CAPÍTULO VINTE E TRÊS

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Só existe dor. Minha cabeça, meu peito… uma dor lancinante. A lateral do meu corpo, meu braço. Dor. Dor e palavras sussurradas na penumbra. Onde estou? Embora eu tente, não consigo abrir os olhos. As palavras sussurradas ficam mais claras… um farol na escuridão.

— Ela sofreu uma contusão nas costelas, Sr. Grey, e uma fratura no crânio, fina como um fio de cabelo, mas os sinais vitais estão fortes e estáveis.

— Por que ela continua inconsciente?

— A Sra. Grey sofreu um grave trauma na cabeça. Mas sua atividade cerebral está normal, e não há nenhum edema. Ela vai despertar quando estiver pronta. Basta esperar.

— E o bebê? — As palavras são ofegantes, angustiadas.

— O bebê está bem, Sr. Grey.

— Ah, graças a Deus. — As palavras soam como uma súplica… uma oração. — Graças a Deus.

Ah, meu Deus. Ele está preocupado com o bebê… o bebê?… Pontinho. Claro. Meu Pontinho. Tento mover a mão até a barriga, mas é em vão. Nada se move, nada reage.

E o bebê?.. Ah, graças a Deus.”

O Pontinho está a salvo.

“E o bebê?.. Ah, graças a Deus.”

Ele se importa com o bebê.

“E o bebê?.. Ah, graças a Deus.”

Ele quer o bebê. Ah, graças a Deus. Eu relaxo, e a inconsciência novamente toma conta de mim, arrancando-me da dor.

* * *

TUDO PESA E DÓI: membros, cabeça, pálpebras, nada se mexe. Meus olhos e minha boca estão resolutamente fechados, negando-se a abrir, deixando-me cega, muda e dolorida. À medida que emerjo das névoas, a consciência começa a pairar sobre mim, como uma sirene sedutora mas fora de alcance. Os sons se transformam em vozes.

— Não vou sair de perto dela.

Christian! Ele está aqui… Tenho que acordar — sua voz é um sussurro tenso e angustiado.

— Christian, você precisa dormir.

— Não, pai. Quero estar aqui quando ela acordar.

— Eu fico com a Ana. É o mínimo que posso fazer depois que ela salvou a vida da minha filha.

Mia!

— Como está a Mia?

— Está toda grogue… com medo e com raiva. Ainda vai levar algumas horas até o Rohypnol sair totalmente do organismo dela.

— Meu Deus do céu.

— É, eu sei. Estou me sentindo o mais idiota do mundo por ter relaxado na segurança dela. Você me avisou, mas Mia é teimosa. Se não fosse pela Ana aqui…

— Todo mundo achava que o Hyde estava fora do caminho. E a louca da minha esposa… Por que ela não me contou? — A voz de Christian é um poço de angústia.

— Christian, acalme-se. Ana é uma jovem incrível. Ela foi de uma coragem surpreendente.

— Corajosa, cabeça-dura, teimosa e burra. — Sua voz falha.

— Ei — murmura Carrick —, não seja tão duro com ela, nem com você, filho… Acho que é melhor eu voltar para ficar com a sua mãe. Já são mais de três da madrugada, Christian. Você realmente deveria tentar dormir um pouco.

A névoa me encobre.

* * *

A NÉVOA SE DISPERSA, mas não tenho nenhuma noção de tempo.

— Se você não der uma bronca nessa menina, juro que eu mesmo vou dar. Que diabo ela estava pensando?

— Pode acreditar, Ray. Vou brigar com ela sim.

Pai! Ele está aqui. Luto contra a névoa… tento… Mas mergulho novamente na inconsciência. Não

* * *

— DETETIVE, COMO O SENHOR pode ver, minha esposa não está em condições de responder a pergunta alguma. — Christian está zangado.

— Ela é uma jovem teimosa, Sr. Grey.

— Ela devia era ter matado o filho da puta.

— Isso significaria mais papelada para mim, Sr. Grey…

— A Srta. Morgan está abrindo o jogo todo. O Hyde é realmente um filho da puta de um pervertido. Ele tem um enorme ressentimento contra o senhor e o seu pai…

A escuridão me envolve mais uma vez, e sou sugada para baixo… Não!

* * *

— COMO ASSIM VOCÊS não estavam se falando?

É a voz de Grace. Ela parece zangada. Tento mexer a cabeça, mas do meu corpo só recebo um silêncio indiferente e retumbante.

— O que você fez?

— Mãe…

— Christian! O que você fez?

— Eu estava com tanta raiva… — É quase um soluço… Não.

— Ei…

O mundo afunda, escurece e eu apago.

* * *

OUÇO VOZES ALTAS e indistintas.

— Você me disse que tinha cortado todos os laços. — É Grace falando. Sua voz transparece calma, mas é uma reprimenda.

— Eu sei. — Christian parece resignado. — Mas me encontrar com ela finalmente colocou tudo numa nova perspectiva para mim. Você sabe… com relação à criança. Pela primeira vez eu senti… O que nós dois fizemos… foi errado.

— O que ela fez, querido… Os filhos vão fazer isso por você. Vão fazê-lo ver o mundo sob uma ótica diferente.

