CAPÍTULO VINTE E QUATRO

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—Por mais que eu queira passar o dia todo beijando você, o seu café da manhã está esfriando — murmura Christian, com os lábios grudados nos meus. Ele me fita, achando graça, mas seus olhos ficam mais escuros e sensuais. Puta merda, ele mudou de novo. Meu Sr. Instável. — Coma — ordena ele, com voz suave.

Engulo em seco diante do seu olhar provocante, e volto para a cama, com cuidado para não puxar o tubo do soro. Ele empurra a bandeja para mim. O mingau de aveia esfriou, mas as panquecas, ainda cobertas, estão boas — na verdade, são de dar água na boca.

— Você sabe — falo entre uma garfada e outra — que o Pontinho pode ser uma menina, não sabe?

Christian passa a mão no cabelo.

— Duas mulheres, hein? — Seu rosto revela sobressalto, e o olhar sedutor desaparece.

Ah, merda.

— Você tem preferência?

— Preferência?

— Menino ou menina.

Ele franze a testa.

— Prefiro com saúde — diz ele baixinho, evidentemente desconcertado com a pergunta. — Coma — acrescenta bem rápido, e sei que está tentando mudar de assunto.

— Estou comendo, estou comendo… Nossa, relaxe um pouco, Grey.

Observo-o com cuidado. Os cantos dos seus olhos estão enrugados de preocupação. Ele disse que vai tentar, mas sei que ainda está apavorado com a ideia do bebê. Ah, Christian, eu também estou. Ele se senta na cadeira ao meu lado e pega o Seattle Times.

— Você saiu no jornal de novo, Sra. Grey — diz ele, em tom amargo.

— De novo?

— Os picaretas estão só repetindo a história de ontem, mas parece correta quanto aos fatos. Quer ler?

Balanço a cabeça em negativa.

— Leia para mim. Estou comendo.

Ele dá um sorriso e começa a ler em voz alta. É um relato sobre Jack e Elizabeth, pintando o casal como uma versão moderna de Bonnie e Clyde. Em poucas palavras cobre o sequestro de Mia, meu envolvimento no resgate dela, e o fato de Jack e eu estarmos internados no mesmo hospital. Como é que a imprensa consegue toda essa informação? Preciso perguntar isso a Kate.

Quando Christian termina, peço:

— Por favor, leia mais alguma coisa; gosto de ouvir você.

Ele concorda e pega uma reportagem sobre a expansão de uma padaria especializada em bagels e uma outra relatando que a Boeing foi obrigada a cancelar o lançamento de uma aeronave. Christian franze a testa ao ler. Porém, ao ouvir sua voz suave enquanto como, e tendo a certeza de que estou bem, que Mia está bem e que meu Pontinho está bem, sinto um precioso momento de paz apesar de tudo o que aconteceu nos últimos dias.

Eu entendo que Christian esteja assustado com a minha gravidez, mas não entendo a intensidade do seu medo. Decido falar mais com ele sobre isso. Ver se consigo deixá-lo mais à vontade. O que me intriga é que ele não pode sentir falta de modelos positivos de pai e mãe. Tanto Grace quanto Carrick são exemplares, ou pelo menos assim parece. Talvez tenha sido a interferência da Monstra Filha da Mãe que o afetou tanto. Gosto de pensar assim. Na realidade, porém, acho que tudo remonta à sua mãe biológica, embora eu tenha certeza de que a Mrs. Robinson não ajudou muito. Interrompo meus pensamentos quando me recordo vagamente de uma conversa sussurrada. Droga! É uma conversa que está guardada em um canto da minha memória, quando eu ainda estava inconsciente. Era Christian conversando com Grace. Tudo se dissolve nas sombras da minha mente. Ah, é tão frustrante.

Fico pensando se Christian algum dia vai dizer voluntariamente por que foi procurá-la ou se terei que extrair dele essa informação. Estou prestes a perguntar-lhe quando alguém bate à porta.

O detetive Clark entra no quarto já se desculpando. E ele tem toda razão em pedir desculpas, pois meu coração se aperta quando o vejo.

— Sr. e Sra. Grey. Estou atrapalhando?

— Sim — dispara Christian.

Clark o ignora.

— Fico contente por vê-la acordada, Sra. Grey. Preciso lhe fazer algumas perguntas sobre os acontecimentos da tarde de quinta-feira. Apenas rotina. Agora seria conveniente?

— Claro — balbucio, embora não queira reviver esses acontecimentos.

— Minha mulher deveria estar descansando — reclama Christian.

— Não vou demorar, Sr. Grey. Além do mais, assim eu já deixo o casal em paz.

Christian se levanta e oferece a cadeira para Clark, depois se senta ao meu lado na cama, pega minha mão e a aperta, para me tranquilizar.

* * *

MEIA HORA DEPOIS, Clark já acabou suas perguntas. Não acrescentou nenhuma novidade, mas recontei os eventos de quinta-feira em voz baixa e entrecortada, observando como Christian ficava pálido e angustiado em algumas partes.

— Eu queria era que você tivesse mirado mais em cima — balbucia Christian.

— Teria feito um bem às mulheres — concorda Clark.

O quê?

— Obrigado, Sra. Grey. É tudo por enquanto.

— O senhor não vai deixar o Hyde livre novamente, vai?

— Acho difícil que ele consiga fiança dessa vez, madame.

— Aliás, quem pagou para soltá-lo? — pergunta Christian.

— Isso é informação sigilosa.

Christian franze a testa, mas acho que ele suspeita de alguém. Clark se levanta para sair no momento que a Dra. Singh e dois médicos residentes entram no quarto.

* * *

APÓS UM EXAME minucioso, a Dra. Singh me declara apta a voltar para casa. Christian relaxa de alívio visivelmente.

