CAPÍTULO VINTE E DOIS

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—Jack.

Minha voz desapareceu, sufocada pelo medo. Como ele saiu da prisão? Como está com o telefone da Mia? O sangue se esvai do meu rosto, e me sinto tonta.

— Ah, então você se lembra de mim — diz ele, a voz suave. Posso imaginar seu sorriso amargo.

— É evidente. — Minha resposta é automática; minha cabeça está a mil.

— Você deve estar se perguntando por que resolvi telefonar.

— E estou.

Desligue.

— Não desligue. Eu andei batendo um papo com a sua cunhadinha.

O quê? Mia! Não!

— O que você fez? — murmuro, tentando conter meu pavor.

— Escute aqui, sua puta vendida e safada. Você fodeu com a minha vida. O Grey fodeu com a minha vida. Você me deve muito. Eu estou com a putinha aqui comigo agora. E você, aquele filho da puta do seu marido e toda a maldita família dele vão me pagar.

O desprezo e a cólera de Jack me chocam. A família dele? Que merda é essa?

— O que você quer?

— Eu quero o dinheiro dele. Quero a porra do dinheiro dele, ah, se quero. Se as coisas tivessem sido diferentes, podia ter sido eu. Então, você vai conseguir essa grana para mim. Quero cinco milhões de dólares, hoje.

— Jack, eu não tenho acesso a tanto dinheiro assim.

Jack destila seu menosprezo:

— Você tem duas horas para arrumar a grana. Só isso: duas horas. Não conte para ninguém, ou essa putinha aqui já era. Nem polícia, nem o sacana do seu marido. Nem o pessoal da segurança. Eu vou saber, está entendendo? — Ele faz uma pausa, e tento responder, mas o pânico e o temor fecharam minha garganta. — Você entendeu? — grita ele.

— Entendi — sussurro.

— Senão eu mato a putinha.

Minha respiração falha.

— Mantenha o telefone por perto. Não conte para ninguém, ou antes de matar a sua cunhadinha eu dou uma canseira nela. Você tem duas horas.

— Jack, eu preciso de mais tempo. Três horas. E como vou saber que ela está mesmo com você?

A ligação cai. Olho aterrorizada para o telefone, os lábios crispados com medo e, na boca, um horrível gosto metálico de pavor. Mia, ele está com a Mia. Será mesmo? Minha mente ferve diante da obscena possibilidade, e meu estômago fica embrulhado de novo. Acho que vou vomitar, mas respiro fundo, tentando apaziguar o pânico, e o enjoo passa. Rapidamente, considero as possibilidades. Contar a Christian? Contar a Taylor? Chamar a polícia? Como Jack vai saber? Será que ele realmente sequestrou Mia? Preciso de tempo, tempo para pensar — mas só vou conseguir isso se seguir as instruções dele. Pego a bolsa e corro até a porta.

— Hannah, vou ter que sair. Não sei ao certo quanto tempo vou demorar. Cancele todos os meus compromissos desta tarde. Avise à Elizabeth que precisei resolver um assunto urgente.

— Claro, Ana. Está tudo bem? — Ela franze a testa, sua fisionomia demonstrando preocupação ao me ver sair correndo.

— Sim — respondo distraidamente, dirigindo-me às pressas para a recepção, onde Sawyer me espera. — Sawyer.

Ele salta da poltrona ao som da minha voz e franze o cenho ao notar a expressão no meu rosto.

— Não estou me sentindo bem. Por favor, me leve para casa.

— Claro, madame. Quer esperar aqui enquanto pego o carro?

— Não, vou com você. Estou com muita pressa de chegar em casa.

* * *

OLHO PELA JANELA em completo terror enquanto repasso meu plano. Chegar em casa. Trocar de roupa. Pegar o talão de cheques. Dar um jeito de me livrar de Ryan e Sawyer. Ir ao banco. Droga, quanto espaço será que ocupam cinco milhões de dólares? Será que pesa muito? Vou precisar de uma mala? Será que tenho que telefonar para o banco com antecedência? Mia. Mia. E se ele não estiver com a Mia? Como posso ter certeza? Se eu telefonar para Grace, ela vai desconfiar, e isso pode colocar a vida de Mia em risco. Ele disse que tinha como saber. Olho pelo vidro escuro do SUV. Será que estou sendo seguida? Examino os carros atrás de nós, meu coração disparado. Parecem inofensivos. Ah, Sawyer, mais rápido. Por favor. Meus olhos encontram os dele pelo retrovisor, e sua expressão preocupada se acentua.

