. Todos nós, eu acho. Você não sabia de nada?

Balanço a cabeça em negativa.

— Legal, hein?

Concordo.

— O que ele lhe deu de aniversário?

— Isso. — Mostro minha pulseira nova.

— Ah, que graça!

— É mesmo.

— Londres, Paris… sorvete?

— Nem queira saber.

— Eu posso imaginar.

Rimos, e fico vermelha ao me lembrar de Ben & Jerry’s e Ana.

— Ah… e um R8.

Kate cospe o vinho, que escorre pelo seu queixo; é uma cena nem um pouco bonita, o que nos faz rir ainda mais.

— O filho da puta sabe fazer um agrado, hein? — Ela dá uma risada.

* * *

DE SOBREMESA, GANHO um magnífico bolo de chocolate com vinte e duas velas prateadas luzindo em cima e um animado coro cantando “Parabéns para você”. Grace observa Christian cantar junto com meus amigos e minha família, e seus olhos reluzem de amor. Captando meu olhar, ela me sopra um beijo.

— Faça um pedido — sussurra Christian.

Apago todas as velas de uma só vez, desejando ardorosamente que meu pai melhore. Papai, fique bom. Por favor, fique bom. Amo muito você.

* * *

À MEIA-NOITE, o Sr. Rodriguez e José se despedem.

— Muito obrigada por terem vindo. — Dou um abraço apertado em José.

— Eu não perderia essa festa por nada neste mundo. Estou contente por Ray estar melhorando.

— É verdade. O senhor e o Ray têm que ir pescar com Christian em Aspen.

— Mesmo? Parece ótimo.

José sorri antes de se afastar para ir buscar o casaco do pai, e me abaixo para me despedir do Sr. Rodriguez.

— Você sabe, Ana, teve uma época em que… bem, eu pensei que você e o José… — Sua voz vai desaparecendo, e ele me fita, seus olhos escuros intensos mas amorosos.

Ah, não.

— Gosto muito do seu filho, Sr. Rodriguez, mas ele é como um irmão para mim.

— Você teria sido uma excelente nora. E você é. Para os Grey. — Ele sorri melancolicamente, e eu fico vermelha.

— Espero que o senhor aceite uma amiga.

— É claro. Seu marido é um bom homem. Você escolheu bem, Ana.

— Também acho — murmuro. — Amo muito o meu marido. — Abraço o Sr. Rodriguez.

— Cuide bem dele, Ana.

— Pode deixar — prometo.

* * *

CHRISTIAN FECHA A porta de nossa suíte.

— Enfim sós — murmura ele, recostando-se contra a porta para me observar.

Dou um passo em sua direção e afago a lapela do seu casaco.

— Obrigada pelo aniversário maravilhoso. Você é realmente o mais adorável, atencioso e generoso dos maridos.

— Ao seu dispor.

— Sim… ao meu dispor. Agora eu quero desembrulhar meu presente — sussurro.

E, apertando as mãos em volta da sua lapela, puxo sua boca para a minha.

Após um café da manhã com os nossos convidados, abro os meus presentes e depois me dedico a uma série de bem-humoradas despedidas de todos os Grey e Kavanagh que vão retornar para Seattle no Charlie Tango. Minha mãe, Christian e eu nos dirigimos ao hospital com Taylor na direção, já que nós três não caberíamos no meu R8. Bob preferiu não nos acompanhar na visita, e fiquei secretamente feliz. Seria bastante estranho, e tenho certeza de que Ray não ia gostar que Bob o visse naquela condição.

Ray parece basicamente igual. Com mais cabelo. Minha mãe fica chocada quando o vê, e juntas choramos um pouco mais.

— Ah, Ray.

Ela aperta a mão dele e carinhosamente afaga seu rosto. Fico emocionada ao ver o amor dela pelo ex-marido. Que bom que tenho lenços de papel na bolsa. Sentamo-nos junto a ele, eu segurando a mão dela e ela, a mão de meu pai.

— Ana, houve uma época em que este homem era o centro do meu mundo. Tudo girava em torno dele. Eu sempre vou amar o Ray. Ele cuidou tão bem de você…

— Mãe…

Eu engasgo; ela acaricia meu rosto e põe uma mecha de cabelo atrás da minha orelha.

— Você sabe que sempre vou amá-lo. Nossos caminhos se afastaram, só isso. — Ela solta um suspiro. — E eu simplesmente não conseguia viver com ele.

Ela olha para os próprios dedos, e imagino se estará pensando em Steve, o Marido Número Três, sobre quem não conversamos.

— Eu sei que você o ama — murmuro, secando os olhos. — Vão tirá-lo do coma hoje.

— Ótimo. Tenho certeza de que ele vai ficar bem. Ele é tão teimoso. Acho que você aprendeu isso com ele.

Sorrio.

— Você andou conversando com o Christian?

— Ele acha você teimosa?

— Acredito que sim.

— Vou dizer a ele que é de família. Vocês parecem tão bem juntos, Ana. Tão felizes.

— Nós somos felizes, eu acho. Caminhando para isso, pelo menos. Eu amo o Christian. Ele é o centro do meu mundo. Tudo gira em torno dele também, para mim.

— Ele obviamente adora você, querida.

— E eu o adoro.

— Não deixe de dizer isso a ele. Os homens precisam ouvir essas coisas tanto quanto nós.

* * *

INSISTO EM IR ao aeroporto com mamãe e Bob para me despedir. Taylor nos segue no R8, e Christian dirige o SUV. Fico triste por eles não poderem ficar mais tempo, mas ambos têm que voltar para Savannah. É uma despedida chorosa.

— Tome conta dela, Bob — murmuro quando ele me abraça.

— Pode deixar, Ana. E você se cuide também.

— Pode deixar. — Eu me viro para minha mãe. — Tchau, mãe. Obrigada por ter vindo — sussurro, com a voz rouca. — Amo muito você.

— Ah, minha garotinha linda, também amo você. E o Ray vai ficar bom. Ele ainda não está pronto para se aposentar dessa vida. Deve ter algum jogo dos Mariners que ele não pode perder.

Dou uma risada. Ela tem razão. Decido ler as páginas esportivas do jornal de domingo para Ray esta noite. Fico vendo minha mãe e Bob subirem as escadas para o jatinho de Christian. Ela acena para mim, toda chorosa, e desaparece. Christian passa o braço em volta do meu ombro.

— Vamos embora, querida — murmura ele.

— Você dirige?

— Claro.

* * *

QUANDO VOLTAMOS PARA o hospital, à noite, Ray parece diferente. Custo um pouco a perceber que o barulho de sugar e soprar do respirador mecânico desapareceu. Ray está respirando por conta própria. Sinto uma onda de alívio. Acaricio seu rosto já um pouco barbado e pego um lenço de papel para limpar com cuidado a saliva que escorre de sua boca.

Christian vai à procura da Dra. Sluder ou do Dr. Crowe, para saber das notícias, e eu assumo meu já costumeiro lugar ao lado da cama, para ficar de vigília.

Abro a edição de domingo do Oregonian na seção de esportes e começo a ler meticulosamente a matéria sobre o jogo de futebol dos Sounders contra o Real Salt Lake. Pelo que dizem, foi uma partida disputada, mas os Sounders perderam com um gol contra de Kasey Keller. Seguro firme na mão de Ray enquanto leio.

— E o placar final foi Sounders um, Real Salt Lake dois.

— Ei, Annie, perdemos? Ah, não! — exclama Ray com a voz rouca, e aperta minha mão.

Papai!

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