— Sra. Grey, fique atenta caso as dores de cabeça piorem ou a sua visão fique embaçada. Se isso ocorrer, retorne ao hospital imediatamente.

Aquiesço, tentando conter minha imensa satisfação por voltar para casa.

Quando a Dra. Singh está saindo do quarto, Christian pede para ter uma conversa rápida com ela no corredor. Ele mantém a porta aberta enquanto faz uma pergunta. Ela sorri.

— Sim, Sr. Grey, sem problema.

Ele sorri e volta para o quarto bem mais feliz.

— Sobre o que vocês estavam falando?

— Sexo — responde ele, com um sorriso libidinoso.

Ah. Fico vermelha.

— E então?

— Você está liberada. — Ele sorri maliciosamente.

Ah, Christian!

— Estou com dor de cabeça. — E também abro um sorriso.

— Eu sei. Você vai estar fora de combate por um tempo. Só quis verificar.

Fora de combate? Tenho uma súbita sensação de decepção. Não sei se quero ficar fora de combate.

A enfermeira Nora vem retirar o soro. Ela encara Christian com hostilidade. Acho que é uma das poucas mulheres que conheço que ignora o charme do meu marido. Digo uma palavra de agradecimento quando ela sai com o suporte do soro.

— Vamos para casa? — indaga Christian.

— Eu queria ver o Ray primeiro.

— Claro.

— Ele já sabe sobre o bebê?

— Achei que você mesma ia querer contar. Também não disse nada à sua mãe.

— Obrigada. — Sorrio, grata por ele não ter roubado minha novidade.

— Minha mãe sabe — acrescenta Christian. — Ela viu no prontuário. Contei para o meu pai, mas só ele. Minha mãe diz que os casais em geral esperam umas doze semanas… para ter certeza. — Ele dá de ombros.

— Não sei se estou preparada para contar ao Ray.

— Tenho que avisar: ele está bravo à beça. Disse que eu deveria dar umas palmadas em você.

O quê? Christian ri da minha expressão horrorizada.

— Eu disse que ficaria bem feliz em fazer isso.

— Você não disse isso! — exclamo, apesar de a minha memória estar sendo assombrada pelos ecos de uma conversa sussurrada. Sim, Ray passou aqui quando eu estava inconsciente…

Christian me dá uma piscadela.

— Olhe aqui, o Taylor trouxe roupas limpas. Eu ajudo você a se vestir.

* * *

COMO CHRISTIAN PREVIU, Ray está enfurecido. Não me lembro de algum dia tê-lo visto assim. Christian teve a sensatez de nos deixar sozinhos. Taciturno como ele só, Ray enche seu quarto de hospital com críticas severas, repreendendo-me por meu comportamento irresponsável. Voltei a ter doze anos.

Ah, papai, por favor, acalme-se. Sua pressão não vai aguentar isso.

— E ainda tive que aturar a sua mãe — resmunga ele, acenando com as mãos em irritação.

— Pai, desculpe.

— E o pobre do Christian? Nunca vi o rapaz assim. Ele até envelheceu. Nós dois envelhecemos várias décadas nos últimos dias.

— Ray, desculpe.

— Sua mãe está esperando um telefonema seu. — Seu tom de voz agora é mais moderado.

Beijo-o no rosto, e finalmente ele ameniza o discurso.

— Vou ligar para ela. Eu sinto muito, sinto mesmo. Mas agradeço por você ter me ensinado a atirar.

Por um instante ele me observa com um orgulho paterno mal disfarçado.

— Ainda bem que você sabe atirar direito — diz ele, com a voz áspera. — Agora, vá para casa e descanse um pouco.

— Você está com uma aparência boa, pai. — Tento mudar de assunto.

— Você está pálida.

O medo está estampado em seu rosto. Sua expressão é a mesma de Christian ontem à noite. Seguro sua mão.

— Eu estou bem. Prometo que não vou mais fazer uma coisa dessas.

Ele aperta minha mão e me puxa para um abraço.

— Se acontecesse alguma coisa com você… — sussurra ele, numa voz rouca e baixa.

Meus olhos se enchem de lágrimas. Não estou habituada a ver meu padrasto fazendo demonstrações abertas de afeto.

— Pai, eu estou bem. Nada que um bom banho quente não cure.

* * *

SAÍMOS PELA PORTA dos fundos do hospital, para evitar os paparazzi amontoados na entrada principal. Taylor nos conduz ao SUV que está à nossa espera.

Christian fica calado durante o caminho para casa. Constrangida, procuro evitar o olhar de Sawyer pelo retrovisor, já que a última vez que o vi foi quando o despistei no banco. Ligo para minha mãe, que está aos prantos. Durante todo o percurso do hospital para casa eu tento acalmá-la, mas afinal acabo conseguindo, sob a promessa de que vou visitá-la em breve. Enquanto estou ao telefone, Christian fica segurando minha mão, acariciando-a com o polegar. Ele está nervoso… aconteceu alguma coisa.

— O que foi? — pergunto quando finalmente me livro da minha mãe.

— O Welch quer me ver.

— O Welch? Por quê?

— Ele descobriu alguma coisa sobre aquele filho da mãe do Hyde. — Seus lábios se dobram em fúria; uma onda de medo atravessa meu corpo. — Não quis me contar o que era pelo telefone.

— Ah.

— Ele vem de Detroit hoje à tarde.

— Você acha que ele descobriu alguma ligação?

Ele assente.

— O que acha que é?

— Não faço ideia. — E suas sobrancelhas se enrugam em perplexidade.

Taylor entra na garagem do Escala e, antes de estacionar, para junto ao elevador para sairmos. Ali dentro podemos evitar a atenção dos fotógrafos de plantão. Christian me ajuda a descer. Com o braço em volta da minha cintura, me leva até o elevador.