Sawyer pressiona um botão do seu headset de bluetooth para atender a uma chamada.

— T… só queria que você soubesse que a Sra. Grey está comigo. — Seus olhos encontram os meus mais uma vez antes de ele voltar sua atenção novamente para o tráfego e continuar com a ligação: — Ela não está se sentindo bem e pediu para ir para casa. Estamos a caminho do Escala… Entendi… senhor. — Mais uma vez Sawyer tira os olhos da rua para me fitar pelo espelho. — Tudo bem — concorda ele, e desliga.

— Taylor? — murmuro.

Ele anui com a cabeça.

— Ele está com o Sr. Grey?

— Sim, madame. — Sua expressão se suaviza, mostrando solidariedade.

— Eles ainda estão em Portland?

— Estão, madame.

Ótimo. Tenho que proteger Christian. Levo a mão à barriga e a esfrego conscientemente. E você também, Pontinho. Proteger vocês dois.

— Podemos ir mais depressa, por favor? Não estou me sentindo bem.

— Certo, madame.

Sawyer pisa no acelerador, e nosso carro avança pelo trânsito.

* * *

A SRA. JONES não se encontra em nenhum lugar à vista quando Sawyer e eu entramos no apartamento. Já que o carro dela não está na garagem, presumo que tenha saído com Ryan para resolver alguma coisa qualquer. Sawyer se dirige ao escritório de Taylor enquanto eu disparo para o de Christian. Fico tateando em pânico sobre a mesa dele e arrombo a gaveta para pegar o talão de cheques. O revólver de Leila escorrega para a frente. Sinto uma pontada inconveniente de aborrecimento por Christian não ter guardado a arma em local mais seguro. Ele não entende nada de armas. Céus, vai acabar se machucando.

Depois de hesitar por um minuto, pego o revólver, verifico se está carregado e o enfio no cós da minha calça preta folgada. Talvez eu venha a precisar. Engulo em seco. Até hoje eu só pratiquei em alvos. Nunca apontei uma arma para ninguém; espero que Ray me perdoe. Concentro-me, então, em descobrir o talão de cheques correto. Há cinco deles, e apenas um nos nomes de C. Grey e Sra. A. Grey. Tenho cerca de cinquenta e quatro mil dólares na minha conta particular. Não faço ideia de quanto há na conta conjunta. Mas é bem capaz de que Christian tenha cinco milhões. Será que há dinheiro no cofre? Droga. Não faço ideia do segredo. Acho que uma vez ele mencionou que o segredo estava no armário de arquivos. Tento abrir o armário, mas está trancado. Merda. Vou ter que voltar ao plano A.

Respiro fundo e, mais calma, porém ainda determinada, vou até o nosso quarto. A cama foi arrumada, e por um minuto sinto certa angústia. Talvez eu devesse ter dormido aqui na noite passada. De que adianta discutir com alguém que admite, ele próprio, ter cinquenta tons? Ele não está nem falando comigo. Não; não tenho tempo para pensar nisso agora.

Rapidamente troco de roupa: visto uma calça jeans e um suéter com capuz e calço um tênis. Coloco a arma no cós da calça, na parte de trás. Apanho uma enorme bolsa de lona macia. Será que cabem cinco milhões de dólares aqui? A bolsa de ginástica de Christian está ali jogada num canto. Eu a abro, esperando encontrar um monte de roupa suja, mas não… está tudo limpo e cheiroso. A Sra. Jones cuida mesmo de tudo. Despejo o conteúdo todo no chão e a coloco dentro da minha bolsa de lona. Bom, acho que isso vai ser suficiente. Verifico se estou com minha carteira de motorista para apresentar no banco e olho as horas. Faz trinta e um minutos que Jack ligou. Agora eu só tenho que sair do Escala sem Sawyer me ver.