— Finalmente ela entendeu… e eu também… Eu magoei a Ana — murmura ele.

— Nós sempre magoamos as pessoas que amamos, querido. Você tem que pedir desculpas a ela. E fazer isso de coração, dando tempo ao tempo.

— Ela disse que estava me deixando.

Não. Não. Não!

E você acreditou?

— No início, sim.

— Querido, você sempre acredita no pior em relação a todo mundo, inclusive a você mesmo. Sempre foi assim. A Ana ama você demais, e é óbvio que você também a ama.

— Ela ficou bem brava.

— É claro que ficou. Eu mesma estou muito zangada com você agora. Mas acho que a gente só consegue ficar realmente zangada com quem a gente ama de verdade.

— Eu pensei sobre isso, e ela já me mostrou várias e várias vezes como me ama… ao ponto de colocar a própria vida em perigo.

— É verdade, meu filho.

— Ah, mãe, por que ela não acorda? — Sua voz fica embargada. — Eu quase a perdi.

Christian! Ouço soluços contidos. Não…

Ah… A escuridão me envolve. Não

* * *

— VOCÊ LEVOU vinte e quatro anos para me deixar abraçá-lo assim…

— Eu sei, mãe… E fico contente de termos conversado.

— Eu também, querido. Vou estar sempre ao seu lado. Nem acredito que vou ser avó.

Avó!

A doce inconsciência me chama.

* * *

HMM. SUA BARBA por fazer arranha as costas da minha mão quando ele aperta meus dedos contra seu rosto.

— Ah, meu amor, por favor, volte para mim. Eu sinto muito. Por tudo. Acorde. Estou com saudades. Eu amo você…

Eu tento. Tento. Quero vê-lo. Mas meu corpo não me obedece, e caio no sono mais uma vez.

* * *

SINTO UMA NECESSIDADE enorme de fazer xixi. Abro os olhos. Estou no ambiente limpo e estéril de um quarto de hospital. Está escuro, a não ser por uma janela, e tudo quieto. Minha cabeça e meu peito doem, mas o pior é a bexiga prestes a estourar. Preciso fazer xixi. Testo meus membros. Meu braço direito dói, e reparo no soro preso na parte interna do cotovelo. Fecho os olhos rapidamente. Girando a cabeça — e fico satisfeita ao ver que ela responde à minha vontade —, abro novamente os olhos. Christian está dormindo sentado ao meu lado, debruçado na cama com a cabeça sobre os braços dobrados. Levanto a mão, mais uma vez feliz em ver que meu corpo reage, e passo os dedos pelo seu cabelo macio.

Ele acorda assustado, e levanta a cabeça tão bruscamente que minha mão cai fraca na cama.

— Oi — falo, num arremedo de voz.

— Ah, Ana. — Sua voz parece contida e carregada de alívio. Ele pega minha mão e a aperta com força, encostando-a em sua face áspera.

— Preciso ir ao banheiro — murmuro.

Ele fica perplexo, depois enruga a testa por um instante.

— Tudo bem.

Tento me colocar sentada.

— Ana, não se mexa. Vou chamar a enfermeira.

Levantando-se rapidamente, ele aperta uma campainha ao lado da cama, alarmado.

— Por favor — murmuro. Por que será que está tudo doendo? — Preciso levantar. — Caramba, eu me sinto tão fraca.

Pelo menos uma vez você podia obedecer — reclama ele, exaltado.

— Eu preciso muito fazer xixi. — Minha voz continua fraca e aguda. Minha garganta e minha boca estão tão secas…

Uma enfermeira irrompe no quarto. Ela deve ter uns cinquenta anos, apesar do cabelo preto retinto. Está usando imensos brincos de pérolas.

— Sra. Grey, bem-vinda de volta. Vou avisar à Dra. Bartley que a senhora acordou. — Ela se aproxima da cama. — Meu nome é Nora. A senhora sabe onde está?

— Sei. Hospital. Preciso fazer xixi.

— A senhora está com um cateter.

O quê? Ai, que nojo. Olho tensa para Christian, depois me volto para a enfermeira.

— Por favor. Eu quero me levantar.

— Sra. Grey…

— Por favor.

— Ana — adverte Christian.

Novamente faço esforço para me levantar.

— Vou retirar o cateter. Sr. Grey, tenho certeza de que a sua esposa vai querer um pouco de privacidade. — Ela olha incisivamente para Christian.

— Não vou a lugar nenhum. — Ele a encara.

— Christian, por favor — murmuro, pegando sua mão. Ele aperta minha mão por um segundo e depois me fita exasperado. — Por favor — suplico.

— Tá bom! — Ele passa a mão pelo cabelo. — Você tem dois minutos — diz, ríspido, à enfermeira, depois se abaixa e beija minha testa antes de se virar e deixar o quarto.

* * *

CHRISTIAN IRROMPE DE volta no quarto dois minutos depois, no momento em que a enfermeira Nora está me ajudando a sair da cama. Estou vestindo uma fina camisola hospitalar. Não me lembro de terem tirado minha roupa.

— Deixe que eu a levo — diz ele, e vem apressado até nós.

— Sr. Grey, eu posso fazer isso — repreende-o a enfermeira Nora.