— Feliz de chegar em casa? — pergunta ele.

— Sim — sussurro.

Porém, quando me vejo no ambiente familiar do elevador, a enormidade daquilo por que passei me faz desabar e começo a tremer.

— Ei… — Christian me envolve em seus braços e me puxa para si. — Você está em casa. Está tudo bem — diz, beijando meu cabelo.

— Ah, Christian.

Começo a soluçar, liberando uma represa de lágrimas que eu nem sabia que estava prestes a se romper.

— Shhh — sussurra Christian, aninhando minha cabeça contra seu peito.

Mas é tarde demais. Completamente abalada pelas minhas emoções, choro na camiseta dele, lembrando-me do ataque cruel de Jack (“Isso é pela SIP, sua piranha filha da puta!”), das minhas palavras ao dizer a Christian que o estava deixando (“Você vai embora?”) e de meu temor, meu temor visceral por Mia, por mim mesma e pelo meu Pontinho.

Quando as portas do elevador se abrem, Christian me pega como se eu fosse uma criança e me carrega pelo hall. Enrosco as mãos em seu pescoço e me agarro nele, chorando em silêncio.

Ele me carrega até o banheiro e me coloca delicadamente na cadeira.

— Quer tomar um banho de banheira? — pergunta.

Balanço a cabeça. Não… não… não como a Leila.

— Uma chuveirada? — Sua voz está engasgada de preocupação.

Por entre as lágrimas, faço um gesto de anuência. Quero me lavar da sensação de sujeira dos últimos dias, me livrar da lembrança da agressão de Jack. “Sua puta vendida.” Continuo a soluçar, o rosto entre as mãos, enquanto o som da água caindo do chuveiro ecoa nas paredes.

— Ei — sussurra Christian, ajoelhando-se na minha frente.

Ele tira as minhas mãos do meu rosto banhado de lágrimas e o segura em suas mãos. Eu o fito, piscando para afastar as lágrimas.

— Você está a salvo. Vocês dois — murmura ele.

Eu e o Pontinho. Meus olhos novamente se enchem de lágrimas.

— Agora pare. Não suporto ver você chorar. — Sua voz está rouca. Seus polegares limpam minha face, mas as lágrimas teimam em cair.

— Eu sinto muito, Christian. Por tudo. Por fazer você ficar preocupado, por arriscar tudo… pelo que eu disse.

— Não fale mais, querida, por favor. — Ele beija minha testa. — Também sinto muito. Também errei muito, Ana. — Ele me dá um sorriso torto. — Eu disse e fiz coisas das quais não me orgulho. — Seus olhos cinzentos estão desolados, arrependidos. — Vou tirar sua roupa — diz ele, com a voz suave. Limpo o nariz com as costas da mão, e ele beija minha testa mais uma vez.

Christian tira minha roupa com agilidade, sendo especialmente cuidadoso ao passar a camiseta pela minha cabeça. Mas já não sinto tanta dor de cabeça. Ele me conduz até o chuveiro e tira a própria roupa em tempo recorde, para então entrar comigo embaixo da água tão quente e agradável. Christian me puxa para si e me abraça por um longo tempo, enquanto a água cai sobre nós dois, confortando-nos.

Ele me deixa chorar colada ao seu peito. De vez em quando beija minha cabeça, mas não me solta, apenas me balança suavemente sob a água morna. É tão bom sentir sua pele contra a minha, os pelos do seu peito no meu rosto… o homem que amo, este homem belo e inseguro, o homem que eu poderia ter perdido por causa da minha irresponsabilidade. Sinto-me vazia e angustiada diante desse pensamento, mas ao mesmo tempo aliviada por ele estar aqui, ainda aqui — apesar de tudo o que aconteceu.

Ainda me deve explicações, mas no momento quero aproveitar a sensação dos seus braços protetores e reconfortantes ao redor do meu corpo. E é então que me ocorre: quaisquer explicações têm que vir dele próprio. Não posso forçá-lo a nada… é preciso que ele queira me contar. Não vou passar pela esposa resmungona, que vive tentando adular o marido em troca de informações. É exaustivo. Eu sei que ele me ama. Sei que ele me ama mais do que jamais amou qualquer outra pessoa; por enquanto, isso basta. Essas conclusões me trazem uma sensação de libertação. Paro de chorar e dou um passo para trás.

— Está melhor? — pergunta ele.

Faço que sim.

— Ótimo. Agora me deixe dar uma olhada em você — diz ele, e por um segundo não entendo o que quer.

Mas ele pega minha mão e examina o braço sobre o qual caí quando Jack me bateu. Há hematomas no meu ombro e arranhões no cotovelo e no pulso. Ele beija cada uma dessas partes. Então, pegando uma esponja e gel de banho, o doce e conhecido aroma de jasmim chega até as minhas narinas.

— Vire-se.

Delicadamente, ele começa a lavar meu braço machucado, meu pescoço, meus ombros, minhas costas e meu outro braço. Ele me gira de lado e passa os dedos compridos pela lateral do meu corpo, e quando alcança o enorme hematoma no meu quadril, eu me retraio. Seus olhos se endurecem, seus lábios se estreitam. É perceptível sua raiva quando ele assobia por entre os dentes.

— Não está doendo — murmuro, para tranquilizá-lo.

Olhos cinzentos em brasas encontram os meus.

— Quero matar aquele homem. Quase o matei — murmura ele misteriosamente.