Caminho lenta e silenciosamente até o hall, ciente da câmera de vigilância, que fica acoplada no elevador. Acho que Sawyer ainda está no escritório de Taylor. Abro com cuidado a porta do hall, fazendo o mínimo de ruído possível. Fecho-a atrás de mim em silêncio e fico embaixo da soleira, apoiada na porta, longe do campo de visão das lentes da câmera. Pego o celular da bolsa e ligo para Sawyer.

— Pronto, Sra. Grey.

— Sawyer, estou no quarto de cima; você pode vir aqui me ajudar? — digo em voz baixa, pois sei que ele está aqui perto, poucos metros depois desta porta.

— Já estou indo, madame — responde ele, e percebo que ficou confuso.

Eu nunca tinha telefonado para ele pedindo ajuda. Meu coração parece que vai sair pela boca, batendo num ritmo instável e frenético. Será que isso vai dar certo? Desligo, e então ouço os passos dele atravessando a entrada e subindo as escadas. Respiro fundo mais uma vez, tentando me tranquilizar, enquanto, por um momento, penso em como é irônico ter que fugir da minha própria casa como um marginal.

Logo que Sawyer chega ao segundo andar, corro até a porta do elevador e pressiono o botão para chamá-lo. As portas se abrem com um plim! alto demais, anunciando que o elevador chegou. Entro e aperto furiosamente o botão da garagem. Após uma pausa agonizante, as portas começam a se fechar devagar, e é então que ouço Sawyer gritar.

— Sra. Grey! — Assim que as portas do elevador se fecham, eu o vejo despontar no hall. — Ana! — chama ele, sem acreditar no que está acontecendo. Mas já é tarde demais, e sua figura desaparece de vista.

O elevador desce suavemente até o nível da garagem. Tenho alguns minutos de vantagem sobre Sawyer, e sei que ele vai tentar me deter. Olho desejosa para meu R8, mas corro para o Saab, abro a porta, jogo a bolsa de lona no banco do carona e me sento ao volante.

Ligo o carro e saio cantando pneu até a entrada, onde fico esperando onze intermináveis segundos até a cancela se abrir. Assim que posso, acelero, a tempo de ver, pelo espelho retrovisor, Sawyer saindo em disparada do elevador de serviço. Sua expressão desnorteada e injuriada me persegue quando viro para pegar a Quarta Avenida.

Solto finalmente o ar, preso esse tempo todo. Sei que Sawyer vai ligar para Christian ou Taylor, mas depois eu vejo o que fazer — não tenho tempo para pensar nisso agora. Eu me mexo desconfortável no banco do carro, sabendo no fundo do coração que Sawyer provavelmente perdeu o emprego. Não pense. Tenho que salvar Mia. Preciso chegar ao banco e sacar cinco milhões de dólares. Olho pelo retrovisor, esperando ver o SUV saindo desvairado da garagem, mas vou me distanciando sem o menor sinal de Sawyer.

* * *

O BANCO É MODERNO, agradável e de bom gosto. Há burburinho de vozes baixas, pisos que ecoam os passos das pessoas e vidro verde jateado para todo lado. Vou até o balcão de informações.

— Posso ajudá-la, madame?

A jovem me dá um sorriso largo e falso, e por um instante eu me arrependo de ter vestido calça jeans.

— Eu gostaria de retirar uma quantia considerável de dinheiro.

A Srta. Sorriso Falso arqueia uma sobrancelha ainda mais falsa.

— A senhora tem conta conosco? — Ela não consegue ocultar o sarcasmo.

— Tenho — falo rispidamente. — Meu marido e eu temos diversas contas aqui. O nome dele é Christian Grey.

Os olhos da moça se ampliam quase imperceptivelmente, e sua falsidade dá lugar ao choque. Ela me olha de alto a baixo mais uma vez, agora numa mistura de descrença e admiração.

— Por aqui, madame — murmura, e me conduz até uma sala pequena, com poucos móveis e paredes do mesmo vidro verde jateado. — Por favor, sente-se. — Ela aponta para uma cadeira de couro preto perto de uma mesa de vidro onde estão um computador de última geração e um telefone. — Quanto a senhora gostaria de sacar hoje, Sra. Grey? — pergunta ela amavelmente.

— Cinco milhões de dólares. — Eu a fito nos olhos, como se fosse uma quantia que eu retirasse diariamente.

Ela empalidece.

— Muito bem. Vou chamar o gerente. Ah, desculpe perguntar, mas a senhora trouxe algum documento de identificação?