Ele lança um olhar hostil para ela.

— Mas que droga, ela é minha mulher. Eu é que vou levá-la — diz ele entredentes, e afasta do seu caminho o suporte para soro.

— Sr. Grey! — protesta a enfermeira.

Ele a ignora, abaixa-se e gentilmente me levanta da cama. Passo os braços ao redor do pescoço dele, sob protestos do meu corpo. Nossa, está doendo em tudo quanto é lugar. Ele me carrega até o banheiro enquanto a enfermeira Nora nos acompanha, empurrando o suporte do soro.

— Sra. Grey, você está muito leve — murmura ele em tom de reprovação, e me coloca de pé com cuidado.

Eu me desequilibro. Minhas pernas parecem gelatina. Christian aperta o interruptor e fico momentaneamente cega pela luz fluorescente que estala e treme, ganhando vida.

— Sente-se para não cair — diz ele como se me desse bronca, ainda me segurando.

Hesitante, sento-me no vaso sanitário.

— Saia. — Tento enxotá-lo.

— Não. Faça logo, Ana.

Que coisa mais constrangedora!

— Não consigo; não com você aqui.

— Você pode cair.

— Sr. Grey!

Ambos ignoramos a enfermeira.

— Por favor — suplico.

Ele levanta a mão, aceitando a derrota.

— Estou aqui fora, de porta aberta.

Ele dá alguns passos até se postar de pé logo após a porta, junto com a enfermeira irada.

— Vire de costas, por favor — peço.

Por que me sinto tão ridiculamente tímida com este homem? Ele revira os olhos, mas obedece. E quando ele me dá as costas… eu solto a bexiga, e me alivio.

Verifico meus ferimentos. A cabeça dói, o peito dói no lugar onde Jack me chutou, e a lateral do corpo lateja, no ponto em que caí no chão ao ser empurrada. Além disso, estou com sede e com fome. Minha nossa, muita fome. Eu termino, feliz de não ter que levantar para lavar as mãos, já que a pia é bem próxima. Simplesmente não tenho forças para me levantar.

— Pronto — chamo, secando as mãos na toalha.

Christian retorna, e, antes que eu possa perceber, estou em seus braços novamente. Como senti falta destes braços. Ele faz uma pausa e enterra o nariz no meu cabelo.

— Ah, eu estava com saudades, Sra. Grey — murmura ele, e, com a enfermeira Nora na sua cola, me deita de novo na cama e me solta; relutantemente, eu acho.

— Se o senhor já acabou, Sr. Grey, eu gostaria de verificar a condição da Sra. Grey agora. — A enfermeira Nora está irritadíssima.

Ele se afasta.

— Ela é toda sua — diz, em tom mais contido.

Ela olha irada para Christian e depois volta sua atenção para mim.

Ele é irritante, não é?

Como se sente? — pergunta-me, a voz entremeada de afabilidade e um traço de irritação; provavelmente devido ao comportamento de Christian.

— Dolorida e com sede. Muita sede — murmuro.

— Vou buscar água depois que verificar seus sinais vitais e que a Dra. Bartley examinar a senhora.

Ela apanha um aparelho de medir a pressão e o envolve em meu braço. Olho ansiosa para Christian. Sua aparência é horrível — parece até um fantasma —, como se ele não dormisse há dias. O cabelo está desgrenhado, a barba não é feita há muito tempo e a camisa está toda amarrotada. Franzo a sobrancelha.

— Como você está se sentindo?

Ele ignora a enfermeira e se senta na ponta da cama.

— Confusa. Dolorida. Faminta.

— Faminta? — Ele pisca, surpreso.

Aquiesço.

— O que quer comer?

— Qualquer coisa. Sopa.

— Sr. Grey, precisamos ter o consentimento da médica antes de a Sra. Grey começar a se alimentar.

Ele a fita impassível por um minuto, depois tira o BlackBerry do bolso da calça e pressiona um número.

— Ana quer canja de galinha… Ótimo… Obrigado. — E desliga.

Dou uma espiada em Nora, que estreita os olhos para Christian.

— Taylor? — pergunto logo.

Christian confirma.

— Sua pressão está normal, Sra. Grey. Vou chamar a médica.

Ela retira a braçadeira e, sem mais nenhuma palavra, sai a passos largos do quarto, irradiando reprovação.

— Acho que você deixou a enfermeira Nora zangada.

— Eu tenho esse efeito sobre as mulheres. — Ele ri com sarcasmo.

Dou uma risada, mas paro subitamente porque a dor se propaga no meu peito.

— É verdade.

— Ah, Ana, adoro ouvir você rir.

Nora volta com uma jarra d’água. Ambos ficamos em silêncio, olhando um ao outro, enquanto ela enche um copo e me oferece.

— Pequenos goles por enquanto — avisa ela.

— Sim, senhora — murmuro, e tomo um delicioso gole de água fresca.

Meu Deus. Que delícia. Tomo outro gole, e Christian me observa intensamente.

— E a Mia? — pergunto.

— Sã e salva. Graças a você.

— Ela estava mesmo com eles?

— Estava.