Franzo o cenho e estremeço diante de sua expressão sombria. Ele derrama mais gel de banho na esponja e, com gestos suaves e extremamente ternos, lava a lateral do meu corpo e a parte de trás. Depois, se ajoelha e passa para as minhas pernas. Faz uma pausa para examinar meu joelho. Roça os lábios sobre o machucado antes de voltar a me lavar, dessa vez meus pés e pernas. Abaixando-me um pouco, acaricio sua cabeça, passando os dedos pelo seu cabelo molhado. Ele se põe de pé e, com os dedos, traça o contorno do hematoma sobre as minhas costelas, onde Jack me chutou.

— Ah, querida — geme ele, sua voz revelando angústia e seus olhos destilando fúria.

— Eu estou bem.

Puxo sua cabeça e o beijo na boca. Ele hesita em retribuir o beijo, mas quando minha língua encontra a dele, seu corpo se mexe contra o meu.

— Não — murmura ele, ainda com os lábios próximos dos meus, e se afasta. — Vamos acabar o banho.

Seu rosto está sério. Droga… Ele realmente quer assim. Faço beicinho, e a atmosfera se desanuvia logo. Ele ri e me dá um beijo rápido.

— Quero você limpinha — diz ele. — Não suja.

— Eu gosto de coisas sujas.

— Eu também, Sra. Grey. Mas não agora, nem aqui.

Ele apanha o xampu e, antes que eu possa convencê-lo do contrário, começa a lavar meu cabelo.

* * *

TAMBÉM GOSTO DE coisas limpas. Sinto-me renovada e revigorada, e não sei se é por causa do banho, do choro ou da minha decisão de parar de discutir com Christian por qualquer coisa. Ele me envolve em uma enorme toalha e enrola uma outra no próprio quadril enquanto enxugo o cabelo com cuidado. Minha cabeça dói — uma dor maçante e persistente, porém perfeitamente suportável. A Dra. Singh me deu alguns analgésicos, mas pediu que eu só os tomasse em caso de real necessidade.

Quando estou penteando o cabelo, penso em Elizabeth.

— Ainda não entendo por que a Elizabeth se envolveu com o Jack.

— Eu entendo — balbucia Christian, numa voz sombria.

Isso é novidade. Franzo a testa para ele, mas me distraio: ele está secando o cabelo com uma toalha, o peito e os ombros ainda com gotas de água brilhando sob as lâmpadas halógenas. Ele faz uma pausa e abre um sorriso malicioso.

— Apreciando a vista?

— Como você sabe? — pergunto, tentando ignorar que fui flagrada admirando o meu próprio marido.

— Que você está apreciando a vista? — provoca ele.

— Não — retruco em tom de reprimenda. — Sobre a Elizabeth.

— O detetive Clark me deu uma pista.

Olho para ele com minha expressão de me-conte-mais, e me vem outra recordação desagradável do tempo em que fiquei inconsciente. Clark esteve no meu quarto. Queria me lembrar do que ele disse.

— Hyde tinha vídeos. Vídeos delas todas. Em diversos pen drives.

O quê? Arregalo os olhos, minha testa se enrugando toda.

— Vídeos dele trepando com ela e com todas as outras assistentes.

Ah!

— Exatamente. Material para chantagem. Ele gosta de sexo violento.

Christian franze o cenho, e percebo a confusão, depois o nojo, passarem pelo seu rosto. Ele empalidece à medida que o nojo se transforma em auto-ódio. É claro: ele também gosta de sexo violento.

— Não faça isso — falo antes de pensar duas vezes.

Sua testa se franze ainda mais.

— Isso o quê? — Ele fica parado e me olha apreensivo.

— Você não se parece em nada com ele.

Seu olhar endurece, mas ele não diz uma palavra, o que confirma que era exatamente isso o que ele estava pensando.

— Em nada mesmo. — Minha voz soa inflexível.

— Somos farinha do mesmo saco.

— Não são, não — retruco incisivamente, apesar de entender por que ele pensaria dessa forma.

“O pai dele morreu numa briga de bar. A mãe bebeu até perder a consciência. Ele passou a infância pulando de orfanato em orfanato… e de confusão em confusão também. A maioria por roubo de carros. Passou um tempo no reformatório.” Lembro-me das informações que Christian me revelou no avião para Aspen.

— Você dois têm passados atribulados e os dois nasceram em Detroit. A semelhança acaba aí, Christian. — Ponho as mãos na cintura.

— Ana, sua fé em mim é tocante, ainda mais diante do que aconteceu nos últimos dias. Vamos saber de mais coisas quando o Welch chegar. — Ele está fugindo do assunto.

— Christian…

Ele me interrompe com um beijo.

— Chega — diz ele baixinho, e eu me lembro da promessa que fiz a mim mesma de não pressioná-lo por informações. — E não faça beicinho — acrescenta. — Venha. Vou secar o seu cabelo.

E percebo que o assunto está encerrado.

* * *

DEPOIS DE VESTIR uma camiseta e uma calça de moletom, eu me sento entre as pernas de Christian e deixo que ele seque meu cabelo.

— Então o Clark disse algo mais enquanto eu estava inconsciente?

— Não que eu me lembre.

— Eu ouvi algumas conversas suas.

O secador de cabelos para de se mover.

— Ah, é? — pergunta ele, num tom indiferente.

— Sim. Com meu pai, seu pai, o detetive Clark… sua mãe.

— E a Kate?

— Kate esteve lá?

— Sim, rapidamente. Ela também está uma fera com você.

Eu me viro no colo dele.

— Vamos parar com essa chatice de Ana, todo mundo está bravo com você?

— Só estou dizendo a verdade — rebate Christian, confuso com a minha explosão.

— Eu sei, foi insensato, mas poxa, a sua irmã estava em perigo.

Seu rosto adquire um ar abatido.

— É verdade.

Ele desliga o secador e o coloca ao seu lado na cama. Então pega meu queixo.