— É claro. Mas eu gostaria de falar com o gerente.

— Certamente, Sra. Grey.

Ela sai depressa da saleta. Eu afundo na cadeira, com uma onda de enjoo ao sentir a arma pressionando a base das minhas costas. Agora não. Não posso vomitar aqui. Respiro fundo, e o enjoo passa. Consulto o relógio, nervosa. Duas e vinte e cinco.

Um senhor de meia-idade entra na saleta. Seu cabelo é escasso e ele veste um terno cor de carvão, caro e bem-cortado, e uma gravata do mesmo tom. Ele estende a mão.

— Sra. Grey. Meu nome é Troy Whelan. — Ele sorri, apertamos as mãos, e ele se senta do outro lado da mesa. — Fui informado de que a senhora gostaria de retirar uma grande quantia de dinheiro.

— É verdade. Cinco milhões de dólares.

Ele se vira para o impecável computador e digita alguns números.

— Normalmente solicitamos que nos avisem com antecedência em casos de retirada de valores tão altos. — Ele faz uma pausa e me lança um sorriso tranquilizador mas arrogante. — Felizmente, porém, nós dispomos da reserva de caixa para toda a região do noroeste do Pacífico — vangloria-se.

Meu Deus, será que ele está tentando me impressionar?

— Sr. Whelan, eu estou com pressa. O que preciso fazer? Trouxe minha carteira de motorista e o talão de cheques da nossa conta conjunta. É só eu preencher um cheque?

— Uma coisa de cada vez, Sra. Grey. Posso ver sua identidade? — Ele se transforma de jovial exibido para bancário eficiente.

— Aqui está. — Entrego-lhe o documento.

— Sra. Grey… aqui diz Anastasia Steele.

Ah, merda.

— Ah… é mesmo. Hmm.

— Vou ligar para o Sr. Grey.

— Ah, não, não vai ser necessário. — Merda! — Devo ter algum documento com o nome de casada. — Procuro dentro da bolsa. Que documento tem o meu nome de casada? Pego a carteira, abro-a e vejo uma fotografia minha e de Christian na cama, na cabine do Fair Lady. Não posso mostrar isso a ele! Pego o meu Amex preto. — Aqui está.

— Sra. Anastasia Grey — Whelan lê o nome impresso. — Acho que isso vai ser suficiente. — Ele franze o cenho. — Esse procedimento é bastante irregular, Sra. Grey.

— O senhor quer que eu diga ao meu marido que o seu banco não foi muito solícito comigo? — Empertigo os ombros e lanço-lhe meu olhar mais ameaçador.

Ele para por um instante, reavaliando-me, acho.

— A senhora vai ter que preencher um cheque, Sra. Grey.

— Claro. Desta conta? — Mostro o talão de cheques a ele, tentando controlar meu coração acelerado.

— Sim, está ótimo. Também vou precisar que a senhora preencha alguns papéis. Pode me dar licença um instante?

Faço um gesto de anuência, e ele se levanta e sai da sala com um porte arrogante. Novamente, solto o ar preso. Não imaginei que isso seria tão difícil. Desajeitada, abro o talão e tiro uma caneta da bolsa. Coloco ao portador? Não faço ideia. Com dedos trêmulos, escrevo: Cinco milhões de dólares. US$ 5.000.000,00.

Ah, meu Deus, tomara que eu esteja fazendo a coisa certa. Mia, pense em Mia. Não posso contar para ninguém.

As repugnantes e ameaçadoras palavras de Jack me assombram: “Não conte para ninguém, ou antes de matar a sua cunhadinha eu dou uma canseira nela.”

O Sr. Whelan retorna, o rosto pálido e encabulado.

— Sra. Grey? Seu marido quer falar com a senhora — murmura ele, e aponta para o telefone sobre a mesa de vidro.

O quê? Não.

— Ele está na linha um. É só apertar o botão. Vou esperar lá fora.

Ele pelo menos tem a dignidade de parecer constrangido. Judas perde para Whelan. Sinto o sangue fugir do meu rosto e fecho a cara para Whelan depois que ele sai da sala.