Toda aquela loucura teve sua razão de ser. Sinto uma onda de alívio invadir meu corpo. Graças a Deus, graças a Deus, graças a Deus ela está bem. Franzo a testa.

— Como eles a capturaram?

— Elizabeth Morgan — responde ele, e diz apenas isso.

— Não!

Ele confirma.

— Ela pegou a Mia na academia.

Continuo sem entender.

— Ana, eu conto os detalhes mais tarde. Mia está bem, apesar de tudo. Ela foi dopada. Ainda está grogue e abalada, mas, por um milagre, não se machucou. — Christian retesa o queixo. — O que você fez — ele passa a mão no cabelo — foi incrivelmente corajoso e incrivelmente estúpido. Você podia ter morrido.

Seus olhos brilham num tom cinzento metálico, frio, e sei que ele está contendo a cólera.

— Eu não sabia mais o que fazer — murmuro.

— Você podia ter me contado! — diz ele com veemência, fechando os punhos no colo.

— Ele disse que mataria a Mia se eu contasse para alguém. Eu não podia correr esse risco.

Christian fecha os olhos, deixando transparecer o terror no rosto.

— Eu morri mil vezes desde quinta-feira.

Quinta-feira?

Que dia é hoje?

— Quase sábado — diz ele, olhando o relógio de pulso. — Você ficou inconsciente por mais de vinte e quatro horas.

Ah.

— E quanto a Jack e Elizabeth?

— Sob custódia da polícia. Se bem que Hyde está aqui no hospital, sob escolta. Tiveram que remover a bala que você enfiou nele — diz Christian em tom amargo. — Felizmente não sei em que ala ele se encontra, ou era provável que eu mesmo matasse o canalha. — Seu rosto escurece.

Ah, merda. Jack está aqui?

Empalideço ao me lembrar de suas palavras: “Isso é pela SIP, sua piranha filha da puta!” Meu estômago vazio dá um nó, as lágrimas brotam nos meus olhos e um estremecimento percorre meu corpo.

— Ei. — Christian se aproxima, a voz cheia de preocupação. Ele tira o copo da minha mão e me envolve ternamente nos braços. — Agora você está a salvo — murmura ele por entre o meu cabelo, a voz embargada.

— Christian, me perdoe. — As lágrimas começam a cair.

— Shhh. — Ele acaricia meu cabelo e eu choro agarrada ao seu pescoço.

— Pelo que eu disse. Eu jamais ia abandonar você.

— Shhh, baby, eu sei.

— Você sabe? — Minhas lágrimas cessam.

— Eu deduzi. Depois de um tempo. Francamente, Ana, onde você estava com a cabeça? — Sua voz soa tensa.

— Você me pegou de surpresa — murmuro contra seu colarinho. — Quando a gente se falou no banco. Achando que eu ia deixar você. Pensei que você me conhecesse melhor. Eu já disse milhares de vezes que nunca vou deixar você.

— Mas depois da maneira horrível como eu me comportei… — Quase não consigo ouvi-lo, e seus braços me estreitam mais. — Por um curto tempo, cheguei a pensar que tinha perdido você.

— Não, Christian. Nunca. Eu não queria que você interferisse, para não pôr a vida da Mia em perigo.

Ele solta um suspiro, que não sei se vem da raiva, da irritação ou da mágoa.

— Como você deduziu? — apresso-me a perguntar, para desviá-lo para outros pensamentos.

Ele coloca meu cabelo atrás da orelha.

— Eu tinha acabado de aterrissar em Seattle quando o banco ligou. A última notícia que eu tinha era de que você estava doente e indo para casa.

— Então você estava em Portland quando o Sawyer telefonou do carro?

— Estávamos prestes a levantar voo. Fiquei preocupado com você — diz ele suavemente.

— Ficou?

Ele franze a testa.

— É claro que fiquei. — Ele passa o polegar no meu lábio inferior. — Eu só faço me preocupar com você. E você sabe muito bem disso.

Ah, Christian!

— Jack me ligou quando eu estava no trabalho — murmuro. — Ele me deu duas horas para conseguir o dinheiro. — Dou de ombros. — Eu tinha que ir embora, e essa me pareceu a melhor desculpa.

Christian comprime os lábios, que formam uma linha reta.

— E você passou a perna no Sawyer. Ele também está bravo com você.

— Também?

— Também; assim como eu.

Hesitante, toco seu rosto e passo os dedos pela sua barba por fazer. Ele fecha os olhos, inclinando-se na direção dos meus dedos.

— Por favor, não fique bravo comigo — sussurro.

— Estou muito bravo com você. O que você fez foi de uma estupidez monumental. No limite da insanidade.

— Já falei, eu não sabia o que fazer.

— Você não parece ter nenhuma consideração com a sua segurança pessoal. E agora não é só você — acrescenta, irritado.

Meus lábios tremem. Ele está pensando no nosso Pontinho.

A porta se abre, e levamos um susto. Uma jovem negra vestindo um jaleco branco sobre um traje cinza de médico entra no quarto.

— Boa noite, Sra. Grey. Sou a Dra. Bartley.