— Obrigado — diz, para minha surpresa. — Mas chega de insensatez. Porque, da próxima vez, eu vou encher você de porrada.

Solto uma exclamação.

— Você não se atreveria!

— Atreveria, sim. — Ele fala sério. Puta merda. Sério mesmo. — Eu tenho a permissão do seu padrasto.

Ele sorri. Está me provocando! Ou será que não? Eu me jogo em cima dele, e ele se torce de modo que caio sobre a cama, em seus braços. Quando aterrisso, sinto uma forte dor nas costelas e estremeço.

Christian empalidece.

— Comporte-se! — ralha ele comigo, e por um momento fica irritado.

— Desculpe — balbucio, acariciando seu rosto.

Ele afaga minha mão e a beija com delicadeza.

— Francamente, Ana, você não tem nenhuma consideração com a sua própria segurança. — Ele levanta a minha camiseta e descansa os dedos na minha barriga. Paro de respirar. — Não se trata mais só de você — murmura ele, fazendo uma trilha com os dedos ao longo da cintura da minha calça, acariciando minha pele.

O desejo explode inesperadamente, surgindo quente e intenso no meu sangue. Solto um suspiro, e Christian enrijece o corpo, deixando os dedos descansarem sobre mim e me olhando fixamente. Ele levanta a mão e coloca uma mecha de cabelo atrás da minha orelha.

— Não — murmura.

O quê?

— Não olhe para mim dessa forma. Eu vi os hematomas. E a resposta é não. — Sua voz é firme, e ele me beija na testa.

Eu me contorço.

— Christian… — gemo.

— Não. Já para a cama. — Ele se senta.

— Cama?

— Você precisa descansar.

— Eu preciso de você.

Ele fecha os olhos e balança a cabeça como se fizesse um grande esforço. Quando os abre novamente, percebo que seus olhos brilham, e ele está firme em sua resolução.

— Faça o que eu mandei, Ana.

Fico tentada a tirar a roupa, mas me lembro dos hematomas e vejo que não vou ganhá-lo por esse caminho.

Aquiesço relutante.

— Tudo bem — e deliberadamente faço um bico bem exagerado.

Ele sorri, achando graça.

— Vou lhe trazer o almoço.

— Você vai cozinhar? — Quase tenho uma síncope.

Ele se digna a rir.

— Vou esquentar alguma coisa. A Sra. Jones tem andado ocupada.

— Christian, eu faço. Estou bem. Puxa, se eu quero fazer sexo, com certeza posso cozinhar.

Eu me sento de uma maneira esquisita, tentando esconder o desconforto causado pelas minhas costelas doloridas.

— Cama! — Os olhos de Christian faíscam, e ele aponta para o travesseiro.

— Deite comigo — murmuro, desejando estar usando algo mais atraente do que calça de moletom e camiseta.

— Ana, vá para a cama. Agora.

Assumindo uma expressão zangada, eu me levanto e deixo minha calça cair no chão sem cerimônia, encarando-o emburrada o tempo todo. Sua boca se torce enquanto ele puxa o edredom, achando graça.

— Você ouviu a Dra. Singh. Ela disse para você descansar. — Sua voz soa mais suave. Deito na cama e cruzo os braços, frustrada. — Não saia daqui — diz ele, sem dúvida se divertindo.

E fico ainda mais zangada.

* * *

O ENSOPADO DE galinha da Sra. Jones é com certeza um dos meus pratos prediletos. Christian come comigo, sentado de pernas cruzadas no meio da cama.

— Essa comida foi muito bem aquecida. — Dou um riso forçado e ele sorri. Estou satisfeita e sonolenta. Será que era esse o plano dele?

— Você parece cansada. — Ele pega minha bandeja.

— E estou.

— Ótimo. Durma, então. — Ele me beija. — Tenho que trabalhar. Vou fazer isso aqui, se não se importar.

Faço que sim… lutando em vão contra minhas pálpebras. Eu não fazia ideia de que um ensopado de galinha podia ser tão cansativo.

* * *

JÁ ESTÁ ANOITECENDO quando acordo. Uma luz rosada e pálida inunda o quarto. Christian está sentado na poltrona, observando-me, os olhos cinzentos brilhando na luz ambiente. Ele segura alguns papéis, o rosto sem cor.

Puta merda!

— O que aconteceu? — pergunto imediatamente, sentando-me e ignorando as costelas doloridas.

— Welch acabou de sair.

Ah, merda.

— E então?

— Eu morei com o filho da puta — murmura ele.

— Morou? Com o Jack?

Ele confirma, os olhos bem abertos.

— Vocês são parentes?

— Não. Por Deus, não.

Eu me arrasto para um lado da cama e puxo o edredom, convidando-o a vir para mais perto de mim. Para minha surpresa, ele não hesita. Chuta os sapatos para fora dos pés e desliza para dentro do edredom. Passando um braço ao meu redor, ele se encolhe, descansando a cabeça no meu colo. Fico pasma. O que é isso?

— Não entendo — murmuro, fitando-o e passando os dedos pelo seu cabelo. Christian fecha os olhos e franze as sobrancelhas como se tentasse com muito esforço se lembrar de algo.

— Depois que me encontraram com a prostituta drogada, antes de eu ir morar com o Carrick e a Grace, eu fiquei aos cuidados do estado de Michigan. Morei com uma família adotiva provisória, mas não consigo me lembrar nada daquela época.

Minha mente agora está a mil. Família provisória? Isso é novidade para nós dois.

— Por quanto tempo? — murmuro.

— Uns dois meses. Não me lembro de nada.

— Você falou com os seus pais sobre isso?

— Não.

— Pois deveria, eu acho. Talvez eles o ajudem a preencher algumas lacunas.