Merda! Merda! Merda! O que eu vou dizer a Christian? Ele vai saber. Vai intervir. Ele é um perigo para a irmã. Minha mão treme ao pegar o telefone. Levo-o à orelha, tentando acalmar minha respiração instável, e pressiono o botão para a linha um.

— Oi — murmuro, tentando inutilmente acalmar os nervos.

— Você está me deixando? — Suas palavras não passam de um sussurro ofegante e cheio de angústia.

O quê?

— Não!

Minha voz não parece muito diferente da dele. Ah, não. Ah, não. Ah, nãocomo ele pode pensar uma coisa dessas? Será o dinheiro? Ele acha que eu estou indo embora por causa do dinheiro? E, em um lampejo de terrível clareza, percebo que a única maneira de manter Christian afastado e longe do perigo, e também a única forma de salvar a irmã dele… é mentir.

— Sim — murmuro.

E uma dor lancinante me acomete, as lágrimas brotando nos olhos.

Ele engole em seco, quase um soluço.

— Ana, eu… — Ele não consegue terminar a frase.

Não! Aperto a boca com a mão na tentativa de conter as emoções.

— Christian, por favor. Não faça isso. — Luto contra as lágrimas.

— Você vai embora? — pergunta ele.

— Vou.

— Mas por que o dinheiro? Esse tempo todo foi só pelo dinheiro? — Sua voz angustiada é quase inaudível.

Não! As lágrimas descem pelo meu rosto.

— Não — sussurro.

— Cinco milhões de dólares basta?

Ah, por favor, pare!

Basta.

— E o bebê? — Sua voz soa como um eco ofegante.

O quê? Minha mão desce da boca para a barriga.

— Vou tomar conta do bebê — murmuro. Meu Pontinho… nosso Pontinho.

— É isso o que você quer?

Não!

— É.

Ele inspira profundamente.

— Pode tirar tudo — fala com rispidez.

— Christian — digo entre soluços. — É para você. Para a sua família. Por favor. Não faça isso.

— Pegue tudo, Anastasia.

— Christian…

E quase volto atrás. Quase conto tudo para ele: sobre Jack, sobre Mia, sobre o resgate. Por favor, confie em mim!, imploro internamente a ele.

— Vou amar você para sempre. — Sua voz soa rouca. Ele desliga.

— Christian! Não… Eu também amo você.

E toda a estupidez daquilo por que passamos nos últimos dias, todo o mal que fizemos um ao outro, tudo perde completamente a importância. Eu prometi que nunca o deixaria. Não estou deixando você, Christian. Estou salvando a sua irmã. Afundo na poltrona, chorando copiosamente com as mãos no rosto.

Sou interrompida por uma tímida batida na porta. Whelan entra, embora eu não tenha respondido. Ele olha para todos os lados, menos para mim. Está mortificado.

Você ligou para ele, seu filho da mãe! Eu o fuzilo com o olhar.

— Seu marido concordou em resgatar cinco milhões de dólares dos investimentos, Sra. Grey. Isso é bastante irregular, mas, como nosso principal cliente… ele insistiu na transação… insistiu muito.

Ele faz uma pausa e cora. Depois franze o cenho ao olhar para mim, e não sei se é por Christian estar agindo de forma bastante incomum ou porque Whelan não sabe o que fazer com uma mulher aos prantos em sua sala.

— A senhora está bem? — pergunta ele.

— Eu pareço bem? — retruco.

— Sinto muito, madame. Quer um copo d’água?

Aquiesço, com expressão emburrada. Acabo de abandonar meu marido. Bom, pelo menos é o que Christian acha. Meu inconsciente torce os lábios. Porque você disse isso a ele.

— Vou pedir que lhe tragam água enquanto eu providencio o dinheiro. Se a senhora puder assinar aqui, madame… e preencher o cheque e assinar também.

Whelan coloca um formulário em cima da mesa. Rabisco minha assinatura na linha pontilhada do cheque e do formulário. Anastasia Grey. As lágrimas caem na mesa, quase molhando a papelada.

— Vou levar os documentos, madame. Será preciso cerca de meia hora para levantar todo o montante.

Dou uma rápida olhada no relógio. Jack pediu duas horas — tudo deve acabar no tempo previsto. Faço que sim com a cabeça, e Whelan sai do escritório pé ante pé, deixando-me sozinha com a minha dor.