Ela começa a me examinar minuciosamente, acendendo uma lanterna nos meus olhos, me fazendo tocar seus dedos e depois meu nariz com um dos olhos fechados, primeiro o esquerdo e depois o direito, verificando todos os meus reflexos. Mas sua voz é suave e seu toque, agradável; ela é gentil. A enfermeira Nora a assiste, e Christian vai para um canto do quarto e dá alguns telefonemas enquanto as duas cuidam de mim. É difícil me concentrar na Dra. Bartley, na enfermeira Nora e em Christian simultaneamente, mas noto que ele ligou para o pai dele, para minha mãe e para Kate, com o intuito de contar que acordei. Finalmente, ele deixa uma mensagem para Ray.

Ray. Ah, merda… Tenho uma vaga lembrança de ouvir a voz dele. Ele esteve aqui… sim, enquanto eu ainda estava inconsciente.

A Dra. Bartley examina minhas costelas, apertando delicada mas firmemente.

Eu me retraio.

— A senhora bateu com as costelas, mas não vejo sinais de fissura ou fratura. Teve muita sorte, Sra. Grey.

Faço uma careta. Sorte? Não é exatamente a palavra que eu usaria. Christian também faz cara feia para a médica. Ele mexe os lábios, dizendo-me alguma coisa em silêncio. Acho que é bobagem, mas não tenho certeza.

— Vou lhe receitar alguns analgésicos. A senhora vai precisar tomar não só para a dor nas costelas, mas também para a dor de cabeça que deve estar sentindo. Mas parece estar tudo no lugar, Sra. Grey. Sugiro que durma um pouco. Dependendo de como se sentir amanhã de manhã, podemos tentar lhe dar alta. A Dra. Singh vai examinar a senhora amanhã.

— Obrigada.

Alguém bate à porta, e Taylor entra trazendo uma caixa de papelão com a marca Fairmont Olympic escrita em cor creme.

Puta merda!

— Comida? — pergunta a Dra. Bartley, surpresa.

— A Sra. Grey está com fome — retruca Christian. — É canja de galinha.

A Dra. Bartley sorri.

— Pode tomar, mas só o caldo. Nada pesado. — Ela olha fixamente para nós dois e sai do quarto com a enfermeira Nora.

Christian empurra a bandeja com rodinhas na minha direção e Taylor coloca a caixa em cima.

— Bem-vinda de volta, Sra. Grey.

— Olá, Taylor. Obrigada.

— A senhora é muito bem-vinda, madame. — Acho que ele quer dizer mais alguma coisa, mas se contém.

Christian abre a caixa e retira de dentro uma garrafa térmica, uma tigela para sopa, um prato auxiliar, guardanapo de linho, colher de sopa, uma pequena cesta com pãezinhos, saleiro e pimenteira de prata… O Olympic veio inteiro ao hospital.

— Isso está maravilhoso, Taylor.

Meu estômago ronca. Estou faminta.

— Mais alguma coisa? — pergunta ele.

— Não, obrigado — responde Christian, liberando-o.

Taylor faz um gesto de aquiescência.

— Obrigada, Taylor.

— A senhora não quer mais nada, Sra. Grey?

Olho para Christian.

— Apenas roupa limpa para o meu marido.

Taylor sorri.

— Sim, senhora.

Christian olha para a própria camisa, confuso.

— Há quanto tempo você está com essa camisa? — pergunto.

— Desde quinta de manhã. — Ele me dá um sorriso meio torto.

Taylor sai do quarto.

— Ele também está bravo com você — acrescenta Christian, amuado, desenroscando a tampa da garrafa térmica e vertendo uma cremosa canja de galinha na tigela.

Taylor também! Mas não penso nisso, pois estou concentrada na minha sopa. O cheiro é delicioso, e uma fumaça sobe da tigela convidativamente. Provo um pouco: o sabor é exatamente o que prometia ser.

— Está bom? — pergunta Christian, empoleirando-se novamente na cama.

Confirmo com entusiasmo e não paro de comer. Estou com uma fome de leão. Só interrompo para limpar a boca com o guardanapo.

— Conte o que aconteceu depois que você percebeu o que estava havendo.

Christian passa a mão pelo cabelo e balança a cabeça.

— Ah, Ana, como é bom ver você comer.

— Estou com fome. Conte.

Ele franze o cenho.

— Bom, depois que me ligaram do banco, e que eu pensei que o mundo inteiro tinha desmoronado… — Ele não consegue ocultar a dor na voz.

Paro de comer. Ah, merda.

— Não pare de comer, ou eu vou parar de falar — sussurra ele, num tom de voz bem rígido, encarando-me com censura.

Continuo a tomar a sopa. Certo, certo… Caramba, que gostoso. Christian suaviza o olhar e, após um instante, continua o relato:

— Enfim: depois que falei com você e desliguei, Taylor me informou que o Hyde tinha sido solto sob fiança. Como ele conseguiu, eu não sei, pois achei que tivéssemos impedido qualquer tentativa nesse sentido. Mas isso me fez parar para pensar no que você tinha dito… e então eu percebi que havia alguma coisa muito errada.

— Nunca foi pelo dinheiro — disparo repentinamente, sentindo uma onda inesperada de raiva atravessar meu ventre. Minha voz se eleva. — Como você pôde pensar isso? Nunca me interessei pelo seu maldito dinheiro de merda!