Ele me abraça apertado.

— Olhe.

Ele me entrega os papéis que estava segurando: duas fotografias. Acendo a luz da cabeceira para poder examinar melhor as imagens. A primeira delas mostra uma casa velha com a porta da frente amarela e uma enorme janela no telhado. Tem uma varanda e um pequeno quintal na frente. Uma casa totalmente comum.

A segunda é de uma família; à primeira vista, uma família de operários normal: um homem e sua esposa, eu acho, e os filhos. Os dois adultos vestem camisetas azuis desbotadas e deselegantes. Devem ter uns quarenta anos. A mulher tem o cabelo louro esticado para trás e o homem usa o cabelo bem curto e austero, mas ambos sorriem calorosamente para a câmera. O homem está com um braço em volta dos ombros de uma adolescente mal-humorada. Dou uma olhada nas crianças: dois meninos — gêmeos idênticos, de cerca de doze anos —, ambos com cabelo cor de areia, rindo largamente para a câmera; um outro menino, menor, de cabelo louro arruivado e olhar carrancudo; e atrás dele, mais um menino, pequeno, com cabelo cor de cobre e olhos cinzentos. O menorzinho, com os olhos arregalados e amedrontados, veste roupas descombinadas e está agarrado a um cobertorzinho sujo.

Cacete.

— Este aqui é você — murmuro, o coração quase saindo pela boca.

Sei que Christian tinha quatro anos quando a mãe morreu, mas essa criança parece bem mais nova. Ele devia estar muito malnutrido. Abafo um soluço quando as lágrimas brotam nos meus olhos. Ah, meu amor.

— Sou eu. — Ele confirma com um aceno de cabeça.

— Welch trouxe essas fotografias?

— Sim. Eu não me lembro de nada disso. — Sua voz parece sem entonação, sem vida.

— De um lar adotivo provisório? E por que você iria se lembrar disso? Christian, foi há muito tempo. É isso que está preocupando você?

— Eu me lembro de outras coisas, de antes e depois. Quando conheci minha mãe e meu pai. Mas isso… é como se fosse um gigantesco hiato.

Meu coração se retorce, e começo a compreender. Meu querido maníaco por controle gosta de tudo em seu devido lugar, e agora soube que há peças faltando no quebra-cabeça.

— Jack aparece na foto?

— Sim, é o menino mais velho.

Os olhos de Christian continuam bem fechados, e ele se agarra a mim como se eu fosse um bote salva-vidas. Deslizo os dedos pelo cabelo dele e presto mais atenção ao menino mais velho, que encara a câmera com ar desafiador e arrogante. Dá para perceber que é Jack. Porém, ele não passa de uma criança, um menino triste de oito ou nove anos, ocultando seu medo por trás da atitude hostil. De repente me lembro de algo.

— Quando o Jack me telefonou para dizer que estava com a Mia, ele disse que, se as coisas tivessem sido diferentes, ele poderia ser você.

Christian fecha os olhos e estremece.

— Aquele filho da puta!

— Você acha que ele agiu assim porque os Grey adotaram você em vez dele?

— Quem sabe? — Seu tom de voz traz amargura. — Não dou a mínima para ele.

— Talvez ele soubesse que a gente estava junto quando eu fui para aquela entrevista de emprego. Talvez ele estivesse o tempo todo planejando me seduzir. — Sinto um gosto de fel na boca.

— Acho que não — murmura Christian, abrindo os olhos. — As pesquisas que ele fez sobre a minha família só começaram pelo menos uma semana depois de você começar a trabalhar na SIP. Barney sabe as datas exatas. E, Ana, ele trepou com todas as assistentes que teve, e filmou tudo. — Christian fecha os olhos e se aconchega mais em mim.

Reprimindo o pavor que as lembranças me trazem, tento me recordar das várias conversas que tive com Jack logo que comecei a trabalhar na SIP. No fundo eu sabia que ele não prestava, mas assim mesmo ignorei todos os meus instintos. Christian tem razão: não me importo muito com minha própria segurança. Eu me lembro da briga que tivemos por causa da minha viagem a Nova York com Jack. Minha nossa… eu poderia ter ido parar em algum sórdido vídeo pornográfico. Só de pensar, fico enjoada. E então me lembro das fotos que Christian guardava de suas submissas.

Ah, merda. “Somos farinha do mesmo saco.” Não, Christian, não são, você não se parece em nada, nadinha com ele. Christian continua enroscado em mim como uma criancinha.

— Acho que você deveria falar com os seus pais.

Não quero que ele se mexa; por isso, deslizo para trás na cama de modo a encará-lo.

Um olhar cinzento e desnorteado encontra o meu, fazendo-me lembrar a criança da fotografia.

— Eu ligo para eles, ok? — murmuro. Ele balança a cabeça. — Por favor — suplico.

Ele me fita, e em seu olhar vejo a dor e a insegurança que o afligem, enquanto ele considera meu pedido. Ah, Christian, por favor!

— Eu ligo — diz ele, em voz baixa.

— Que bom. Podemos ir juntos visitá-los, ou você vai sozinho. O que preferir.

— Não. Eles podem vir aqui.

— Por quê?

— Não quero que você vá a lugar algum.

— Christian, eu posso muito bem sair de carro.

— Não. — Sua voz é firme, mas ele me dá um sorriso irônico. — Além do mais, é sábado à noite, eles devem ter saído.

— Ligue para eles. Essa história perturbou você, sem dúvida. Talvez eles possam esclarecer alguma coisa.

Olho para o relógio. São quase sete da noite. Ele me observa impassível por um momento.

— Tudo bem — diz afinal, como se eu estivesse lhe propondo um desafio. Então senta-se e pega o telefone que fica ao lado da cama.