Alguns segundos, minutos, horas depois — não sei dizer —, a Srta. Sorriso Falso retorna com uma jarra de água e um copo.

— Sra. Grey — diz ela suavemente ao colocar o copo em cima da mesa e enchê-lo.

— Obrigada.

Pego o copo e bebo com alívio. Ela se retira, deixando-me ali com meus pensamentos confusos e aterradores. Vou encontrar algum modo de me acertar com Christian… se não for tarde demais. Pelo menos ele está fora de cena. Neste exato momento, tenho que me concentrar em Mia. E se Jack estiver mentindo? E se não a tiver sequestrado? Eu realmente deveria avisar à polícia.

“Não conte para ninguém, ou antes de matar a sua cunhadinha eu dou uma canseira nela.” Não posso. Eu me recosto na cadeira, sentindo a presença reconfortante do revólver de Leila preso à minha cintura, cravado às minhas costas. Quem diria que algum dia eu seria grata a Leila por ter apontado uma arma para mim? Ah, Ray, estou tão feliz que você tenha me ensinado a atirar.

Ray! Engulo em seco. Eu combinei de visitá-lo hoje à noite. Talvez eu possa simplesmente deixar o dinheiro com Jack. Ele pode fugir enquanto eu levo Mia para casa. Ah, isso parece absurdo!

Meu BlackBerry toca, “Your Love Is King” preenchendo o recinto. Ah, não! O que Christian quer? Torcer a faca que cravou nas minhas feridas?

Esse tempo todo foi só pelo dinheiro?

Ah, Christian… como você pôde pensar isso? A raiva me consome. Isso mesmo, raiva. Isso vai ajudar. Deixo a chamada cair na caixa postal. Vou ver o que faço com meu marido mais tarde.

Alguém bate à porta.

— Sra. Grey. — É Whelan. — A quantia já está pronta.

— Obrigada.

Eu me levanto, e o escritório parece rodar; apoio-me na cadeira.

— Sra. Grey, está se sentindo bem?

Aquiesço, e lanço para ele um olhar do tipo saia-da-minha-frente-agora-mesmo. Inspiro profundamente de novo, para me acalmar. Tenho que fazer isso. Tenho que fazer isso. Preciso salvar a Mia. Puxo a bainha do suéter para baixo, de modo a esconder o cano do revólver nas minhas costas.

O Sr. Whelan franze a testa, mas mantém a porta aberta, e eu me forço a sair, caminhando sobre minhas pernas trêmulas.

Sawyer está esperando na entrada, olhando em volta. Merda! Nossos olhares se cruzam, e ele franze as sobrancelhas, avaliando minha reação. Ah, ele está possesso. Levanto o indicador como se dissesse “já vou falar com você”. Ele concorda com um aceno de cabeça e atende a uma chamada no celular. Merda! Aposto que é Christian. Bruscamente dou meia-volta, quase colidindo com Whelan logo atrás de mim, e me precipito novamente para dentro da sala.

— Sra. Grey? — diz Whelan, e parece confuso ao ir atrás de mim até a saleta.

Sawyer poderia estragar todo o plano. Ergo o olhar para Whelan.

— Tem uma pessoa ali fora com quem eu não quero falar. Ele está me seguindo.

Os olhos de Whelan se arregalam.

— A senhora quer que eu chame a polícia?

— Não!

Puta merda, não. O que eu vou fazer? Verifico as horas. São quase três e quinze. Jack vai telefonar a qualquer momento. Pense, Ana, pense! Whelan me fita com crescente desespero e perplexidade. Ele deve achar que eu sou louca. Você é louca, retruca meu inconsciente.

— Preciso dar um telefonema. O senhor poderia me dar licença, por favor?

— É claro — responde Whelan, e acho que ele fica aliviado ao sair da sala. Quando ele fecha a porta, ligo para o celular de Mia com dedos trêmulos.

— Ora, ora, se não é o meu bilhete de loteria — atende Jack, com escárnio.

Não tenho tempo para a conversa mole dele.

— Estou com um problema.

— Eu sei. O seu segurança seguiu você até o banco.

O quê? Como ele sabe?

— Você vai ter que se livrar dele. Eu tenho um carro esperando atrás do banco. Um SUV preto, um Dodge. Você tem três minutos para chegar lá. — O Dodge!