Minha cabeça começa a latejar. Christian me olha pasmo por um átimo, surpreso com minha veemência. Ele estreita os olhos.

— Olha essa língua — vocifera. — Acalme-se e coma.

Olho para ele com ar hostil.

— Ana — repreende-me.

— Isso me magoou mais do que qualquer outra coisa, Christian — sussurro. — Quase tanto quanto você ter ido ver aquela mulher.

Ele inspira com força, como se eu tivesse lhe dado um tapa, e subitamente parece exausto. Fechando os olhos por um instante, balança a cabeça, resignado.

— Eu sei. — Ele solta um suspiro. — E estou muito arrependido. Mais do que você possa imaginar. — Seus olhos irradiam contrição. — Por favor, continue comendo. Enquanto a sopa ainda está quente. — Sua voz é suave, impelindo-me a comer, e faço o que ele pede. Ele suspira de alívio.

— Continue — murmuro, entre uma mordida e outra no ilícito pãozinho branco e fresco.

— Não sabíamos que a Mia tinha sido sequestrada. Achei que talvez ele estivesse chantageando você ou coisa parecida. Liguei para o seu celular, mas você não atendia. — Ele assume um ar zangado. — Deixei uma mensagem e liguei para o Sawyer. Taylor começou a rastrear o seu celular. Eu sabia que você estava no banco, então fomos direto para lá.

— Eu não sei como o Sawyer me encontrou. Ele também estava rastreando o meu celular?

— O Saab tem um dispositivo de rastreamento. Todos os nossos carros têm. Quando chegamos ao banco, você já estava partindo, e nós seguimos. Por que está rindo?

— No fundo eu sabia que você estaria me seguindo.

— E por que isso é engraçado? — pergunta ele.

— Jack me instruiu a me livrar do celular. Então, eu peguei o do Whelan emprestado, e foi esse que eu joguei fora. O meu, eu coloquei dentro de uma das sacolas de lona, para que você pudesse rastrear o seu dinheiro.

Christian suspira.

— Nosso dinheiro, Ana — diz ele com suavidade. — Coma.

Raspo a tigela de sopa com o último pedaço de pão e o enfio na boca. Pela primeira vez em muito tempo me sinto satisfeita, apesar de nossa conversa.

— Acabei.

— Boa menina.

Alguém bate à porta, e a enfermeira Nora entra novamente, trazendo um pequenino copo de papel. Christian retira meu prato e começa a pôr todos os itens de volta na caixa.

— Analgésico. — Nora sorri, mostrando-me o comprimido branco dentro do copo.

— Não tem problema tomar isso? Sabe… por causa do bebê?

— Não, Sra. Grey. É paracetamol com hidrocona; não vai afetar o bebê.

Aquiesço, aliviada. Minha cabeça está latejando. Engulo o comprimido com um gole d’água.

— A senhora deveria repousar, Sra. Grey. — A enfermeira olha incisivamente para Christian.

Ele concorda.

Não!

— Você vai embora? — exclamo, entrando em pânico. Não vá… mal começamos a conversar!

Christian bufa:

— Sra. Grey, se você pensou por um minuto que vou deixar você fora da minha vista, está muito enganada.

Nora parece ofendida, mas se aproxima de mim e arruma meus travesseiros para que eu possa me deitar.

— Boa noite, Sra. Grey — diz ela, e, lançando mais um olhar de censura para Christian, sai do quarto.

Ele levanta uma sobrancelha quando ela fecha a porta.

— Acho que a enfermeira Nora não gosta de mim.

Ele está de pé ao lado da cama, com aparência cansada, e, apesar de eu querer que ele fique, sei que preciso tentar convencê-lo a ir para casa.

— Você precisa descansar também, Christian. Vá para casa. Você parece exausto.

— Não vou deixar você. Posso dormir na poltrona.

Faço uma cara brava e então me viro de lado.

— Durma comigo.

Ele franze a testa.

— Não. Não posso.

— Por que não?

— Não quero machucar você.

— Você não vai me machucar. Por favor, Christian.

— Você está com o soro.

— Christian. Por favor.

Ele me fita, e percebo que está tentado.

— Por favor.

Levanto os cobertores, como um convite para que ele suba na cama.

— Que se foda.

Ele tira os sapatos e as meias e cautelosamente se acomoda ao meu lado. Ele me abraça com cuidado, e descanso a cabeça em seu peito. Ele beija meu cabelo.

— Acho que a enfermeira Nora não vai ficar muito feliz com isso — sussurra em tom conspiratório.

Dou uma risada, mas tenho que parar por causa da dor que atravessa meu peito.

— Não me faça rir, porque dói.

— Ah, mas eu adoro ouvir você rindo — diz ele com certa tristeza, em voz baixa. — Eu sinto muito, baby, sinto muito mesmo.

Ele beija meu cabelo de novo e inspira profundamente. Não sei por que está pedindo desculpas… por me fazer rir? Ou pela confusão em que nos metemos? Descanso a mão sobre seu coração e ele delicadamente a cobre com a sua. Ficamos ambos em silêncio por um momento.

— Por que você foi se encontrar com aquela mulher?