Passo os braços em volta dele e descanso a cabeça em seu peito enquanto faz a ligação.

— Pai? — Noto que ele fica surpreso de Carrick ter atendido o telefone. — Ana está bem. Estamos em casa. O Welch acabou de sair daqui. Ele descobriu a conexão… a casa de adoção provisória em Detroit… Não me lembro de nada disso. — Sua voz é quase inaudível quando ele profere a última frase. Meu coração se comprime de novo. Eu o abraço, e ele aperta meu ombro. — É… Vocês vêm?… Ótimo. — Ele desliga. — Estão vindo para cá. — Ele parece surpreso, e percebo que nunca deve ter pedido a ajuda dos pais antes.

— Muito bem. Tenho que me vestir.

Seu braço se aperta ao meu redor.

— Não vá.

— Tudo bem.

Eu me aconchego nele outra vez, surpresa por ter me contado tanta coisa a seu respeito — e de forma inteiramente voluntária.

* * *

QUANDO NOS ENCONTRAMOS, à porta da sala, Grace me acolhe ternamente nos braços.

— Ana, Ana, minha querida Ana — murmura ela. — Você salvou dois dos meus filhos. Como posso algum dia lhe agradecer?

Fico vermelha, ao mesmo tempo emocionada e constrangida pelas suas palavras. Carrick me abraça também e beija minha testa.

Em seguida, Mia me agarra, apertando minhas costelas. Eu estremeço e solto uma exclamação de dor, mas ela não percebe.

— Obrigada por me livrar daqueles babacas.

Christian olha bravo para ela:

— Mia! Cuidado! Ela está dolorida.

— Ah! Desculpe.

— Estou bem — balbucio, aliviada quando ela me solta.

Ela parece bem. Impecavelmente vestida numa calça jeans preta e numa blusa de um cor-de-rosa claro com babados. Que bom que troquei de roupa, tendo colocado um confortável vestido transpassado e sapatos sem salto. Pelo menos tenho uma aparência apresentável.

Correndo para Christian, Mia passa o braço pela cintura dele.

Sem dizer nada, ele entrega a fotografia a Grace. Ela solta uma exclamação de surpresa e cobre a boca com a mão, tentando reprimir a emoção ao reconhecer Christian instantaneamente. Carrick passa o braço em volta dos ombros de Grace e também se põe a examinar a foto.

— Ah, querido. — Grace acaricia o rosto de Christian.

Taylor aparece, dizendo:

— Sr. Grey? A Srta. Kavanagh, o irmão dela e o seu irmão estão subindo, senhor.

Christian franze o cenho.

— Obrigado, Taylor — balbucia, confuso.

— Liguei para o Elliot e disse que estávamos vindo para cá. — Mia sorri. — É uma festa de boas-vindas.

Rapidamente lanço um olhar de solidariedade para meu pobre marido; tanto Grace quanto Carrick encaram Mia exasperados.

— Acho melhor providenciar algo para comermos — digo. — Mia, você pode me ajudar?

— Ah, eu adoraria.

Eu a levo rapidamente para a área da cozinha, enquanto Christian conduz os pais até seu escritório.

.

* * *

KATE ESTÁ APOPLÉTICA de indignação direcionada a mim e a Christian, mas principalmente a Jack e Elizabeth.

— O que é que você estava pensando, Ana? — grita ela quando me encontra na cozinha, atraindo os olhares de todas as pessoas presentes.

— Kate, por favor. Já ouvi esse mesmo sermão de todo mundo! — retruco rispidamente.

Ela me encara com ar de censura, e por um minuto tenho a impressão de que vou ter que me submeter a um sermão Kavanagh sobre como não sucumbir a sequestradores, mas, em vez disso, ela me abraça.

— Caramba, Steele… às vezes você esquece que tem cérebro — sussurra ela. E, quando me beija no rosto, vejo que seus olhos estão marejados. Kate! — Fiquei tão preocupada com você!

— Não chore. Senão eu choro junto.

Ela se afasta e enxuga os olhos, envergonhada; depois, inspira profundamente e se recompõe.

— Agora aos assuntos felizes: marcamos a data do casamento. Pensamos em maio. E claro que queremos você como madrinha.

— Ah… Kate… Uau. Parabéns! — Droga… Pontinho… Júnior!

— O que foi? — pergunta ela, interpretando mal a minha expressão preocupada.

— Hã… Estou muito feliz por você. Alguma notícia boa, afinal.

Passo os braços em volta de Kate e a puxo para um abraço. Merda, merda, merda. Quando o Pontinho deve nascer? Mentalmente calculo a data provável. A Dra. Greene disse que eu estava de quatro ou cinco semanas. Então… em algum momento de maio? Merda.

Elliot me passa uma taça de champanhe.

Ah. Merda.

Christian sai do escritório de tez pálida, e acompanha os pais até a sala. Seus olhos se arregalam quando ele vê a taça em minha mão.

— Kate — ele a cumprimenta, com frieza.

— Christian. — Ela é igualmente fria. Solto um suspiro.

— Seus remédios, Sra. Grey. — Ele está olhando para a taça em minha mão.

Estreito os olhos. Droga. Eu queria beber. Grace chega na cozinha sorrindo e pega uma taça oferecida por Elliot.

— Um golinho só não tem importância — sussurra ela, com uma piscadela conspiratória, e ergue a taça para brindar.

Christian encara a nós duas com expressão carrancuda, até que Elliot o distrai com as novidades sobre o último jogo entre os Mariners e os Rangers.

Carrick também se junta a nós e coloca os braços em volta dos nossos ombros. Grace beija seu rosto antes de sentar-se perto de Mia no sofá.