— Talvez leve mais do que três minutos.

Meu coração quase sai pela boca de novo.

— Você é bem esperta para uma puta vendida, Grey. Vai dar um jeito. E jogue fora seu celular assim que alcançar o veículo. Entendeu, piranha?

— Entendi.

— Repita! — ordena ele rispidamente.

— Entendi!

Ele desliga.

Merda! Abro a porta e vejo Whelan esperando-me pacientemente.

— Sr. Whelan, preciso de ajuda para levar as sacolas para o carro. Está estacionado lá fora, atrás do banco. Existe alguma saída nos fundos?

Ele franze o cenho.

— Existe, sim. Para os funcionários.

— Podemos sair por ali? Assim eu evito a atenção indesejada na porta principal.

— Como preferir, Sra. Grey. Vou pedir a dois funcionários para ajudarem com as sacolas e dois seguranças. Venha comigo, por favor.

— Vou pedir mais um favor ao senhor.

— Às suas ordens, Sra. Grey.

* * *

DOIS MINUTOS DEPOIS, eu e minha comitiva estamos na rua, nos dirigindo para o Dodge. Os vidros são escuros, e não consigo distinguir quem está na direção. Porém, quando estamos nos aproximando, a porta do motorista se abre e uma mulher vestida de preto, com um boné também preto puxado de forma a cobrir os olhos, desce graciosamente do carro. Elizabeth, da SIP! Como assim? Ela vai até a traseira do SUV e abre o porta-malas. Os dois jovens funcionários do banco que estão carregando o dinheiro depositam as pesadas sacolas ali dentro.

— Sra. Grey. — Ela tem a audácia de sorrir como se estivéssemos em um passeio amigável.

— Elizabeth. — Meu cumprimento é glacial. — Que bom ver você fora do escritório.

O Sr. Whelan limpa a garganta.

— Bem, foi uma tarde interessante, Sra. Grey — diz ele.

E sou forçada a realizar as formalidades sociais de cumprimentá-lo e agradecer-lhe enquanto minha mente está a mil. Elizabeth? Por que ela se juntou a Jack? Whelan e seu grupo retornam para o banco, deixando-me sozinha com a chefe de recursos humanos da SIP, que está envolvida em sequestro, extorsão e, muito possivelmente, outros crimes. Por quê?

Elizabeth abre a porta de trás e faz sinal para eu entrar.

— Seu telefone, Sra. Grey? — pede ela, observando-me com desconfiança. Eu o entrego nas suas mãos, e ela o joga numa lata de lixo próxima.

— Isso vai dar uma despistada — diz, presunçosa.

Afinal, quem é esta mulher? Ela fecha minha porta com violência e se senta ao volante. Olho para trás, tensa, à medida que ela dá partida e sai com o carro, seguindo na direção leste. Não vejo Sawyer em lugar algum.

— Elizabeth, você já está com o dinheiro. Ligue para o Jack. Diga a ele para soltar a Mia.

— Acho que ele quer agradecer pessoalmente.

Merda! Encaro-a com um olhar pétreo pelo retrovisor.

Ela empalidece, e uma careta ansiosa desfigura seu rosto tão bonito.

— Por que está fazendo isso, Elizabeth? Achei que você não gostasse do Jack.

Novamente ela me olha de relance pelo espelho, e percebo um lampejo de dor cruzar seu rosto.

— Ana, vamos nos dar muito bem se você ficar de boca fechada.

— Mas você não pode fazer isso. É tão errado…

— Calada — diz ela, mas noto seu desconforto.

— Ele está coagindo você de alguma maneira? — pergunto.

Ela me fuzila com o olhar, e então pisa no freio bruscamente, fazendo-me cair para a frente com tanta força que bato com o rosto no apoio de cabeça do assento diante de mim.

— Eu mandei ficar calada — fala ela, rispidamente. — E sugiro que coloque o cinto de segurança.

E neste momento eu vejo que sim, ele tem algum meio de coagi-la. Algo tão terrível que ela está disposta a fazer isso. Fico pensando por um instante o que poderia ser. Desfalque na companhia? Algo da vida pessoal dela? Algo sexual? Estremeço só de pensar. Christian disse que nenhuma das ex-assistentes pessoais de Jack quis falar. Talvez seja a mesma história com todas elas. É por isso que ele quis transar comigo também. Sinto a bile subir à boca, enojada ante esse pensamento.