— Ah, Ana. — Ele solta um gemido. — Você quer discutir isso agora? Não podemos simplesmente esquecer? Eu me arrependi, caramba!

— Eu preciso saber.

— Amanhã eu explico — balbucia ele, irritado. — Ah, e o detetive Clark quer falar com você. Apenas rotina. Agora vá dormir.

Ele beija meu cabelo e eu suspiro alto. Preciso saber por quê. Pelo menos ele diz estar arrependido. Já é alguma coisa, admite meu inconsciente, que aparentemente está de bom humor hoje. Argh, o detetive Clark. Estremeço só de pensar em reviver os eventos de quinta-feira.

— Já descobriram por que o Jack estava fazendo isso tudo?

— Hmm — murmura Christian.

O movimento do seu peito, subindo e descendo devagar, me acalma, balançando minha cabeça de leve, me ninando à medida que sua respiração fica mais lenta. E, enquanto vou caindo no sono, tento dar sentido aos fragmentos de conversa que ouvi quando estava no limiar da consciência, mas eles fogem da minha mente, permanecendo completamente indefinidos, zombando de mim nos recônditos da minha memória. Ah, é tão frustrante e cansativo… e…

* * *

A ENFERMEIRA NORA tem a boca franzida e os braços cruzados em hostilidade. Levo o dedo aos lábios.

— Por favor, deixe-o dormir — sussurro, apertando os olhos ante a luz do início da manhã.

— Esta cama é da senhora, não dele — fala ela baixinho, mas num tom ríspido e severo.

— Eu dormi melhor porque ele estava aqui — insisto, em defesa do meu marido. Além do mais, é verdade. Christian se mexe, e tanto a enfermeira Nora quanto eu ficamos imóveis.

Ele resmunga adormecido.

— Não me toque. Nunca mais. Só a Ana.

Franzo a testa. Raramente ouço Christian falar durante o sono. É verdade que talvez seja porque ele dorme menos do que eu. Só ouvia algo quando ele tinha pesadelos. Seus braços em volta de mim me apertam com mais força, e eu estremeço.

— Sra. Grey… — A enfermeira me olha furiosa.

— Por favor — suplico.

Ela balança a cabeça, vira-se e sai; e eu me aconchego em Christian novamente.

* * *

QUANDO ACORDO, NÃO vejo Christian por perto. O sol brilha forte através da vidraça, e agora realmente me sinto bem no quarto. Ganhei flores! Não tinha reparado isso ontem à noite. Vários buquês. Quem será que enviou?

Uma leve batida à porta me distrai, e Carrick espia para dentro do quarto. Ele sorri feliz quando me vê acordada.

— Posso entrar? — pergunta ele.

— Claro.

Carrick entra no quarto a passos largos e se aproxima da cama, seus suaves e gentis olhos azuis me avaliando intensamente. Ele veste um terno escuro — deve estar no meio do expediente. E me surpreende ao se inclinar e beijar minha testa.

— Posso me sentar?

Faço um gesto de consentimento, ao que ele se acomoda na beirada da cama e pega minha não.

— Minha querida maluca corajosa, não sei como agradecer pelo que você fez pela minha filha. Você salvou a vida de Mia. Minha dívida será eterna. — Sua voz vacila, repleta de gratidão e compaixão.

Ah… Não sei o que dizer. Aperto sua mão, mas permaneço muda.

— Como está se sentindo?

— Melhor. Dolorida. — Opto pela sinceridade.

— Eles lhe deram alguma coisa para a dor?

— Hidro… alguma coisa.

— Ótimo. Cadê o Christian?

— Não sei. Quando acordei, ele já tinha saído.

— Não deve estar longe, aposto. Ele não saiu do seu lado enquanto você esteve inconsciente.

— Eu sei.

— Ele está um pouco bravo com você, o que é compreensível.

Carrick dá um sorriso irônico. Ah, então foi com ele que Christian aprendeu.

— Ele vive bravo comigo.

— É mesmo?

Carrick sorri, satisfeito — como se fosse uma coisa boa. Seu sorriso é contagioso.

— Como vai a Mia?

Seus olhos então se anuviam, e o sorriso desaparece.

— Melhor. Com raiva de Deus e do mundo. Acho que a raiva é uma reação saudável para o que ela passou.

— Ela está internada aqui?

— Não, já voltou para casa. Acho que a Grace não vai tirar os olhos dela nunca mais.

— Sei como é.

— Você também precisa de vigilância — repreende-me ele. — Não quero nunca mais vê-la colocar em risco a sua vida e a do meu neto por bobagem.

Fico vermelha. Ele sabe!

— Grace leu o seu prontuário. Ela me contou. Parabéns.

— Hmm… obrigada.

Ele me fita e seus olhos tornam-se mais suaves, embora franza a testa ao notar minha expressão.

— O Christian vai se acostumar — diz gentilmente. — Vai ser ótimo para ele. É só… lhe dar um pouco de tempo.

Aquiesço. Ah… Eles conversaram.

— Acho que é melhor eu ir. Estão me esperando no tribunal. — Ele sorri e se levanta. — Venho ver você mais tarde. Grace fala muito bem da Dra. Singh e da Dra. Bartley. Elas sabem o que estão fazendo.