— Como ele está? — sussurro para Carrick enquanto nós estamos na cozinha observando a família recostada no sofá. Surpresa, noto que Mia e Ethan estão de mãos dadas.

— Abalado — sussurra Carrick, sua testa se enrugando e seu rosto sério. — Ele se lembra tanto da vida que levava com a mãe biológica… muitas coisas que eu até gostaria que ele esquecesse. Mas isso… — Ele faz uma pausa. — Espero que a gente tenha dado uma ajuda. Fico feliz de ele ter nos chamado. Ele disse que foi você que sugeriu. — Seu olhar se suaviza. Dou de ombros e tomo um gole bem pequeno de champanhe. — Você é muito boa para ele. Ele não ouve mais ninguém.

Franzo a testa. Não acho que isso seja verdade. O espectro inoportuno da Monstra Filha da Mãe ainda me assombra constantemente. Sei que Christian fala com Grace também. Eu ouvi. Mais uma vez, sinto uma breve frustração quando tento decifrar a conversa que eles tiveram no hospital, mas a lembrança me foge.

— Venha se sentar, Ana. Você parece cansada. Tenho certeza de que não esperava tanta gente aqui esta noite.

— É ótimo ver todo mundo.

Sorrio. Porque é verdade, é ótimo. Sou uma filha única que se agregou a uma família grande e gregária, e adoro isso. Eu me aconchego junto a Christian.

— Um gole só — diz ele, baixinho, e tira a taça da minha mão.

— Sim, senhor.

Pisco os cílios, desarmando-o completamente. Ele coloca o braço em volta dos meus ombros e volta à sua conversa sobre beisebol com Elliot e Ethan.

* * *

— MEUS PAIS PENSAM que você pode até caminhar sobre a água — murmura Christian enquanto tira a camiseta.

Estou aconchegada na cama assistindo ao espetáculo.

— Ainda bem que você sabe que não é verdade.

— Ah, não sei não. — Ele tira a calça jeans.

— Eles falaram algo de útil?

— Algumas coisas. Eu morei com os Collier durante dois meses, enquanto meus pais esperavam a papelada ficar pronta. Eles já tinham sido aprovados para adoção, por causa do Elliot, mas a lei exige um tempo de espera para ver se algum parente vivo quer reivindicar a guarda.

— Como você se sente a respeito disso? — murmuro.

Ele franze a testa.

— O fato de não ter parentes vivos? Que se foda. Se fossem parecidos com a prostituta drogada… — Ele balança a cabeça com repugnância.

Ah, Christian! Você era uma criança e amava a sua mãe.

Ele veste o pijama, sobe na cama e delicadamente me puxa para seus braços.

— Minha memória está voltando. Eu me lembro da comida. A Sra. Collier sabia cozinhar. E pelo menos sabemos agora por que aquele filho da puta é tão cismado com a minha família. — Ele passa a mão livre pelo cabelo. — Cacete! — diz, repentinamente se virando para mim, perplexo.

— O que foi?

— Agora faz sentido. — Seus olhos revelam que ele se recordou de algo.

— O quê?

— Passarinho. A Sra. Collier me chamava de Passarinho.

Franzo o cenho, sem entender.

— E isso faz sentido?

— O bilhete — explica ele, olhando-me fixamente. — O bilhete de resgate que o filho da puta me deixou. Era algo parecido com “Você sabe quem eu sou? Porque eu sei quem você é, Passarinho”.

Para mim, não faz nenhum sentido.

— É de um livro infantil. Meu Deus. Tinha esse livro na casa dos Collier. Chamava-se… Você é a minha mãe? Merda. — Seus olhos se arregalam. — Eu adorava aquele livro.

Ah. Eu conheço o livro. Meu coração fica em pedaços… Christian!

— A Sra. Collier lia essa história para mim.

Fico perdida, sem saber o que dizer.

— Meu Deus. Ele sabia… o filho da puta sabia.

— Você vai contar isso à polícia?

— Vou. Vou, sim. Só Deus sabe o que o Clark vai fazer com essa informação. — Ele balança a cabeça, como se tentasse clarear os pensamentos. — Bom, obrigado por esta noite.

Uau. Mudança total.

— Pelo quê?

— Por fazer uma refeição para a minha família num piscar de olhos.

— Não me agradeça, agradeça à Mia. E à Sra. Jones, que mantém a despensa cheia.

Ele balança a cabeça parecendo irritado. Comigo? Por quê?

— Como está se sentindo, Sra. Grey?

— Bem. E você? Como está se sentindo?

— Estou bem. — Ele franze o cenho… sem entender minha preocupação.

Ah… Nesse caso… Faço meus dedos descerem do seu peito até onde começam seus pelos pubianos.

Ele ri e agarra minha mão.

— Ah, não. Não comece com essas ideias.

Faço um beicinho triste, e ele suspira.

— Ana, Ana, Ana, o que eu vou fazer com você? — Ele beija meu cabelo.

— Tenho algumas sugestões.

Eu me contorço por baixo dele e estremeço quando a dor se irradia das minhas costelas machucadas para todo o meu tronco.

— Baby, você já passou por problemas suficientes. Além disso, eu tenho uma história para lhe contar.

Hã?

— Você queria saber… — Ele não termina a frase; fecha os olhos e engole em seco.

Todos os pelos do meu corpo se eriçam. Merda.

Ele começa, numa voz suave:

— Imagine a cena: um adolescente louco para ganhar um dinheirinho extra para poder continuar com seu hábito secreto de beber.

Ele se vira de lado e ficamos cara a cara, ele olhando bem nos meus olhos.

— Então eu me vi no quintal dos Lincoln, limpando pedregulhos e entulho da ampliação que o Sr. Lincoln tinha acabado de concluir na casa…

Puta merda… ele está falando.

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