Elizabeth se afasta do centro de Seattle e começa a subir rumo às colinas que ficam a leste. Logo estamos passando por ruas residenciais. Avisto uma das placas: Rua South Irving. Ela vira abruptamente para a esquerda em uma rua deserta onde, de um lado, há um parque infantil decadente, e, do outro, um amplo estacionamento em concreto, ladeado por uma fileira de prédios baixos e vazios feitos de tijolinhos vermelhos. Ela entra no estacionamento e para diante do último prédio.

Então se vira para mim.

— Hora do show — murmura.

Meu couro cabeludo começa a pinicar, a adrenalina e o medo fluindo no meu organismo.

— Você não precisa fazer isso — sussurro em resposta.

Elizabeth aperta os lábios, sua boca formando uma linha severa, e ela desce do carro.

Isso é pela Mia. Isso é pela Mia. Rezo rapidamente: Por favor, que ela esteja bem; por favor, que ela esteja bem.

— Saia — ordena Elizabeth rispidamente, abrindo a porta de trás com um puxão.

Merda. Quando desço do carro, minhas pernas tremem tanto que não sei se vou conseguir me manter de pé. A brisa fresca do fim de tarde traz o aroma do outono vindouro, assim como o cheiro de poeira e cal vindo dos prédios abandonados.

— Ora, ora, vejam só.

Jack emerge de uma porta pequena e coberta de tábuas à esquerda do prédio. Ele cortou o cabelo, tirou os brincos e está usando um terno. Um terno? Ele se aproxima a passos lentos, destilando arrogância e ódio. As batidas do meu coração chegam ao máximo.

— Onde está a Mia? — gaguejo, minha boca tão seca que mal consigo articular as palavras.

— Existem prioridades, piranha — zomba ele, parando bem na minha frente. Quase consigo sentir o gosto do seu desprezo. — Cadê o dinheiro?

Elizabeth está examinando as sacolas no porta-malas.

— Tem uma montanha de dinheiro aqui — diz ela, estupefata, abrindo e fechando cada sacola.

— E o celular?

— No lixo.

— Ótimo — diz Jack, quase rosnando, e do nada ele me dá um tapa, batendo as costas da mão contra o meu rosto com força.

O golpe violento e gratuito me joga no chão, e minha cabeça resvala no concreto com uma pancada nauseante. Minha cabeça explode de dor, meus olhos se enchem de lágrimas e minha visão fica embaçada, o choque do impacto ressoando e liberando uma agonia que lateja no meu crânio.

Solto um grito baixo de pavor, choque e sofrimento. Ah, não… Pontinho. Jack não perde tempo e desfere um chute rápido e cruel nas minhas costelas; o ar foge dos meus pulmões com a força do golpe. Aperto os olhos ao máximo, tentando reprimir o enjoo e a dor, buscando o precioso ar. Pontinho, Pontinho, ah, meu Pontinho…

— Isso é pela SIP, sua piranha filha da puta! — grita Jack.

Puxo as pernas para cima, encolhendo-me como uma bola e esperando o próximo golpe. Não. Não. Não.

— Jack! — berra Elizabeth. — Aqui não. Não em plena luz do dia, porra!

Ele faz uma pausa.

— Mas ela merece, essa puta! — exulta ele.

E isso me dá um precioso segundo para me virar e puxar o revólver. Tremendo, miro em Jack, aperto o gatilho e atiro. A bala o atinge logo acima do joelho, e ele cai na minha frente, gritando de agonia, agarrando a coxa, seus dedos cada vez mais vermelhos de sangue.

Puta que pariu! — urra Jack.

Viro o rosto para Elizabeth, que me fita boquiaberta, apavorada, e levanta as mãos acima da cabeça. Sua imagem fica borrada… a escuridão me cerca. Merda… Ela está no fim de um túnel. A escuridão se apossa dela. De mim. Ao longe, vejo o caos irromper. Pneus de carros cantando… freadas… portas… gritaria… correria… passos. A arma cai da minha mão.

— Ana!

É a voz de Christian… a voz de Christian… a voz de Christian em agonia. Mia… salvar Mia.

— ANA!

Escuridão… paz.

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