Ele se curva para me beijar novamente.

— Eu falei de coração, Ana. Não tenho como retribuir o que você fez por nós. Muito obrigado.

Ergo o olhar para ele, piscando bastante para segurar as lágrimas, pois subitamente me sinto emocionada, e ele afaga minha face com ternura. Depois se vira e sai.

Puxa vida. Fico tocada com a gratidão dele. Talvez agora eu consiga parar de pensar no fiasco do acordo pré-nupcial. Meu inconsciente sabiamente faz um gesto de anuência, mais uma vez concordando comigo. Balanço a cabeça e saio da cama com cautela. É um alívio ver que estou muito mais firme sobre as pernas do que ontem. Apesar de Christian ter dividido a pequena cama comigo, dormi bem e me sinto revigorada. Minha cabeça ainda dói, porém é mais um incômodo, nada comparado ao latejar de ontem. Estou meio dura e dolorida, mas preciso apenas de um banho: sinto-me encardida. Então, me dirijo ao banheiro.

* * *

— ANA! — GRITA CHRISTIAN.

— Estou no banheiro — respondo enquanto termino de escovar os dentes.

Bem melhor. Ignoro meu reflexo no espelho. Droga, estou horrível. Quando abro a porta, Christian está junto à cama segurando uma bandeja de comida. Ele é outra pessoa. Inteiramente de preto, está barbeado, limpo e com ar descansado.

— Bom dia, Sra. Grey — diz ele com vivacidade. — Trouxe o café da manhã. — Ele parece um garotinho, e tão feliz!

Uau. Ao subir na cama, dou um imenso sorriso. Ele puxa a bandeja com rodinhas e abre a tampa para mostrar o café da manhã: mingau de aveia com frutas secas, panquecas com calda de bordo, bacon, suco de laranja e chá Twinings. Fico com água na boca; estou morrendo de fome. Acabo com o suco de laranja em apenas alguns goles e devoro o mingau. Christian se senta na beirada da cama para observar. Ele ri.

— O que foi? — pergunto, de boca cheia.

— Gosto de ver você comer — responde ele. Mas não creio que seja por isso. — Como está se sentindo hoje?

— Melhor — murmuro entre uma garfada e outra.

— Nunca vi você comer assim.

Olho para ele, e meu coração se contrai. Temos que parar de ignorar esse minúsculo elefante branco.

— É porque eu estou grávida, Christian.

Ele solta um resmungo e torce a boca num sorriso irônico.

— Se eu soubesse que assim você ia comer, eu a teria engravidado antes.

— Christian Grey! — exclamo, e largo o prato de mingau.

— Não pare de comer — adverte ele.

— Christian, precisamos falar sobre isso.

Ele fica imóvel.

— Falar o quê? Vamos ser pais.

Ele dá de ombros, tentando desesperadamente parecer indiferente, mas tudo que vejo é o seu medo. Afastando a bandeja, desço da cama e pego as mãos dele entre as minhas.

— Você está com medo — sussurro. — Eu sei disso.

Ele me fita impassível, os olhos bem abertos; sua expressão de menino se foi.

— Eu também estou. É normal — digo.

— Que tipo de pai eu posso pensar em ser? — Sua voz está rouca, quase inaudível.

— Ah, Christian. — Contenho um soluço. — Um pai que dá o melhor de si. É tudo o que podemos fazer.

— Ana… Não sei se eu consigo…

— É claro que consegue. Você é amoroso, é engraçado, é forte, você vai estabelecer os limites. Não vai faltar nada ao nosso filho.

Ele permanece estático, me olhando, a dúvida estampada em seu lindo rosto.

— Sim, o ideal teria sido esperar mais. Ter mais tempo só para nós dois. Mas agora vamos ser nós três, e vamos todos crescer juntos. Seremos uma família. Nossa própria família. E o seu filho vai amar você incondicionalmente, como eu. — Sinto as lágrimas brotando nos olhos.

— Ah, Ana — sussurra Christian, a voz angustiada e aflita. — Eu pensei que tinha perdido você. Depois pensei que tinha perdido você de novo. Vê-la caída no chão, pálida, fria, inconsciente… vi meus piores medos transformados em realidade. E agora você está aqui, forte e corajosa… me transmitindo esperança. E me amando depois de tudo o que eu fiz.

— É verdade, eu amo você, Christian, desesperadamente. Vou amar você para sempre.

Ele segura minha cabeça com delicadeza e limpa minhas lágrimas com os polegares. Nossos olhares se encontram, e capto seu medo, sua admiração, seu amor.

— Eu também amo você — fala ele, baixinho. E me beija com ternura e afeição, como um homem que adora a esposa. — Vou tentar ser um bom pai — acrescenta, seus lábios contra os meus.

— Vai tentar, vai conseguir. E verdade seja dita: você não tem opção, porque o Pontinho e eu não vamos a lugar algum.

— Pontinho?

— Pontinho.

Ele levanta as sobrancelhas.

— Eu tinha pensado em Júnior.

— Que seja Júnior, então.

— Mas eu gostei de Pontinho.

Ele sorri timidamente e me beija mais uma vez.

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